Tiro certeiro no coração de um adolescente
Na rubrica Como É Que Não Me Lembrei Disto?, Flávio Gart aponta a campanha de promoção dos seguros do Itaú, da DM9, como a que gostaria de ter feito. A campanha para a Critical TechWorks, que envolve bananas, macacos e códigos de programação, foi a que o diretor criativo da Bazooka mais gostou de fazer
Luis Batista Gonçalves
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Qual é a campanha que gostaria de ter feito?
São tantas e tão diferentes que se torna difícil escolher uma. Nem sequer consigo elaborar um top 10. Já em pequeno me interessava por publicidade e estava atento a muitas campanhas. Uma das que mais me marcou, apesar de não conseguir explicar porquê, é uma brasileira, antiga, de 1993, da DM9 para o banco Itaú. Tinha apenas 14 anos quando o anúncio passava na televisão.
Denominava-se ‘Completamente Louco’ e promovia um seguro de vida, procurando tocar o público-alvo, pais à espera do primeiro filho, com a mensagem que, se algo de mal lhes acontecesse, nunca deixariam de estar presentes na vida da criança. A narração era do conhecido ator brasileiro, Paulo Goulart, uma voz familiar para quem via televisão.
Quais são as razões dessa escolha?
Tenho 45 anos e optei por não ter filhos. Adoro crianças, mas, além de achar que a paternidade não é para mim, também não aconteceu. Essa campanha tocou-me imenso numa altura que, ainda adolescente, não sabia se, um dia, viria a ser pai. Apesar de não ser o ‘target’, entendi o conceito de esperança, desejo e ansiedade que a marca transmitia de uma forma muito próxima.
É fantástica a capacidade que a publicidade tem de tocar em pontos que mexem com o nosso lado emocional. De uma forma ímpar e relevante, sem necessidade de forçar as coisas, de aumentar o logótipo ou o tamanho da embalagem do produto, para transmitir essas emoções.
O que é que lhe chamou mais a atenção, o texto, a imagem, o protagonista ou outro aspeto da campanha?
Houve uma conjugação de vários fatores. Além da escolha do narrador, uma voz muito conhecida, de um ator que estava muito ativo na altura, o texto da narração, a cadência e a forma funcionaram muito bem, enquanto eram ilustrados em vários ‘frames’ a preto e branco, com os afazeres da vida de um casal antes da chegada do primeiro filho.
Esta campanha inspirou-o a nível criativo?
De certo modo, sim. Além de ter sido feita por grandes nomes da publicidade brasileira e mundial, demonstrou-me, desde início, a possibilidade de falarmos de serviços ou de produtos, focando-nos diretamente nas necessidades do público-alvo e não nas vantagens ou nas especificidades do próprio produto ou serviço.
Foi uma abordagem curiosa, numa altura que o normal seria explicar que o seguro de vida do Itaú tinha a anuidade X e o período de carência Y, além das vantagens Z, B e T.
Qual é a campanha que fez que mais o concretizou profissionalmente?
Ao longo dos mais de 15 anos de trabalho nesta área, foram várias as campanhas em que participei que me deram muitas alegrias. É-me difícil eleger uma só. Mas, tendo de o fazer, diria que foi uma que fizemos para uma empresa de software, a Critical TechWorks (CTW), uma ‘joint venture’ entre a gigante tecnológica portuguesa Critical Software (CS) e o BMW Group. A marca surge para o desenvolvimento de ‘software’ para os veículos da BMW.
No início, sob a alçada da CS, era preciso fazer com que a CTW se desse a conhecer ao público-alvo, constituído por engenheiros, programadores, matemáticos, etc. Ao mesmo tempo, era necessário falar a língua do ‘target’. Tendo isso em conta, criámos a campanha ‘Free The Code Monkeys’, que teve um enorme sucesso.
Como é que chegou a esta ideia e avançou para a execução?
A ideia surge numa conversa com engenheiros, sobre o seu quotidiano. Foi aí que ficámos a saber que ‘code monkey’ é um termo de ‘bullying’ para referir um programador que não é inteligente, que não pensa por ele e que só ‘bate’ código. A ideia surge da tentativa de explicar que não existem programadores pouco inteligentes.
Transformámos o conceito numa forma positiva, explicando que não há ‘code monkeys’. O que há são projetos maus, líderes que não os estimulam, ambientes desadequados, desafios aquém das suas capacidades, etc.
Como é que a ideia foi materializada?
Criámos uma imagem gráfica, procurando recorrer a algo próximo do código de programação. Usámos os caracteres como grafismo e resultou. Na altura, entendemos que era melhor usar algo que não estivesse focado na marca em si, para que a audiência pudesse interessar-se, optando por escolher o preto e o amarelo como cores da campanha.
Como é que a campanha foi divulgada?
Além de um manifesto, com uma clara homenagem aos engenheiros de software e às suas necessidades e especificidades, fizemos um vídeo de animação, que foi o mote e o meio de divulgação principal de divulgação. Criámos também uma ‘landing page’ no endereço Freethecodemonkeys.com, onde apresentávamos a campanha e as vagas que estavam disponíveis para programadores no site da CTW.
Depois de a lançarmos online, fomos para a rua, para locais-chave do Porto e de Lisboa, onde oferecemos autocolantes com a imagem da campanha, além de bananas, numa associação à libertação dos ‘code monkeys’.
O que é que faz quando não tem ideias?
A criatividade não surge de forma isolada. Por norma, tem por base uma conversa ou uma troca de opiniões. Muitas vezes, estamos a resolver um ‘briefing’ em equipa e, de repente, surge uma boa ideia. Nesses momentos, gera-se um período de silêncio, durante o qual apenas nos olhamos e sorrimos.
Essa é uma das coisas de que mais gosto. No entanto, a criatividade também pode ser muito traiçoeira e, quando desaparece, tento não forçar o pensamento e procuro fazer algo diferente. Vou para a rua e dou uma volta ao quarteirão. Por vezes, é o suficiente. Já tive muitas ideias em movimento.
Ficha técnica |
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