Confiança à prova de bala
A ‘Whatever’s Comfortable’, da Southern Comfort, é a campanha que Miguel Valente, diretor criativo da Winicio, gostaria de ter feito. ‘4 Anos de Isolamento’, da Associação Salvador, é a que mais gostou de fazer, revela na rubrica Como É Que Não Me Lembrei Disto?

Luis Batista Gonçalves
A confiança da personagem masculina a caminhar despreocupada pela praia, imersa no seu próprio mundo, sem se preocupar com a opinião dos outros, é o que Miguel Valente, diretor criativo da Winicio, destaca na campanha ‘Whatever’s Comfortable’ (na foto), criada para a marca de uísques e licores norte-americana Southern Comfort.
A tranquilidade genuína do banhista contrasta com a postura desencantada da protagonista de ‘4 Anos de Isolamento’, o emotivo filme publicitário da Associação Salvador que Miguel Valente realizou quando ainda era redator da MSTF Partners. E que lhe permitiu conquistar o primeiro prémio da carreira.
Qual é a campanha publicitária que gostaria de ter feito?
Gostava de ter feito muitas das campanhas que vejo nas minhas pesquisas, mas se tiver de escolher apenas uma, a que me vem à cabeça é a ‘Whatever’s Comfortable’, a campanha da Southern Comfort lançada em 2012, e criada pela Wieden+Kennedy, uma agência independente de Nova Iorque.
Quais são as razões dessa escolha?
Nesta campanha temos uma confiança genuína, que não depende da aparência do protagonista do anúncio, mas da atitude que ele apresenta. Há um charme natural na forma como caminha despreocupadamente pela praia, imerso no seu próprio mundo, sem se preocupar com o que os outros possam pensar.
O que é que lhe chama mais a atenção na campanha?
O primeiro detalhe que me chamou a atenção foi o bigode do protagonista. A seguir, foi o bronzeado reluzente, que é quase um troféu da experiência de vida que demonstra ter. Mas o que realmente me prende neste anúncio é a sua postura inabalável.
A forma como ele caminha com um ritmo próprio, como se a praia fosse o seu palco e ele o dono absoluto do espetáculo. A escolha da banda sonora, composta pelo tema ‘Hit Or Miss’, de Odetta, reforça ainda mais essa energia de autoconfiança e liberdade. A mensagem é clara: estarmos confortáveis na nossa própria pele é magnético.

A campanha de 2012 da Southern Comfort, protagonizada por um banhista desinibido, é realizada por Tim Godsall FOTO DR
Esta campanha inspira-o a nível criativo?
O que mais me inspira é a mensagem que transmite. Trabalhar em publicidade é isto mesmo, é fugir das fórmulas tradicionais. A criatividade deve vir de um lugar de autenticidade e confiança, essa é a grande lição que retiro desta campanha. As ideias que realmente funcionam são as que não têm medo de ser diferentes e que não seguem as tendências.
Qual é a campanha que fez que mais o concretizou profissionalmente?
Foi a campanha ‘4 Anos de Isolamento’, para a Associação Salvador. Tenho motivos pessoais para a escolher. Além da causa que estávamos a representar, foi uma das minhas primeiras campanhas na rua e o meu primeiro prémio no Festival CCP, promovido pelo Clube da Criatividade de Portugal.
Todo o processo foi uma grande aprendizagem. Na altura, por causa da pandemia, estávamos a trabalhar a partir de casa, o que exigiu uma grande sincronia para dar corpo ao projeto.
Como é que chegou à ideia e avançou para a execução?
A ideia surgiu numa conversa por telefone com o meu diretor criativo. O isolamento social foi o nosso ponto de partida. Se para a maioria das pessoas, a pandemia foi uma realidade passageira, para as pessoas com deficiência o isolamento acaba por ser uma realidade constante. Daqui até à execução, aconteceu tudo muito depressa.

‘4 Anos de Isolamento’, da Associação Salvador, dá a Miguel Valente o primeiro prémio da carreira, no Festival do CCP FOTO DR
As novas tecnologias trouxeram mais desafios à publicidade?
Atualmente, o que mais me fascina é a forma como a tecnologia abriu novas possibilidades para criar. Temos mais ferramentas, mais formatos e uma maior capacidade de interação com o público que antes era impensável.
Isso é uma vantagem ou também é uma desvantagem?
Há os dois lados da moeda. Por um lado, temos mais ferramentas e formatos que permitem uma interação imediata com o público, o que torna a comunicação mais ágil, personalizada e eficaz. Por outro, essa mesma rapidez aumenta a pressão e a necessidade de um fluxo constante de conteúdos, o que pode resultar em mensagens menos impactantes.
O grande desafio é equilibrar inovação e relevância, de forma a garantir que as marcas mantêm a sua autenticidade sem comprometerem a qualidade da comunicação.
É a favor da utilização de inteligência artificial (IA) em campanhas?
Sou a favor da utilização de IA mas apenas na fase de criação, nunca como o produto final que chega ao público. Uma vez que a regulamentação nesta área ainda é escassa, acredito que a IA deve ser usada de forma responsável e complementar à criatividade humana.

Miguel Valente assume a direção criativa da agência de marketing e publicidade Winicio em janeiro de 2025 FOTO DR
Na Winicio, utilizamo-la para agilizar o processo criativo, o que nos permite visualizar conceitos rapidamente e antever o resultado com maior precisão. Isso não só otimiza o tempo como também amplia as possibilidades criativas de toda a equipa.
O que é que faz quando não tem ideias?
O truque é o trabalho em equipa. A folha em branco é sempre um desafio mas com uma conversa entre equipa, somos capazes de transformar os desafios em boas oportunidades. Pelo menos, é o que tenho aprendido na Winicio.
Ficha técnicaCampanha ‘Whatever’s Comfortable’ |
Ficha técnicaCampanha ‘4 Anos de Isolamento’ |