Marcas de serviços estão em processo de extinção
Quando temos de registar algo, vamos quase sempre aceitar/adaptar-nos ao que as entidades reguladoras nos oferecem
Pedro Simões Dias
Fundador da Comporta Perfumes e advogado de proteção de direitos de marcas
Ter uma marca é ter exposição. Ter uma marca também obriga a exposição. Comunica. Comunica algo. Se perguntarmos na rua o que é uma marca, se calhar pouca gente dirá que é “um sinal que se regista para se identificar um produto ou serviço no comércio”, definição que consta no site do Instituto Nacional de Proteção Industrial (INPI).
Mas, provavelmente, se dirá ser algo visível (é discutível que tenha de ser necessariamente visível…) e que reconhecemos como o símbolo de um produto ou de um serviço. Na rua, as pessoas no inquérito de passeio, associarão certamente mais a um produto do que a um serviço. E, na prática, será muito mais um produto do que um serviço.
É que o valor de uma marca de serviços tem decrescido aos olhos do público e dos marketeers. Saber se tem diminuído aos olhos do público por causa dos marketeers, ou se são os marketeers que têm desvalorizado cada vez mais as marcas de serviços, por acharem que o público não as reconhece, é para mim um jogo típico do ovo e da galinha.
Porque é que tem decrescido? Não sei bem. O que sabemos é que existem três forças, pelo menos e logo à primeira vista, que fazem decrescer o peso mediático (reconhecível) das marcas de serviços:
– os serviços-produtos: cada vez mais serviços (se estiverem associados a um mísero produto) são logo apelidados de ‘produtos’ (cf. os produtos de telecomunicações ou os produtos financeiros). Nas telecomunicações, então, a comunicação é implacável: o ‘triple play’ ou o ‘quadruple play’ são muitas vezes tidos como produtos.
– os serviços-pacotes: há uma variação à noção desvirtuada de serviços-produtos e que é a noção de ‘pacotes’, isto é, a associação de vários serviços. Para muitos (comerciais das empresas, marketeers, gestores…) são pacotes, não são serviços. E vivemos muito bem com este conceito.
– os serviços experiências: há uma terceira tendência que é considerar a ida a um determinado estabelecimento para usufruir de um serviço como uma experiência, ou que um determinado prestador nos está a proporcionar uma experiência. Nos restaurantes e hotelaria é ‘mato’ (o Aleixo.fm vai tomar um café ao Café do Aires e bebe ‘uma bica no Aires’, se for lanchar ao Reid’s vai ter a experiência do ‘tea at Reid’s’ – que o hotel em causa considera uma “timeless experience”.
Isto parece teoria, mas não é, quando nós, intérpretes do direito, temos de qualificar os sinais a registar. No direito, tendemos a ter mil opiniões para a mesma situação (são as anedotas que ouço contar), mas quando temos de registar algo, vamos quase sempre aceitar/adaptar-nos ao que as entidades reguladoras nos oferecem (sobretudo para não criarmos problemas ou ineficiências aos nossos clientes). E passamos a ser básicos: podemos registar como marcas de produtos e de marcas de serviços.
É verdade que o direito é tendencialmente lento a reagir à evolução da sociedade, sobretudo em quadros legais razoavelmente garantísticos. Mas se a pressão da comunidade for forte e as experiências forem verdadeiras experiência (vou arriscar a dar este exemplo – um jantar às escuras para levar um cliente à dificuldade e ao desafio de estar de olhos vendados) e os pacotes verdadeiros pacotes… isto, não vamos mudar em breve, mas não deixava de ser giro termos no futuro registos de marcas de ‘pacotes’ ou de ‘experiências’. Já vi coisas mais estranhas.