SXSW 2024 dia 4: Que nunca percamos o espanto
Tenho ido correr nas primeiras horas da madrugada.
É o meu tempo. Não propriamente para descansar a cabeça, mas para pensar naquilo que estou a aprender, fazer alguns planos, ouvir alguns podcasts que preguiçosamente ficaram esquecidos e questionar-me sobre o rumo da agência. No trilho que escolhi, o sol nasce no local ideal, de frente para os prédios que passam de cinzentos a dourados enquanto eu vou palmilhando a terra batida. É um momento especial que me deixa sempre com uma sensação de espanto.
Espanto – assombro, pasmo, admiração, fascínio, maravilha, surpresa, choque, estupefação, perplexidade. Mas também estranheza, estranhez, confusão. Hoje, na SXSW, em Austin, ouvi muito sobre criatividade, sobre projetos que causam um efeito anestesiante, sobre o processo criativo na invenção de produtos, sobre desenhar o futuro e como proteger a criatividade no mundo da Inteligência Artificial (IA).
Uma das intervenções que mais gostei foi a de Joe Staples, líder criativo da agência Mother. Disse que criatividade não tem nada a ver com coragem. Antes pelo contrário. Devemos sempre começar um processo criativo pelo medo. E construir a partir daí. Se partirmos com essa sensação, vamos inovar. Vamos deixar de olhar para o tradicional e ser ainda melhores, porque contrariar esse receio inicial torna-nos ainda mais ambiciosos na busca do sucesso de uma ação.
Mas não só. Jonathan Kneebone, cofundador do coletivo australiano The Glue Society, concorda com tomarmos o risco partindo de uma situação de medo, mas acrescenta que as ações mais bem sucedidas são as que apelam a um envolvimento direto do público. Se envolvermos o público numa ideia e lhe dermos protagonismo, vai sentir-se reconhecido e vai recompensar a marca com o seu engagement e promoção. A criatividade feita desta forma não atrai apenas as pessoas que são impactadas diretamente, mas também os meios de comunicação social, as redes sociais e muitas vezes chegam a tornar-se fenómenos globais.
E no futuro? Com a chegada meteórica da IA, surge a grande questão sobre o futuro da criatividade. Existem grandes riscos, começando pelo risco de desvalorização criativa em conteúdos gerados por IA demasiado saturados, ou da manutenção da originalidade e da autenticidade no meio da influência da IA. Mas estamos numa conferência de tendências, pelo que as oportunidades são mais vincadas do que os riscos: enquanto ferramenta de cocriação, a IA pode potenciar a criatividade através da colaboração e do feedback, promovendo novas ideias e abordagens.
Pode igualmente aumentar a eficiência, simplificando os processos criativos, poupando tempo e recursos, permitindo aos criativos explorar rapidamente ideias e novas execuções. Mais relevante parece ser o facto da IA poder inspirar novas formas de expressão artística dando origem a conteúdos únicos em novos formatos.
Facto: a IA vai ter um papel decisivo. “A combinação do que queremos fazer com o poder da IA vai elevar a criatividade da nossa realidade subjetiva à décima potência, criando um ecossistema que vai parecer tão real e incrível que vai se misturar à realidade objetiva em que estamos acostumados a viver”, diz Caio del Manto, cofundador e CEO da agência brasileira Euphoria Creative. “É a tecnologia a criar o conceito de ‘contextual everything’, onde todas as experiências serão moldadas de forma única e espetacular”, acrescenta.
Queremos que nos continuem a espantar. Na IA ou nas ruas. Virtualmente ou palpavelmente, queremos experiências. Que nos ponham a falar pela forma como nos envolvem. Tal como um nascer do sol.
Crónica de Miguel Moreira Rato, CEO da Adagietto, em Austin