A cartilha do ‘networker’
O ‘networker’ é um influenciador de si próprio: a única marca com a qual trabalha é ele mesmo
O ‘networker’ é mais ‘net’ do que ‘worker’. Passa a vida na ‘net’, mesmo quando está no ‘work’.
O ‘networker’ não convive, interage. Não diz, publica. Não conta, partilha. Não tem amigos, tem contactos. Não tem emoções, tem ‘emojis’.
Não frequenta jantares nem festas: tudo são eventos.
O ‘networker’ é um socialite nos tempos livres. Por oposição ao socialite profissional, que não tem ocupação conhecida, apenas tempos livres.
Quando o ‘’networker’ é visto em vários eventos com a mesma indumentária (sempre impecável), ou com pequenas variantes, como a presença ou ausência de um casaco ou de uma écharpe, isso não é sinal de preguiça, falta de higiene, ou fraca imaginação. É sinal de que o ‘networker’ esteve em vários eventos no mesmo dia, às vezes na mesma hora. O ‘networker’ é ubíquo.
Regra geral, o ‘networker’ está numa relação. A namorada, namorado, mulher ou marido raramente aparecem ao seu lado nas fotos, por uma de duas razões: porque não aguentam o ritmo dos eventos, ou porque são eles que tiram a foto.
O ‘networker’ segue o almanaque Borda d’Água das redes sociais: sabe as melhores horas para publicar, os melhores dias da semana para postar, os melhores temas para partilhar. O ‘networker’ é um hortelão que semeia e cultiva sabiamente conteúdo para colher ‘engagement’, ‘reach’ e outros frutos do fértil solo das redes.
O ‘networker’ é uma figura pública ao contrário: nem todos o conhecem, mas ele conhece toda a gente.
O ‘networker’ nunca esquece um nome, mas, se por acaso esquecer, tem truques:
— O seu nome é…
— Liliana.
— Sim, esse eu sei. Falava do apelido.
O ‘networker’ é uma espécie de professor de educação física. Não é grande futebolista, nem basquetebolista, nem voleibolista, nem andebolista, nem nadador, nem saltador, nem patinador, nem corredor, nem ginasta, nem nada. Se fosse, seria isso e não professor, no entanto, sente-se habilitado a ensinar todas as modalidades.
O ‘networker’ é um influenciador de si próprio: a única marca com a qual trabalha é ele mesmo.
O ‘networker’ fotografa muito, fotografa-se ainda mais, mas sobretudo escreve. Além de mensagens, como toda a gente, escreve livros, geralmente técnicos ou de motivação, escreve prefácios, escreve posfácios e escreve artigos sobre o tema no qual é um reconhecido especialista: tudo em geral.
O ‘networker’ também não desdenha apresentar o livro de alguém, caso em que, em vez de escrever, terá de falar, mas isso não é problema: não tardará a escrever um ‘post’ sobre a “importante obra que tive o privilégio de apresentar”.
No que concerne especificamente aos livros da sua autoria, o ‘networker’ prefere títulos começados por “como”, o que pode dar a ideia de que ele só pensa em comida. Nada mais errado. Lendo o título até ao fim (é o mínimo) percebemos que os temas são muito variados: como ficar rico, como investir, como chegar ao topo, como vender mais, como ser líder, como ter impacto, como ser eu na era do nós, como falar em público, como ser viral, como usar o cérebro, como usar a inteligência artificial, como fazer amigos, como construir uma marca, como tornar-se uma marca. E, como estes, muitos mais.
O ‘networker’ é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é seu o que partilha no ‘content’.
Como se deduz do ‘naming’, o ‘networker’ é poliglota, com predileção pelo inglês. Aliás, mais do que poliglota, alguém que fala várias línguas, o ‘networker’ fala várias línguas em simultâneo. É comum vê-lo enfileirar palavras e ‘words’ na mesma frase. Um exemplo: ‘be yourself’, ‘be creative’, ‘be brave’, ‘be amazing’, bilingue.
Embora o seu enciclopédico saber não ocupe lugar, o ‘networker’ ocupa cargos. Muitos cargos. Além de ‘networker’, uma ocupação só por si, e de ter algures um ‘day job’ (como ele diria), o ‘networker’ é presidente da associação X, vice-presidente do clube Y, consultor do grupo Z, ‘adviser’ aqui, mentor ali, professor além, fundador do movimento assado, membro do ‘think tank’ cozido.
O ‘networker’ não acha que este este texto seja sobre ele. Porque se há coisa que o ‘networker’ não é, é um ‘networker’.