Qual o papel do marketing relacional na era da integração?
Com a convergência dos meios e a consequente diluição das disciplinas da comunicação, os especialistas contactados pelo M&P acreditam que, num contexto de mudança de paradigma, as agências de marketing […]
Filipe Pacheco
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Com a convergência dos meios e a consequente diluição das disciplinas da comunicação, os especialistas contactados pelo M&P acreditam que, num contexto de mudança de paradigma, as agências de marketing relacional desempenham um papel fundamental na relação entre marcas e consumidoresAs acções Voyeur para a HBO e Believe para o Halo 3 da Microsoft Xbox 360 são dois casos que fizeram furor em Cannes e que, para Ricardo Clemente, director-geral da Ogilvy One, representam na perfeição aquela que será, em breve, a tendência dominante do marketing: a convergência entre as várias disciplinas da comunicação. A primeira, desenvolvida pela BBDO Nova Iorque e com dois grandes prémios no festival de publicidade mais importante do mundo, nas categorias de promo e outdoor, teve o mérito de conduzir mais de 3.200 pessoas para um outdoor em Manhattan e de registar mais de um milhão de visitantes num site nas três primeiras semanas da iniciativa. Este projecto interactivo foi o grande vencedor do ano no festival One Show, e como o próprio nome indica, baseava-se numa experiência voyeurista que cruzava 12 histórias que podiam ser acompanhadas através da internet. Os conteúdos também foram transportados para o telemóvel, para algumas redes sociais e para o blogue The Story Gets Deeper. Já a campanha integrada desenvolvida pela TAG San Francisco para o Halo3, que ganhou um grande prémio em Cannes, englobava um filme que remetia para um site onde podiam ser visualizadas várias histórias em redor do jogo para Xbox. Este é outro exemplo que vem demonstrar como as marcas estão a assumir-se como contadoras de histórias, tendo sido essa, aliás, a fórmula encontrada para contornarem o défice de relação entre a publicidade convencional e a nova geração de consumidores. O “engagement”, como refere Ricardo Clemente, é assim, neste momento, uma “das grandes tendências do mercado”, e nesse campo o marketing relacional é encarado como uma disciplina de charneira.
Recuando ainda ao sucedido recentemente em Cannes, o grande prémio atribuído ao trabalho na categoria de marketing directo vem dar razão às palavras do responsável da Ogilvy One. Aproveitando a ocasião do 60º aniversário da Índia independente, o The Times of India lançou o projecto Lead India, cujo vencedor teria apoio para concorrer a um lugar da assembleia daquele país e a uma bolsa de estudo numa das mais reputadas universidades do mundo: Harvard. No planeamento de meios, foram utilizados todos os canais de marketing directo, tendo culminado a iniciativa com a realização do concurso na televisão para escolher o vencedor. Uma história que, por sinal, não terá deixado indiferentes os 37 mil participantes, o que demonstra bem como as campanhas que estão a marcar a diferença são aquelas que englobam uma forte componente estratégica na sua execução. Num contexto de convergência, um pormenor a não desprezar terá sido o facto desta acção ter ido para Cannes com a chancela de uma agência tradicional, a JWT Índia. Estamos, pois, perante um cenário cuja maior evidência é o esbater das fronteiras entre disciplinas da comunicação, cabendo, por isso, questionar qual o papel das agências especializadas em marketing relacional nesta nova realidade. Disciplina faz mais sentido que nunca
Sendo ponto assente que a comunicação terá de convergir inevitavelmente para estes pressupostos, a existência de agências ou de unidades especializadas em marketing relacional no seio dos grandes grupos de comunicação faz, segundo alguns dos responsáveis ouvidos pelo M&P, mais sentido do que nunca. “É uma disciplina que pode liderar esta mudança. Chegou o momento em que as outras disciplinas vão ter de interagir muito mais com o marketing relacional, aprender muito mais com o marketing relacional e ir muito atrás daquilo que são as tendências ditadas por essa disciplina”, defende Ricardo Clemente. A emergência de uma tendência em que as marcas se apresentam aos consumidores como contadoras de histórias deve-se em muito, na opinião do responsável da Ogilvy One, ao marketing relacional, ou não fosse a disciplina que “procurou sempre relações continuadas com os consumidores”, já que na
sua génese “criou sempre conteúdos para manter conversas com as pessoas”, refere.
