Carlos Reis Marques, director executivo da Visapress
“Já basta, não é?“
Lançada no Verão de 2010, a Visapress representa os direitos de autor das editoras. Três anos depois, Carlos Reis Marques, responsável da cooperativa, afirma que “já basta” de incumprimento. Depois de processar três empresas de clipping, podem seguir-se as agências de comunicação e os organismos do Estado
Carla Borges Ferreira
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Em Março a Visapress deu entrada no Tribunal da Propriedade Intelectual a um processo contra três empresas de clipping e em Maio alertou para uma proposta que uma das empresas estava a fazer aos jornais regionais, no sentido de prescindirem, em troca da compra de assinaturas e de um serviço no valor de 200 euros, dos direitos de autor. No dia em que reuniu com o ministro Poiares Maduro sobre o licenciamento do clipping, o responsável da entidade, Carlos Reis Marques, falou com o Meios & Publicidade.
Meios&Publicidade: Processaram recentemente a Cision, Manchete e Clipping Consultores pelo não pagamento das licenças de clipping. Porquê este passo agora?
Carlos Reis Marques (CRM): Em 2010/2011 começámos a desenvolver contactos com todos os interlocutores, tendo privilegiado, por razões óbvias, as empresas de clipping. Começamos os contactos em 2010, para recolher informação e poder de alguma forma reflectir os seus contributos naquilo que era o nosso modelo de licenciamento. O facto é que durante a grande maioria deste período de tempo essas empresas não valorizaram muito a nossa presença no mercado e o nosso cuidado em contactá-las para recolher informação. Algumas delas nem nunca responderam a um email, um contacto telefónico, cartas registadas…
M&P: Foram ignorados.
CR: Completamente.
M&P: Sobretudo por estas três empresas?
CRM: Algumas empresas estão licenciadas, as primeiras que licenciamos foi já em 2010. No entanto, essas três empresas recusaram-se sempre a aceitar o nosso modelo de licenciamento, com uma série de episódios pelo meio. Em Agosto de 2011 apresentamos uma providência cautelar contra uma dessas empresas, a Clipping Consultores. A decisão não nos foi favorável e recorremos para a relação que também não nos foi favorável. Basicamente não nos foi favorável porque entenderam que não tínhamos feito prova do valor do ónus, que só teríamos direito a reclamar se as empresas entregassem reproduções das obras todas (a edição completa) e não de artigos e que não estava decidido se os direitos de autor seriam atribuíveis ao jornalista ou à editora… A decisão baseou-se, inclusive citou, o parecer de um jurista entregue pela pela empresa de clipping… Em 2012 ainda tentámos um entendimento, mas recusaram-se a aceitar o nosso modelo de licenciamento. Sempre dissemos que não estávamos disponíveis para negociar os nossos direitos, os direitos do titular dos direitos de autor. Mas estávamos obviamente disponíveis para acordar as questões do ponto de vista comercial. Como nunca conseguimos acordar em princípios básicos de direitos de autor, decidimos avançar com uma acção definitiva, principal e com carácter indemnizatório.
M&P: Só estas três empresas é que não aceitaram o licenciamento?
CRM: Há outras, mas o mercado português é muito pequenino. Para além destas, há mais três ou quatro que poderão estar no mercado como empresas de clipping. Algumas são muito, muito pequenas, outras têm licença da Visapress. Estas são as mais sintomáticas em relação àquelas que não têm licença. O que é estranho, e é incrível que aconteça, é que o próprio Estado e o governo funcionem sem cumprir a legislação nacional, sobre a qual é responsável também do ponto de vista do seu exercício e do seu cumprimento.
M&P: A Visapress já tinha lamentado publicamente que “diversas entidades públicas contactadas, entre as quais se incluem órgãos de governação central e regional, continuem a utilizar serviços de algumas das empresas visadas na acção apesar da proteção que a lei confere aos titulares dos direitos.” A situação mantém-se?
CRM: Exactamente. Andamos há dois anos a tentar fazer entender ao governo que tem que tomar algumas decisões para que o direito de autor em Portugal se cumpra e se respeite. Desde logo pelas entidades do Estado. A Comissão Europeia, quando faz concursos para empresas de clipping, impõe que as empresas apresentem uma declaração em como estão autorizadas pelos titulares do direito de autor para fazer a entrega daqueles conteúdos. E a própria Comissão Europeia diz que necessita de uma autorização daqueles que representam o conteúdo. Em Portugal, andamos há dois anos a dizer isto ao Estado e nunca mais se decidem neste sentido. Inclusive, a Visapress já emitiu uma licença para um serviço do Estado que reconhece as nossas pretensões e, sistematicamente, recusam-se a subscrever e pagar o valor desta licença.
