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Opinião

Os perfumistas devem ter direitos de autor?

Aventus, 100ml, €300; Club de Nuit, 105ml, €31. Cheiram ao mesmo. Tuscan Leather, 100ml, €350; Godolphin, 125ml, €265. Cheiram ao mesmo. Ninguém contesta ninguém. Não parece estranho?

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Os perfumistas devem ter direitos de autor?

Aventus, 100ml, €300; Club de Nuit, 105ml, €31. Cheiram ao mesmo. Tuscan Leather, 100ml, €350; Godolphin, 125ml, €265. Cheiram ao mesmo. Ninguém contesta ninguém. Não parece estranho?

Sobre o autor
Pedro Simões Dias

Quando faço conferências sobre o direito do perfume e, em especial, sobre a proteção que deve ser dada aos perfumes, faço passar entre os presentes ‘blotters’ [tira de papel para experimentar perfumes] impregnados de cheiros relativos a oito ou dez perfumes, de dois em dois.

Quatro deles, cheirados em pares, são o Aventus e o Club de Nuit da Armaf e, o Tuscan Leather da Tom Ford e o Godolphin da Parfums de Marly. Solicito às pessoas que me digam se acham que há diferenças significativas de cheiro entre as duplas de cada um deles.

Posso garantir-vos que a generalidade das pessoas, se não tiver excecionais capacidades organoléticas, praticamente não os distingue. Ora, se não os distingue, é porque são ‘iguais’. Como ‘são iguais’ deverá ser essa também a posição de um juiz que fosse colocado perante um caso idêntico no seu tribunal.

Vejamos os dois casos de pares de perfumes:

– O primeiro apresenta o mais famoso perfume de nicho versus uma ‘cópia’, que mando vir da Índia. Um custa €300, o outro €31. Livra! Só quer dizer que a margem da Creed no Aventus é gigantesca.

– O segundo são dois perfumes para o mesmo ‘target’ de mercado, ambos concorrentes diretos. E, no entanto, não parece estranho que nem a Creed, relativamente a um perfume de uma marca indiana de baixa categoria, nem a Tom Ford, relativamente a um perfume que é de uma marca sua concorrente direta, nada façam? Mais do que estranho, é um absurdo.

A generalidade da comunidade da cosmética aceita de bom grado que não existem direitos sobre os perfumes, sobre a fragrância em si mesmo. É verdade que existem decisões condenando projetos comerciais que fazem do seu modelo de negócio a comparação das suas cópias com perfumes ‘originais’ (em Portugal, é o caso das lojas Equivalenza), condenando-os a título de violação das marcas e/ou concorrência desleal e de violação das regras da publicidade.

Mas este caso tem um foco diferente: quem ia às lojas da Equivalenza sabia ou era induzido a saber que aqueles perfumes eram uma cópia expressa dos da Lancôme ou da YSL, entre outros, e o tribunal considerou que se tratava de uma concorrência desleal relativamente a outras marcas. Mas não condenou a título de proteção do perfume. E então, em que ficamos?

O caminho é longo. Já se tentou proteger o perfume através de soluções da propriedade industrial (que referi na crónica anterior, na edição 965 do M&P), designadamente a título de patentes e de marca, como marca olfativa.

Registar uma marca olfativa parecia ser o Santo Graal e houve até alguns registos, sendo o mais famoso o do cheiro das bolas de ténis. Em 2000, a marca da União Europeia nº 428870 ‘The smell of fresh cut grass’ foi registada para assinalar na classe 28 ‘bolas de ténis’.

O registo caducou em 2006, por falta de renovação, e hoje tende-se a considerar que o odor não pode ser um atributo nem característica natural de um produto. O que significa que o odor não tem valor em si mesmo, como marca. Não vamos aqui discutir se esta posição está certa ou errada, o que sabemos é que os registos que foram efetuados não foram relativos a perfumes comercializados junto do grande público.

E proteção por patentes? Nos Estados Unidos, é possível patentear a fórmula de um perfume, mas tem como reverso a revelação da fórmula (e poderia haver engenharia reversa a chegar ao mesmo cheiro), com uma proteção por apenas 20 anos. Em suma, da parte dos direitos de propriedade industrial, não temos ajuda.

Resta-nos o direito de autor. E, do meu ponto de vista, bem. É o ramo do direito mais apropriado para este tipo de proteção. No panorama internacional, em matéria de direito de autor, há duas decisões de referência essencial, em sentidos completamente opostos e em que um deles teve um impacto desmesurado em relação ao outro no mercado.

Em 1997, no caso Lancôme versus Kecofa, em que o que esteve em causa foi o perfume Trésor versus o Female Treasure, o tribunal de recurso holandês aceitou que um perfume pode ser protegido por direitos de autor.

A base para tal decisão era a de que, como referi na anterior crónica, a listagem de obras protegidas pelo direito de autor não é exaustiva. Logo, um perfume pode ser admitido como de proteção pelo direito de autor, se se verificarem os diversos requisitos para tal (a originalidade e o traço do perfumista).

Em sentido radicalmente oposto, em França no caso Bsiri-Barbir versus Haarmann & Reimer, o tribunal superior, revogando a decisão do tribunal de primeira instância de Grasse (nota: Grasse, o símbolo da perfumaria mundial, porventura talvez os juízes soubessem algo mais do que os magistrados de Partis, digo eu…) decidiu que:

– a criação de um perfume apenas envolvia um conhecimento técnico;

– havia problemas de estabilidade de fórmulas (hoje, com a imposição de utilização de moléculas sintéticas, a estabilidade da fórmula está garantida);

– e que o cheiro de um perfume tem um caráter efémero (como se isso fosse argumento, basta ver as inúmeras instalações de artistas plásticos que fazem gala em que as próprias criações se transformem em minutos ou segundos e não é por isso que deixam de ser obras de arte).

Só que esta decisão foi tomada em França, com todo o peso no mundo da cosmética e perfumaria, e, de um momento para o outro, não houve mais decisões relevantes. E assim continua o mercado a pensar que os perfumes não são protegidos.

A decisão do tribunal de França é uma aberração. Ainda mais com o passar dos anos, em que a evolução da perfumaria, com a imposição de utilização cada vez maior de moléculas sintéticas, que tornam os perfumes cada vez mais estáveis. Mas não vou discuti-la mais, nem falar sobre a minha teoria de proteção em sede de direito de autor.

Volto à questão inicial. Faz sentido dois perfumes cheirarem ao mesmo? Apresento-vos nesta página a Foto 1: um perfumista chega ao laboratório e tem centenas de frascos com diversas moléculas e o seu trabalho é combiná-las e recombiná-las, até chegar a algo de que goste e que tem o seu cunho pessoal.

Foto 1

Voltem a olhar para a Foto 1: que diferença existe entre o trabalho do perfumista naquele laboratório e um pintor, quando tem à sua frente 40 ou 50 frascos de tinta e as escolhe e seleciona para uma determinada solução plástica? Acho que nenhuma.

Não faz sentido, por isso, não haver uma proteção do perfume pelo direito de autor. É por isso que nos perfumes da minha belíssima marca Comporta Perfumes dou crédito aos perfumistas e incluo o nome deles no rótulo que é colocado no frasco, na Foto 2, considerando os perfumistas como verdadeiros artistas e os seus perfumes verdadeiras obras de arte. O meu crédito e respeito por eles e pelas suas criações.

Foto 2

Sobre o autorPedro Simões Dias

Pedro Simões Dias

Fundador da Comporta Perfumes e advogado de proteção de direitos de marcas
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