Também Jorge Castanheira, CEO da Wunderman, aponta nessa direcção: “O know how dessas fronteiras está aqui. Foi o marketing relacional que provocou a abertura dessas fronteiras, mesmo que não tenha acontecido dentro uma agência de marketing relacional”. Ou seja, a verdade é “que a dissipação das fronteiras tem acontecido porque cada vez mais é possível criar relações com o consumidor e, muitas vezes, não é só criar, é reforçar a relação que foi criada pelo próprio consumidor”. Para o responsável da Wunderman, a emergência de uma nova geração de consumidores só vem comprovar que o marketing directo é das áreas que se encontra mais alinhada com os novos modelos de comunicação. A esse propósito, demonstra ainda que, “na maioria das situações, a lógica deixou de estar assente na marca como um emissor de mensagens, mas como um participante de conversas onde estão uma série de mensagens a ser transmitidas em interacção. E esse know how está aqui, está nas agências especializadas”.
A Proximity faz parte da network da BBDO, onde em conjunto com a RMAC – a unidade de design do grupo -, tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de aproximação à integração de propostas apresentadas aos clientes. Daí que a BBDO Consultants tenha nascido com o objectivo de englobar as três áreas de negócio do grupo para dar resposta às novas necessidades que vão surgindo no mercado. Nuno Antunes, CEO da Proximity, defende que independente do modelo existente em cada grupo de comunicação, o importante é continuarem a existir unidades especializadas em marketing relacional. “Somos uma agência que faz exclusivamente marketing directo. O que depois fazemos, porque estamos integrados num grupo, é que quando é necessário fazer uma proposta integrada, fazemo-la em conjunto. Contudo, fazemos melhor marketing directo do que uma agência que não tem essas competências o faz”, adianta. Ou seja, “acreditamos na especialização através da integração”, explicando ainda que faz sentido haver agências de marketing directo, mas depois tem de haver a capacidade dessas agências saberem integrar a sua oferta e as suas capacidades com outro tipo de competências”.
O que diferencia o marketing relacional de uma unidade de advertising tradicional é a “sua componente estratégica”, diz Nuno Antunes. E explica: “O que é diferente nestas agências é a existência de uma parte muito mecânica de implementação no terreno. Há um mecanismo de situações e de funcionamento da própria campanha que estão muito ligadas ao terreno e à logística de implementação”.
Na prática, toda a componente estratégica e a implementação das ideias são apoiadas pela correcta leitura e interpretação das bases de dados e da informação. E embora admita que as agências de publicidade possam ter a capacidade para fazer trabalhos de marketing relacional, pois basta introduzirem um mecanismo de resposta numa peça de comunicação para que esta atinja esse estatuto, socorre-se de uma metáfora para ilustrar a sua argumentação: “Eu sei conduzir carros, mas se me puserem um camião à frente também o conduzo. Não o conduzo é tão bem. O importante é que quando se tem um cliente à frente e quando se tem um problema à frente, se ponha em primeiro lugar as ideias e só depois a execução”.
