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A Volta a Portugal e as mulheres a servirem de adereço ao triunfo masculino

Em 2024, já não é admissível que marcas, clubes e organizações continuem a perpetuar este tipo de estereótipos sexistas

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A Volta a Portugal e as mulheres a servirem de adereço ao triunfo masculino

Em 2024, já não é admissível que marcas, clubes e organizações continuem a perpetuar este tipo de estereótipos sexistas

Sobre o autor
Paula Cosme Pinto

Em 2024, ainda faz sentido termos mulheres de minissaia no pódio de eventos desportivos, a servirem de adereço ao momento do triunfo masculino? Certamente que não. Mas o cenário repete-se na mais recente edição da Volta a Portugal em Bicicleta, por mais que outros países, como França e Espanha, por exemplo, já tenham acabado com a ‘tradição’ das chamadas ‘meninas do pódio’.

Antes de me alongar nesta reflexão, deixo, desde já, uma breve adenda a este tema: nada contra as mulheres em questão, nem à sua opção de aceitarem realizar este trabalho, entendam. Estão simplesmente a cumprir a função para a qual foram contratadas e – bem! – a serem pagas por isso. Haja liberdade para escolhermos todas o que queremos fazer profissionalmente, e cada uma sabe de si (resumindo: as contas não se pagam sozinhas).

A minha crítica vai é para a organização deste tipo de eventos e respetivas marcas envolvidas, que continuam a usar as hospedeiras do sexo feminino como acessórios na hora do triunfo masculino. A Volta a Portugal em Bicicleta e respetivos patrocinadores precisam mesmo de perpetuar isto? Mais uma vez, certamente que não.

Ao ver as imagens da competição, surgem-me algumas questões: será ao acaso que a larga maioria destas hospedeiras tem de se apresentar com um look sexy num evento desportivo, onde todos os outros andam maioritariamente suados, de fato de treino e afins? Será obra do acaso que as mulheres contratadas tenham, na sua larga maioria, corpos de modelo? Ou será que isto tem a ver com o facto de este tipo de eventos ter uma matriz maioritariamente masculina?

Escolhem mulheres porque estas são mais competentes do que os homens neste trabalho de segurar um chapéu de chuva em dia de sol?Sorrirem para a foto ao lado do vencedor? Ou porque a objetificação das mulheres, caladas, sensuais e a sorrir, tal qual isco para o imaginário erótico-sexual, vai ao encontro dos desejos da audiência masculina? Será ao acaso que este cenário continua a ser comum, mas que em provas de atletas femininas não sejam contratados homens espadaúdos para lhes servirem de adereço no pódio?

Podemos achar que nada disto é relevante, contudo, importa não menosprezar o impacto direto que esta objetificação feminina, carregada de estereótipos sexistas, tem na forma sexualizada e, tantas vezes, desumanizada como boa parte da sociedade ainda olha para as mulheres. E não esquecer também que tudo isto potencia igualmente a condescendência e o desprimor com que as atletas do sexo feminino destas modalidades ainda são tratadas amiúde, ora pelo público, ora pelos próprios potenciais patrocinadores.

O que ganham os patrocinadores com isto?

Um artigo do Jornal de Notícias, publicado em agosto de 2023, explicava que, nos dois anos anteriores, as cerimónias da Volta a Portugal tiveram presença mista nos momentos de consagração dos ciclistas, com hospedeiros masculinos e femininos. Decisão que foi invertida em 2023, voltando à exclusividade feminina, por pressão das marcas envolvidas nos patrocínios.

Não sei se terá sido o caso na edição deste ano, em que o Continente é o patrocinador principal. A esta marca somam-se outras tantas, de atuações distintas, desde a Galp à Lusíadas Saúde, passando pelos Jogos Santa Casa. A todas elas, deixo a questão: porque é que ainda alinham isto? Que vantagens traz ao vosso posicionamento e visibilidade no mercado, quando estas mulheres sobem ao pódio com os logótipos das vossas empresas nas suas fardas?

E porque será que as fardas escolhidas passam por minissaias e camisolas justas, a salientar curvas do corpo feminino? Há um intuito comercial ou será um acaso? Que mensagem pretendem passar com isto ao público em geral que assiste ao evento? E o que tencionam mostrar, desta forma, sobre os vossos valores empresariais, enquanto marcas que, supostamente, têm os olhos postos no futuro, na evolução dos tempos e das mentalidades, e nos compromissos relacionados com a responsabilidade social?

Em 2024, já não é admissível que marcas, clubes e organizações continuem a perpetuar este tipo de estereótipos sexistas em competições desportivas. Como se aos homens não lhes bastasse levar a taça, têm de o fazer a cumprir a equação pública da masculinidade tradicional: poder, sucesso, mulheres. Ou seja, um homem realmente bem-sucedido tem de estar rodeado de mulheres bonitas para validar, na totalidade, o seu valor e posição de poder. Já não há paciência para isto, convenhamos.

Sobre o autorPaula Cosme Pinto

Paula Cosme Pinto

Comunicadora pela igualdade de género
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