A conversa entre João Coutinho e o M&P decorreu numa segunda-feira às nove da manhã, durante o percurso a pé que o director criativo da Grey Nova Iorque fez entre a sua casa e a agência, localizada na 5th Avenue, mesmo frente ao icónico Flatiron Building. Temperatura ambiente: dois graus. Antes de instalar-se nos EUA, no início de 2014, João Coutinho esteve na Ogilvy São Paulo, onde conquistou em 2013 um grande prémio em Cannes pelo case Fãs Imortais para o Sport Clube Recife. Mudou-se para a Grey, com a dupla Marco Pupo, depois de receber convites do Brasil, Espanha, Europa de Leste e Dubai.
Meios & Publicidade (M&P): Como vai ser esta semana de trabalho?
João Coutinho (JC): Tenho uma campanha de lançamento de um modelo novo da Volvo nos Estados Unidos. Vamos também lançar na semana que vem, na segunda-feira, uma campanha nova, que é um vídeo online de música para Bosch. Chego à agência entre as nove e as nove e meia. Demoro 10 minutos a pé de casa até ao escritório. As reuniões começam, por vezes as nove e meia ou dez horas e só acabam às 18h. A diferença que noto para Portugal, Brasil e Espanha, que foram os países onde trabalhei, é que aqui há muitas reuniões.
M&P: Por que há tantas reuniões?
JC: Aqui o pessoal é muito organizado. Marca-se reuniões, às vezes, para se falar de uma reunião. Estou envolvido neste momento nuns 16 projectos. Esses dois de que falei são os maiores desta semana mas tenho outros projectos não tão grandes para outras marcas.
M&P: Que marcas trabalha regularmente?
JC: Essas duas trabalho regularmente. Durante quase dois anos trabalhei para a Canon, a marca é mais conhecida pelas câmaras, mas tem muito mais coisas. Fizemos um projecto chamado The Trailer, que demorou um ano e tal com o realizador Ron Howard e o Josh Hutcherson do Hunger Games. As pessoas podiam fazer os seus trailers no site, que ainda está online, com o trailer vencedor produzíamos uma curta.
M&P: São sempre trabalhos que se prolongam por um ano?
JC: Vendemos na semana passada um trabalho pequeno para a Volvo que vamos filmar amanhã. Há coisas em que se trabalha um ano ou um ano e meio, depois há outras que parecem Portugal, são processos super-rápidos.
M&P: Do lado do cliente, que diferenças encontrou face à realidade do Brasil ou de Portugal?
JC: Aqui ainda têm algum respeito pelas agências, pelos criativos e pela criatividade. Em Portugal ou no Brasil, para fazer uma campanha, tinha de apresentar três realizadores e três orçamentos. Aqui, se quero fazer a campanha com o realizador que acho indicado, falo com o cliente e explico o porquê. Normalmente ele confia na agência e evita assim envolver pessoas que depois não vão trabalhar connosco. Mas também há clientes que têm um esquema semelhante ao de Portugal. Aqui também há clientes conservadores, como em todo o lado.
M&P: Por que confiam os clientes mais nas agências?
JC: É uma questão cultural. O mercado é bem maduro. Saí de Portugal em 2011 e sentia com a crise o que está a acontecer agora no Brasil, tal como já acontecia em Portugal desde 2008. Os clientes começam a cortar budget, as contas vão todas a concurso, as agências começam a fazer tudo para manter o cliente, a qualidade do trabalho cai drasticamente.
M&P: Nos Estados Unidos o ciclo económico é neste momento outro. Está-se a viver um ambiente positivo?
JC: Sim. Aqui não se nota crise nenhuma. A economia vai bastante bem. Há trabalhos em que temos 30 mil dólares para fazer uma coisa pequena, mas no ano passado fiz essa campanha para a Canon, que eram três filmes online, que custaram cerca de quatro milhões de dólares – e nem sequer foi para a televisão. São budgets que, para um europeu, tirando os ingleses que estão habituados a estes números, são um pouco surreais.
M&P: Como se chega a esses valores? É um cliente que diz que tem esse orçamento ou para clientes com certa dimensão o dinheiro não é assunto?
JC: O cliente diz logo quanto dinheiro tem. Por exemplo, para essa campanha foram sete dias de filmagens, trabalhámos com a Park Pictures, que é uma produtora top 5 nos Estados Unidos, trabalhámos com o director de fotografia mexicano Rodrigo Prieto, que fez o Lobo de Wall Street, Babel, Brokeback Mountain. Tudo isso paga-se.
M&P: Como correu a adaptação a Nova Iorque? Sentiu algum choque cultural face a São Paulo?
JC: Senti mais dificuldades quando fui para o Brasil. Trabalhava na Lowe em Lisboa, que devia ter 40 pessoas, e fui para a Ogilvy São Paulo, que devia ter umas 600. É uma diferença em todos os sentidos. Aqui foi uma adaptação completamente tranquila. A diferença é que aqui os clientes confiam mais nas agências, os budgets são maiores, as coisas são mais organizadas, as pessoas são pontuais, as coisas resolvem-se, cada pessoa tem uma função definida. Dentro da organização os papéis são bem claros. Na Grey Nova Iorque somos mil pessoas, pode haver zonas cinzentas em termos de funções, mas é muito raro.
M&P: No vosso site (www.joao-and-marco.com) referem que os vossos colegas estranham que escovem os dentes a seguir ao almoço.
JC: (risos) Eles detestam que alguém escove os dentes na casa de banho, mas a nós também faz confusão que comam algumas coisas à secretária, como pasta com queijo mal-cheiroso.
M&P: A metodologia e organização da Grey é muito diferença da da Ogilvy São Paulo?
JC: A Ogilvy, quando estive lá, já trabalhava contas globais, mas em termos de organização é mais latina, aquele latino a que estamos habituados. Trabalhávamos algumas contas internacionais, havia vários estrangeiros na agência em vários departamentos, o que é raro no Brasil. Aqui o ambiente é mais competitivo no bom sentido, no final ganha o bom trabalho. No Brasil há muito talento, é uma coisa cultural. Lá existem os publicitários-celebridade, como o Nizan Guanaes, o Marcello Serpa ou o Washington Olivetto. São celebridades que vão a programas de televisão. Aqui isso não existe, o publicitário é uma pessoa normal.
M&P: A Grey NY foi considerada a segunda agência mais criativa do mundo em Cannes este ano. Isso teve impacto no negócio?
JC: Teve. Em 2013 a Grey foi considerada agência do ano pela Adweek e em 2014 pela AdAge. Há uns três ou quatro anos que a agência está num momento muito bom, mas este foi o melhor ano de sempre, quer no escritório de Nova Iorque quer da network. É o resultado do trabalho do Tor Myhren, que é o presidente e o global creative director da network. Ele entrou na Grey há seis ou sete anos quando a Grey era o patinho feio das networks, para onde ninguém queria ir. Conseguiu transformá-la numa agência sexy com quem os clientes querem trabalhar e para onde os melhores criativos querem ir. Este ano notou-se logo a seguir a Cannes com grandes clientes a baterem à porta da agência a passar briefings para trabalharem connosco.