Execução essa, cujo sucesso depende, em grande medida, de uma boa gestão das bases de dados onde estão contidas todas as informações consideradas relevantes sobre os consumidores: “É fundamental para saber qual é o passo seguinte que devemos tomar para continuar a interagir com o consumidor. A gestão dos dados ganhou um ímpeto e uma nova dimensão com o surgimento destes canais de contacto”, refere Jorge Castanheira, explicando ainda que “aquilo que há uns anos era possível de fazer, que era estudar as reacções face a um ímpeto que a marca criava, um vale de desconto, uma promoção, uma acção de charme ou uma acção de fidelização, tem agora de estar automatizado e mecanizado para percebermos as reacções em tempo real. E são essas reacções que nos vão dar a base do conhecimento para decidirmos o que fazer a seguir”. O fim de fronteiras
Mário Rui Silva, presidente da HPP Euro RSCG, ilustra com exemplos o diluir das fronteiras existentes entre o trabalho das agências de marketing relacional e as agências de publicidade, sem por isso deixar de defender que aquelas incorporam um know how que lhes permite assumir uma relação continuada entre a marca e o consumidor: Qualquer anúncio que saia na imprensa, que tenha um número de telefone ou um site está a fazer marketing relacional porque vai gerar uma reacção da parte de quem o vê, pois vai dar origem a outras formas de comunicação e tecnicamente isso é marketing directo”. O presidente da HPP diz, contudo, ser necessária a existência de unidades específicas pela “especialização que isso implica”. Isto porque, como sublinha, nas acções de marketing directo produzidas pelas agências de publicidade é “gerado um contacto que, posteriormente, não tem sequência”, pelo que as classifica de marketing relacional “muito primário”. O mais importante, acrescenta Mário Rui Silva, é gerar uma “interacção que vai, por sua vez, dar-nos a conhecer cada vez melhor as preferências do consumidor para poder dar-lhe produtos e serviços à medida do que ele pretende. Os serviços são cada vez mais semelhantes e a forma como são trabalhados emocionalmente é que marca toda a diferença”, defende.
Já Ricardo Clemente diz acreditar na especialização, quando esta se encontra enquadrada numa vertente multidisciplinar, pois defende a necessidade de uma convergência ao nível do planeamento estratégico. “Não faz sentido uma disciplina ter um planeamento estratégico independente da outra disciplina, porque quando se aponta um caminho estratégico, este tem de ser pensado numa lógica multidisciplinar levando em conta aquilo que são as tendências do mundo de hoje”, afirma, e defende que a multidisciplinaridade deve ser assegurada na execução, na gestão e no desenvolvimento criativo dos projectos.
Estando, mais do que nunca, a discussão da integração em cima da mesa, até que ponto essa realidade poderá vir a transformar os modelos organizacionais dos grandes grupos de comunicação? De acordo com Jorge Castanheira, neste ponto, torna-se importante fazer a separação entre a componente estratégica e organizacional: “Algumas agências de publicidade estão a perceber que a publicidade convencional em si, em algumas ou na maioria das vezes, já não faz sentido, e portanto estão a incorporar esse know how dentro de casa, tornando-a numa agência 360 graus. Agora como incorporam, isso depende de cada grupo. Estamos a falar de conceitos técnicos e depois de conceitos organizacionais. O que está a acontecer é que as fronteiras estratégicas estão a esbater-se. As fronteiras organizacionais dependem muito dessa empresa”, afirma. Até porque, como acrescenta, a resposta integrada pode ser dada de várias formas e até com a participação de empresas concorrentes: “O trabalho tem de ser desenvolvido com o envolvimento de todos os especialistas. Agora se os especialistas estão in house, se são uma empresa parceira, se são uma empresa associada ou até concorrente, depende das capacidades ou da estratégia de crescimento do negócio que cada empresário tem”.
Já Mário Rui Silva, quando se refere às agências de publicidade, vaticina que será normal que aquelas acabem por se tornar “em grandes agências de marketing relacional”, pois a própria evolução do mercado assim o determina. “O normal é que os grandes grupos de comunicação acabem por ficar preparados para darem resposta àquilo que o mercado vai exigindo e, neste momento, o marketing relacional é uma exigência do mercado”, diz, explicando ainda que “há uma tendência para estas agências se irem preparando, se irem qualificando cada vez mais”, pois, à medida que vão abarcando várias áreas da comunicação e vão dominando esta área, as agências de publicidade acabarão por ter no seu seio uma agência que saiba dar resposta a isso”.
A posição do responsável da HPP é, de resto, alimentada pela convicção de que o modelo base do funcionamento das agências de publicidade está condenado ao fracasso. “Como estão organizadas não vão sobreviver porque não se tratam cancros com aspirinas”, assevera, considerando que as agências não se adaptaram às novas formas do mercado, pois quando vemos o crescimento da internet e percebemos como é fácil qualquer jovem saber tudo através da internet e vai procurar todos os serviços e produtos que lhe interessam, é fácil perceber que as agências tradicionais estão a fazer publicidade que está condenada a médio prazo”.
