Um país sem três governos. E fazem falta?
Nos últimos meses, mais precisamente desde 7 de novembro de 2023, a pátria amada e muito querida e desejada tem-se debatido com um problema que mais parece uma epidemia: os governos caem sucessivamente como velhinhas desamparadas na calçada portuguesa. Primeiro no continente, depois nos Açores, e, mais recentemente, na Madeira.

As causas históricas da decadência portuguesa devem-se muito ao facto de termos tido maus governos, demasiadas vezes e por demasiado tempo. Nunca, que eu saiba, se atribuiu tal desgraça e destino à falta de governo. Será isto um sinal?
Sendo um liberal moderado, agrada-me especialmente a ideia de sobrevivermos sem regência durante este longo tempo de vésperas.
Neste intermédio, a saúde não piorou mais sem Pizarro.
A justiça não se atrasou mais por ausência de XXX (por olvido espontâneo, sff procurar no portal do Governo o nome do titular desta pasta). Repare-se que as situações problemáticas mais recentes têm como causa exclusiva uma mixórdia de temáticas alheias a XXX.
A educação até está mais calma, apesar de Costa (o João). Pisa é uma torre inclinada, mas essa inclinação é subjetiva, como uma peça de Wagner.
As reivindicações salariais e outras na PSP e na GNR são tão antigas que Medina pode continuar a brilhar no Olimpo do ratio PIB/dívida pública (e a dar ordens telefónicas para que lhe vendam títulos dessa dívida).
A seca prolonga-se e a chuva continua tão ausente como a ministra da agricultura ou como as medidas do ambiente para gestão da água que não sabemos guardar.
Os apoios e pagamentos à agricultura falharam, mas a causa da falha é anterior à publicação do decreto de dissolução, quando ainda tínhamos o providencial executivo.
Ou seja, não é por falta de governo que as nossas maleitas crónicas pioraram. Num certo sentido, até houve melhorias ligeiras. Infelizmente, como há falta de médicos encartados, o verdadeiro diagnóstico só poderá ser feito mais tarde. Ou então recorra-se a um hospital privado.
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Do lado das oposições, apesar da canícula prematura – e descontando o espalhafato insuportável do Red Bull da política portuguesa cujo nome estou legalmente impedido de dizer -, pressente-se uma certa jovialidade. Mais: as oposições parecem ser vítima de uma outra doença (eventualmente fatal) chamada “preguiça”. O médico dirá.
Preguiça:
1. Propensão para não trabalhar. = INDOLÊNCIA, MANDRIICE, ÓCIO, VADIAGEM
2. Gosto de estar na cama ou de se levantar tarde.
3. Demora ou lentidão em agir. = VAGAR
“preguiça”, in Dicionário Priberam da Língua
Ora bem, estimados leitores – felizmente cada vez mais, e que Deus os proteja – perante um Governo que pouco governa e uma oposição que mal opõe, o que poderemos fazer no silêncio da urna nessa tarde de domingo, 10 de março, depois de um bitoque com ovo a cavalo em família ou de um hambúrguer entregue em casa por um valoroso estafeta (bebidas não incluídas)?
Há um exercício sempre possível: votar no mal menor, votar útil, mas votar.
O voto não tem de ser um ato de amor, pode ser manifestação pura de interesse. Um interesse particular, pontual. Recorde-se que o casamento por amor é uma invenção burguesa recente a que só os pobres e esquecidos podiam aspirar.
Dito tudo isto, se a 11 de março de 2024 continuarmos sem governo e se, em novembro, tivermos de voltar ao tal silêncio da urna, pelo menos que nesse tempo mais plúmbeo haja um belo cozido à portuguesa ao almoço. Eu, se fosse do PS, faria do cozido a minha bandeira.
Artigo de opinião de Vítor Cunha, CEO da JLM & Associados