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Atrasos

O que nós temos de fazer é deixar de prometer às pessoas que o voo vai demorar o tempo que o voo realmente demora

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Atrasos

O que nós temos de fazer é deixar de prometer às pessoas que o voo vai demorar o tempo que o voo realmente demora

Marco Pacheco
Sobre o autor
Marco Pacheco

O momento é grave. O gabinete de crise está reunido na sumptuosa sala do conselho de administração da companhia aérea ‘low cost’. Além da CEO, estão presentes o CFO, o CTO, o CIO, o COO, CPO, o CLO, o CCO, o CBO, o CGO e, mesmo acabadinho de entrar na sala, o CMO.

A reunião foi convocada de emergência pela CEO, depois de o seu marido lhe mostrar mais um ‘meme’ a ridicularizar os atrasos dos voos da companhia que ela dirige. Como se chama um psicólogo num avião da Airjet? Pergunta o ‘meme’. É um atrasado mental, responde o mesmo ‘meme’, para delírio dos milhares que viram e gostaram e partilharam online, e para fúria suprema da CEO, que decidiu tomar medidas.

— Senhores — começa ela em espanhol — chamei-vos aqui porque temos de estancar um problema que está a corroer a nossa imagem e que acabará por afetar o nosso negócio. Somos os mais económicos, temos mais passageiros, abrimos mais dois ‘hubs’, somos rentáveis, mas temos uma péssima reputação de pontualidade.

Já viram este ‘meme’? Acham graça? Eu não acho piada nenhuma. Temos de acabar com isto rapidamente, sob pena de vermos a nossa marca perder valor, coisa que os nossos acionistas, que nos pagam a peso de ouro e sempre pontualmente, também não achariam muito divertida. Precisamos de soluções. Agora! E já vamos atrasados. Ideias?

Ninguém responde. Faz-se um silêncio do tamanho da enorme mesa oval. Um ‘chief officer’ remexe-se cadeira, outro limpa a garganta, dois outros trocam olhares entre si, até que o COO, ‘chief operations officer’, diz:

— Precisamos de mais aviões.

Ao que a CFO, ‘chief financial officer’, responde:

— Não temos dinheiro. Só subindo os preços e nós somos ‘low cost’.
— Além disso, os aviões não são uma solução rápida — acrescenta a CEO.
— Ou seja, chegariam tarde — remata o CPO, ‘chief product officer’, em jeito de piada, mas ninguém ri. O ambiente é tenso.

Um pouco a medo, o CMO, ‘chief marketing officer’, pede a palavra:
— Se me permitem, creio que o problema que temos aqui não é de pontualidade, mas sim de gestão de expetativas.

Esta afirmação ganha de imediato a atenção de todo o conselho, ainda que alguns com indisfarçável ceticismo.
— Continua — diz a CEO.
— O que nós temos de fazer é deixar de prometer às pessoas que o voo vai demorar o tempo que o voo realmente demora.
— Como assim? — questiona a CEO, dando voz à pergunta que toda a sala fez mentalmente.
— Dou um exemplo: o tempo de voo de Lisboa para Madrid é de uma hora. Essa é a duração que pomos no horário e no cartão de embarque. Ora, se em vez de dizermos que o voo vai demorar uma hora, dissermos que demora uma hora e trinta, ou até duas horas, podemos chegar meia hora, ou até uma hora depois, que ainda estaremos a cumprir o horário!

Toda a sala se agita. Uns invejosos por não terem tido a ideia, outros confusos com a lógica da mesma, e a CEO muito impressionada:

— É barato, rápido e é fácil de implementar. Vamos testar em algumas rotas.

O CMO sai da reunião mais inchado do que uma manga de vento a esvoaçar na pista em dia de ventania. A partir da sede em Madrid, para onde a direção de marketing de Portugal foi deslocalizada, desenha e executa um plano de comunicação para a sua genial ideia.

Influenciadores de viagens e ‘lifestyle’, garantindo “saí mais tarde, mas cheguei antes da hora”, uma gravação para passar a bordo depois da aterragem anunciando “bem-vindo a X, chegámos antes da hora prevista”, e muitas outras iniciativas. Passado algum tempo, o CMO ouve num dos seus muitos voos entre Portugal e Espanha um primeiro comentário elogioso:
— Estes nunca se atrasam.

Mais uns meses e os ‘memes’ começam a desaparecer da internet, os convites para congressos e palestras e entrevistas sobre o caso de sucesso que se tornou prática do setor vão surgindo, e, inevitavelmente, os prémios também.

Um dos mais prestigiantes está prestes a ser entregue numa cerimónia aguardada com expetativa. O apresentador anuncia a próxima categoria: profissional de marketing do ano. De seguida, lê o nome e uma pequena bio de cada um dos três nomeados. Para cada um, uma salva de palmas. Por fim, abre o envelope onde está o vencedor e anuncia:
— Diretor de marketing da Airjet!

O aplauso é estrondoso. Toda plateia se levanta para aclamar o esperado vencedor. Mas onde está o homem? Sempre a bater palmas, as cabeças começam a rodar à procura dele. O apresentador repete o nome. Depois faz um sorriso amarelo. Depois diz uma piada sem graça e abre os braços para alguém da organização. O galardoado não dá sinais de vida.

As palmas começam a fraquejar. Não é um prémio que outra pessoa possa receber por ele, é uma distinção pessoal, não deve ser a agência, criativa ou de media ou de comunicação, ou um colega, a recebê-lo. Deve ser o próprio. Que não aparece. Nem vai aparecer, está visto. De repente, alguém segreda uma explicação ao apresentador que a repete ao microfone:

— Bom, o nosso vencedor informou-nos agora mesmo que acabou de aterrar em Lisboa. Embora dentro do horário, o voo atrasou-se.

Sobre o autorMarco Pacheco

Marco Pacheco

Diretor criativo executivo da BBDO e escritor
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