O nome de um artista enquanto marca
“O artista enquanto artista, o seu nome e direito à imagem deveriam prevalecer na esfera deste domínio jus-autoral ou do direito à personalidade”
Pedro Simões Dias
Fundador da Comporta Perfumes e advogado de proteção de direitos de marcas
O mundo está, há muito, de cabeça para baixo e a arranjar modos de proteção para a vida para além do razoável.
No mundo das marcas e dos direitos de autor, a cabeça para baixo está na inversão do que seriam as regras normais de proteção, indo buscar à propriedade industrial – no caso, ao registo de marcas – aquilo que seria lógico ficar no direito de autor.
Uma situação de adicional de proteção, em que, uma parte da responsabilidade é de nós, advogados, que, na ânsia da maior proteção para os nossos clientes, lançamos mão de todos os institutos jurídicos possíveis, mesmo que, de algum modo, num ‘overlaping’ de proteção.
Falemos então do nome artístico de um cantor/cantora/banda musical. Será razoável que, por exemplo, a Rihanna seja uma marca? A Rihanna é uma cantora.
Claro que é um negócio, mas ela é, antes de mais, uma cantora, que se tem de preocupar com as suas cordas vocais, com o repertório que escolhe, com o momento de lançar um single ou um álbum… É um negócio da música como artista.
Só que o negócio da música é, desde há muito, mais vasto. Paralelamente à música em si mesmo, existem outras formas de monetização de um cantor, sejam o merchandising ou a utilização da imagem do mesmo em ‘product placement’.
Sucede que, quando falamos de um artista como uma marca registada, falamos especialmente de uma marca do artista no mundo do espetáculo.
E, assim, a Rihanna é a marca europeia número 004872974, e até em várias classes (09, 16, 25, 35 e 41). Na verdade, é a 41 a que lhe interessa, por ser ‘a’ classe do mundo artístico, ainda que a mesma não tenha um descritor muito óbvio para o artista enquanto artista.
Isso é que é perverso. O artista enquanto artista, o seu nome e direito à imagem, deveriam prevalecer na esfera deste domínio jus-autoral ou do direito à personalidade. É esse o seu domínio e desígnio.
Essa proteção até é formalmente concedida em Portugal, quando é possível o registo do nome artístico junto da Inspeção-Geral da Atividades Culturais (IGAC).
Ou seja, por exemplo, uma Rihanna superstar portuguesa em versão masculina, como o Dino D’Santiago (de quem sou amigo e de quem muito gosto), poderia perfeitamente registar o seu nome artístico junto da IGAC porque esse seria o universo lógico. Não julgo que tenha o seu nome artístico registado.
Mas lá está, o Dino D’Santiago é a marca nacional 679798, nas classes 09, 16, 18, 25 e 41. Não é estranho, hoje, todas as editoras de discos, em especial, as ‘majors’ internacionais, impõem nos seus contratos que os artistas tenham registado a sua marca.
Agora, por estranho que pareça, esses contratos das grandes ‘majors’ não obrigam ao registo no nome artístico.
Isto terá uma razão de ser: o registo de marcas tem uma malha de critérios para a recusa de uma marca (sendo que, para este tipo de marcas, o principal assenta na possibilidade de confundibilidade dos sinais a registar) que protegem quem anteriormente tenha registado algo igual ou parecido.
Isto é, quem primeiro tenha registado uma marca, em princípio, poderá opor-se à tentativa de um registo posterior de uma outra marca igual ou que possa ser suscetível de ser confundida com a registada anteriormente. No registo de nome artístico, essa proteção tão expressa não existe.
Mas não existe expressamente porque essa é a regra geral do direito de autor: a proteção existe por si mesmo, para obstar a cópias ou plágios e, no que toca à proteção do nome artístico, essa proteção não é tão óbvia.
Assim, sendo em tese a proteção do direito de autor muito mais forte e perene do que a proteção das marcas, no caso dos nomes artísticos, todos os advogados vão aconselhar os artistas que os consultem a registar o seu nome como marca.
Lá passam os artistas a ser uma marca! Meu querido Dino D’Santiago, gostas de ser uma marca?