Para Vítor Vasques, presidente do grupo Grey, que integra a agência de marketing relacional G2, a questão que se coloca é a de saber quais as metodologias a serem implementadas no seio das agências. Evoca, por isso, o exemplo de agências como a Wieden + Kennedy, onde diz existir uma metodologia de trabalho definida para todas as áreas de comunicação, o que se traduz na capacidade de criar “outputs criativos sólidos, coerentes e de qualidade em todos os meios e através de todas as valências que a agência incorpora”. Defende, portanto, que as agências de marketing relacional acabarão por ficar diluídas nas unidades de advertising, ou o contrário, pois, na sua opinião, o mais importante é encontrar uma matriz que defina a linha de trabalho das agências em todas as suas vertentes. Na sua óptica, a forma como os grupos de comunicação se organizaram nos últimos anos não lhes tem permitido dar este tipo de respostas ao mercado, apesar de reconhecer que em Portugal já se começam a assinalar algumas mudanças nesse sentido. E Vítor Vasques concretiza: “Os outputs criativos são definidos pelo lado por onde o trabalho entra, o que faz com que os métodos definidos pelas unidades de advertising tradicional acabem por prevalecer, pois é nesses meios que os clientes ainda continuam a investir mais”. O que se traduz, segundo Vítor Vasques, num “desequilíbrio no trabalho que é desenvolvido pelas várias unidades de negócio de cada grupo”. E a concorrência das agências web?
O crescimento do número de utilizadores de canais online veio permitir às marcas, por via do trabalho desenvolvido pelas agências digitais, criar um maior foco na vertente relacional com os consumidores. Um cenário que veio despertar a discussão em torno da capacidade destas agências virem, no futuro a substituir as competências consagradas às unidades de marketing relacional. “Falsa questão”, sublinha Nuno Antunes, pois as agências de “marketing directo tradicionais já estão dotadas de capacidades digitais”. “As agências de marketing directo tradicionais já começaram há muito tempo a preparar-se para dominar os canais digitais, porque eram agências mais vocacionadas para dominar o canal offline. Estamos no mundo das ideias e não dos canais e a Proximiy não está refém de um canal, porque tem cá dentro uma estrutura que domina o digital, o mobile marketing, o online e o offline. As agências digitais, por seu lado, apenas dominam um canal e as ideias que têm só podem ser aí aplicadas”, realça. Ricardo Clemente diz mais: “As web agencies estão num momento com grande crescimento, e com grande sucesso, mas acredito pouco no futuro de uma agência exclusivamente digital ou exclusivamente a trabalhar para a web porque a vida das pessoas não é exclusivamente digital, assim como não é exclusivamente offline”. Além de que, acrescenta, são agências com “fortes competências técnicas na área de web, mas que não têm uma cultura de marca e uma experiência de marca como as agências mais tradicionais têm”. Ricardo Clemente acredita, porém, que as web agencies acabarão por ir à procura de outras competências que não apenas as digitais: “O mercado está em pura convulsão. A mudança está do lado do consumidor, e isso faz com que a cadeia se vá ajustando. No futuro, os mais fortes ficarão e os mais fracos sairão”, explica.
Também Jorge Castanheira acredita que as agências digitais possam incorporar esse know how. Todavia, apronta-se a esclarecer que “uma agência digital que trabalhe na óptica de criar relações e que não as consiga manter, tal como acontece com uma agência de publicidade, não vai perceber esta mudança do relacionamento que existe com os clientes”. No presente, prossegue, o importante “é saber interpretar, não só o ciclo de vida do cliente, mas o ciclo de vida da relação, porque ele pode estar a falar comigo ou de mim sem eu saber”. E conclui: “Eu tenho de saber onde ele anda, o que anda a dizer sobre mim aos seus amigos e contactos e como é que posso participar nessa conversa sem parecer que estou a invadir. Saber interpretar os resultados e saber decidir de acordo com os resultados que se medem. Só temos sucesso, e aí a internet foi importante pois deu-nos mais ferramentas, se numa operação juntarmos a estratégia, a criatividade e os resultados”.