M&P: Que no caso é quanto?
CRM: Duzentos e tal euros por ano.
M&P: Estamos a falar de que serviço?
CR: Do Gabinete para os Meios de Comunicação Social. Pedimos ao governo três coisas. Que em Portugal se cumpra o direito de autor neste sector. Isto significa que o Estado seja uma pessoa de bem e que exija que nos concursos as empresas que apresentem propostas façam prova documental de que estão autorizadas pelos respectivos titulares dos direitos de autor utilizar aqueles conteúdos. Em todos os países que conheço são pagos. A entrega de cada serviço daqueles representa a perda potencial de uma assinatura ou de uma venda em banca de um original da publicação. Depois, reconhecendo-se como utilizar secundário, pedimos que o Estado se comprometa naquele processo de concurso a pagar aos titulares de direito de autor, compensando-os pela perda patrimonial de aquela obra/artigo lhes ser entregue daquele modo. Inclusive e Estado pode e deve declinar esse valor para a própria proposta. E, em terceiro, pedimos que sejam corrigidas as coisas para trás. Fizemos um estudo em 2011 e o prejuízo dos titulares dos direitos de autor em três anos, numa amostra que não reunia todos os serviços do Estado, era de 150 mil euros.
M&P: O Estado está então a subtrair esse montante às editoras.
CRM: Às editoras e aos seus colaboradores.
M&P: No processo contra as três empresas de clipping pedem uma indemnização de 350 mil euros. Como é que chegaram a este valor?
CRM: É o valor estimado das licenças para essas três empresas. No final de 2011, quando algumas empresas subscreveram uma licença connosco, quisemos tornar licito esse tipo de utilização. Existia muita informação sobre essas empresas. Conhecemos os seus clientes, os contratos, as contas são públicas… Com base nisto, determinámos o valor da licença para cada empresa. Portanto, esse valor resulta do acumulado de valores que deviam ter sido pagos desde que foi emitida a licença, que eles não subscreveram e não pagaram.
M&P: Quanto é que cada empresa pagaria por ano?
CRM: Têm valores diferentes. A Cision é uma grande empresa, é uma multinacional…
M&P: Que nos restantes países paga a licença?
CRM: Claro, cumpre. Não sei se há algum país em que a Cision não tenha uma relação saudável com os titulares do direito de autor. Dos meus parceiros da PDLN Press Database and Licensing Network) que eu saiba tem uma relação saudável com todos. Em Portugal é que não, porque tem um entendimento sobre os direitos de autor que é completamente atípico e muito criativo.
M&P: Quanto é que uma empresa como a Cision pagaria?
CRM: Se entendermos que tem 70 por cento do mercado, digamos que 60 por cento desse valor seria afecto à CIsion.
M&P: Em Março, quando deram entrada ao processo no Tribunal da Propriedade Intelectual, afirmaram que estariam a preparar outras medidas. Quais?
CRM: Sim, porque os direitos de autor em Portugal tem que ser tão respeitado como nos restantes países. Já basta, não é? Já basta! Tem que haver aqui uma compreensão e uma assunção de responsabilidade. Portanto, colocaremos acções contra todos aqueles que continuem a persistir, falseando o direito de autor nesta área e olhando para o lado. Até hoje, genericamente, quem tem levantado questões menos favoráveis são, por exemplo, as agências de comunicação. Da parte deles já tivemos registo de uma grande incompreensão, que acho que resulta de um profundo desconhecimento desta área e daquilo que se passa nos outros países. Também acho que as agências de comunicação têm o pensamento deformado sobre isto, provavelmente fruto do que lhes disseram. Mas há outros potenciais alvos e aos quais estamos atentos. Por exemplo, as grandes empresas nacionais, as que estão no PSI20, são clientes de clipping destas três empresas. E estas grandes empresas, todas, incorrem em ilicitudes que são previstas por crime de usurpação, previsto no código do Direito de Autor. E vamos começar a actuar. Até esta data temos vindo a procurar, numa base de diálogo e explicativa, dizer “isto é assim, por isto e por aquilo”…
M&P: Tentaram evangelizar…
CRM: Exacto. O que é facto é que com a persistência em determinados argumentos que não fazem sentido e sem uma abertura para o diálogo e compreensão desta matéria. Admitimos como razoável que as empresas, ou mesmo os advogados, que nunca foram contraditados sobre um conjunto de pressupostos seus sobre a interpretação deste tipo de matéria, possam pensar aquilo. Mas já não achamos razoável que se fechem a discutir connosco. A outra entidade sobre a qual é importante decidirmos se interpomos ou não uma acção judicial é o próprio Estado e os serviços da administração pública que persistem em negar esta evidência e funcionar de uma forma anómala sobre o respeito pela lei. Nos outros países não é o que acontece. As tabelas da Visapress têm inclusive 35 por cento de desconto para o Estado e 65 por cento para as entidades sem fins lucrativos.
