O Rato Mickey de uma marca
Coca-Cola, General Motors, Samsung ou a ICBC não precisam de ‘Ratos Mickeys’. Claro que há marcas que terão sempre o seu ‘Rato Mickey’, independentemente do seu sucesso e tamanho. Caso máximo: o Steve Jobs
Pedro Simões Dias
Fundador da Comporta Perfumes e advogado de proteção de direitos de marcas
A Catarina Nunes certamente convidou-me para escrever regularmente no jornal Meios & Publicidade porque criei a marca de perfumes de nicho “Comporta Perfumes”. A marca foi criada em 2017 e, de então para cá, passámos de seis perfumes para doze perfumes e criámos uma linha de perfumes de casa.
Seja pelo efeito de termos ‘surfado a onda’ da Comporta, seja pelo storytelling que criámos para cada um dos perfumes, seja porque as pessoas terão gostado dos perfumes, a marca está hoje distribuída em diversos mercados internacionais e, no que importa para a presença nestas crónicas, teve, julgo, que algum reconhecimento dentro de alguns círculos em Portugal.
Mas porque é que a Catarina não convidou a Inês, o Bernardo, a Joana ou a Helena, que estão ligados à marca, a escrever esta crónica?
A resposta é só uma: porque sou eu o ‘Rato Mickey’ dos Comporta Perfumes, porque criei a marca, o conceito global inerente à mesma, incluindo todo o trabalho de definição dos perfumes.
Mas, na verdade, a minha profissão é, desde sempre, ser advogado na área da proteção de direitos relativos a muitos dos bens jurídicos incorpóreos (marcas, patentes, copyrights, direito da internet, dados pessoais e direito do consumo).
Acreditem que pode ser maçadora esta esquizofrenia…, de ter de estar sempre a mudar de chip: perfumes, direito, direito, perfumes… e nos jantares e gatherings menos restritos, as pessoas acabam por perguntar-me e falar comigo sobre… perfumes e sobre a ‘minha’ marca Comporta Perfumes… Não fujo a isso e tenho imenso gosto!
Apesar de ter sido eu a criar o conceito da marca e a ser o motor de desenvolvimento da mesma no início do percurso, hoje, tento delegar o mais possível tudo que seja para fazer relativamente aos Comporta Perfumes. Tento o mais possível só decidir sobre as linhas essenciais da marca e sobre os perfumes que vamos criando.
Mas permaneci o ‘Rato Mickey’ da marca e, assim, é a mim que pedem que fale sobre este projeto ou sobre algo que se lhe relacione (o luxo e a perfumaria; os cheiros e os champagnes…).
Nas marcas de (algum) nicho aptas a terem mediatismo, seja de perfumes, seja de vinhos (veja-se o Dirk), seja de decoração ou arquitetura (veja-se a Nini), etc., as pessoas querem conhecer o ‘Rato Mickey’ por detrás da marca. Um determinado rosto, uma determinada voz.
Como paradoxo, a minha marca (como a marca do Dirk e a da Nini) será tanto mais uma marca de sucesso quanto não tenha de ser eu (ou eles) a aparecer, quando não tiver de ser o ‘Rato Mickey’ a aparecer.
Marcas como a Coca-Cola, General Motors, Samsung ou a ICBC não precisam de ‘Ratos Mickeys’. Claro que há marcas que terão sempre o seu ‘Rato Mickey’, independentemente do seu sucesso e tamanho. Caso máximo: o Steve Jobs (não o confundir com outros famosos como o Arnault, ou Bezos, porque estes são-no por serem muito, muito ricos e poderosos, como o foram o Rockfeller e o Onassis). E, ainda assim, se atentarmos bem, a Apple sempre foi um projeto de inovação associado a design e a prestígio high-style. Um certo nicho, pois, dentro de ‘bens desnatados’.
Esta é a esquizofrenia mais emblemática nas marcas: quanto mais relevante for o ‘Rato Mickey’ da marca, menos ela será relevante; sendo que, sempre que o ‘Rato Mickey’ aparece, cada vez as pessoas vão querer saber mais do ‘Rato Mickey’.
É uma gestão difícil. Vou aparecer por aqui durante uns tempos.
Pedro Simões Dias, fundador da Comporta Perfumes e advogado de proteção de direitos de marcas