M&P: A Cision está a contactar a empresa regional, no sentido de comprarem cinco assinaturas em troca de…
CRM: Compram quando compram. Está a fazer o que já fez e outras empresas no universo destas três também já fizeram. Neste caso, com o canto da sereia, tenta seduzir a imprensa regional, usando argumentos como sejam de que aquelas publicações só têm a ganhar em estar presentes, porque têm uma notoriedade acrescentada e podem fazer parte do grupo das empresas da elite em Portugal, que receberão também informação de conteúdos publicados, etc, etc.
M&P: Julgo que a Cision propõe oferecer-lhes um serviço no valor de 200 euros e fazer as assinaturas em troca de prescindirem dos direitos de autor. Pode ser interessante do ponto de vista financeiro.
CRM: Em alguns casos nem é assim. Não é legítimo, os titulares nem sequer podem prescindir do direito de autor, é um direito inalienável. Dizem que empresas como a PT, Galp, EDP, etc, vão lá receber qualquer coisa de um artigo lá publicado. Resta saber se na imprensa regional são publicados assim tantos artigos com interesse para algumas destas empresas, que dão mais visibilidade e notoriedade à proposta das empresas de clipping. Não é a primeira vez, é mais um episódio.
M&P: Em 2010, quando a Visapress foi lançada, estimavam que as licenças pudessem representar cerca de 2 milhões de euros. A estimativa mantém-se?
CRM: O país da União Europeia que tem mais semelhanças com o mercado nacional é o belga e esse valor é o que a entidade que representa este tipo de interesses na Bélgica recolhe dm cada exercício e depois distribui aos titulares dos direitos. Em velocidade de cruzeiro, se bem que temos um modelo de licenciamento menos oneroso, potencialmente o volume de receitas a cobrar pela Visapress e a distribuir seria esse.
M&P: E neste momento quanto é que a Visapress já recolhe?
CRM: Pouco.
M&P: Pode dar uma ordem de grandeza? Dez mil euros? Cem mil?
CRP: Não queria dizer, mas é demasiadamente pouco. Muito menos do que o que eram as nossas expectativas. De qualquer forma o break even está prestes a ser atingido, nestes primeiros anos tivemos alguns investimentos iniciais. Atingindo o break even já haverá alguma liquidez para os titulares dos direitos de autor. Importa dizer que tem sido assim em todos os países. Em vários também foi pela via judicial que se conseguiu fazer prevalecer os direitos de autor.
M&P: Quanto é que estimam que vale o mercado de clipping em Portugal?
CRM: Quatro milhões de euros.
M&P: E quantas licenças é que concederam até agora?
CRM: Cerca de 20, entre empresas de clipping, escritórios de advogados e outras entidades.
M&P: Teve hoje (dia 3) uma reunião com Poiares Maduro, ministro com a tutela da comunicação social. Como é que correu?
CRM: (silêncio) Digamos que houve a recepção da parte do sr. ministro Poiares Maduro em reflectir conscientemente sobre as três questões apresentadas (descritas antes).
M&P: Essa resposta significa que não vai acontecer nada?
CRM: Este gabinete tem pessoas que estão muita a par do direito de autor, este ministro é muito esclarecido sobre isso e o secretário de Estado Pedro Lomba é especialista em direito de autor. Independentemente das pessoas, achamos que há uma sensibilidade especial neste momento no overno, e em particular deste ministro, para entender as questões de direito de autor como devem ser entendidas. Portanto, estamos expectantes, no bom sentido.