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Por que é necessário tratarem-nos como crianças?

As marcas que se assustam com a enorme dependência destas poucas empresas estão entre as suas principais financiadoras

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Por que é necessário tratarem-nos como crianças?

As marcas que se assustam com a enorme dependência destas poucas empresas estão entre as suas principais financiadoras

João Paulo Luz
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João Paulo Luz

A tomada de posse de Donald Trump, como 47º Presidente dos Estados Unidos, a 20 de janeiro, foi um marco para muitas coisas, eventualmente não tanto quanto ele apregoou, mas parece claro que vai ser para uma ainda menor regulação sobre as grandes empresas tecnológicas, sobretudo as norte-americanas.

O surpreendente recuo na decisão de banir o TikTok, que chegou a estar fora de acesso no país, será um misto de muitas coisas, mas é um sinal de que todas as decisões que irão ser tomadas sobre este setor vão ser orientadas ao interesse geopolítico da administração Trump e não ao que faz sentido para a livre concorrência e proteção dos utilizadores.

O destaque dado aos líderes destas empresas, e em alguns casos aos seus maiores acionistas, demonstra uma mudança em que esta administração privilegia um modelo de defesa dos campeões nacionais em detrimento da defesa do mercado livre, como motor de inovação e desenvolvimento.

Estaremos mais perto de um mundo de oligarcas do que o mundo que em tempos obrigou a Microsoft a abrir o seu domínio, e que possibilitou o aparecimento de alguns que estiveram na primeira fila da tomada de posse.

Na Europa, olhamos para este movimento com justificada preocupação. Não temos tido a capacidade de promover o crescimento de projetos europeus nesta área, em que as poucas exceções apenas confirmam a regra, porque a nossa maior preocupação é criar regulação que nos proteja sobre os perigos destas novas ferramentas.

É compreensível a preocupação com a intrusão na privacidade dos utilizadores, com a segurança dos Estados eventualmente comprometida pela capacidade de acumulação de dados e conhecimento de tudo o que fazemos e exprimimos por empresas estrangeiras. E, no caso das chinesas, com motivos acrescidos, com a sua capacidade de influenciar a criação de movimentos de opinião com impacto no modelo democrático.

Neste último aspeto, o escândalo da Cambridge Analytics, na primeira eleição de Donald Trump, é hoje visto como uma ação menor face às possibilidades que a inteligência artificial trouxe. Mas se parece óbvio que a melhor forma de a Europa se defender seria promover o domínio de ferramentas suas, também haverá espaço para dois outros tipos de reação, talvez os mais eficazes.

Algumas destas empresas vivem exclusivamente de publicidade. De forma surpreendente, no entanto, as marcas que se assustam com a enorme dependência destas poucas empresas, estão entre as suas principais financiadoras. É o fenómeno clássico em que a ação individual de nada adianta e a incapacidade de articulação com os seus pares leva à inevitável transferência de valor para outras entidades, até ao momento em que será demasiado tarde.

A miopia desta abordagem, recordando que os míopes veem muito bem ao perto mas mal ao longe, vai conduzir a um mundo em que a relação dos consumidores com as marcas se faz de forma menos sólida e duradoura, muito alinhada com a nova tendência em que os tempos curtos de atenção se conjugam com tempos cada vez mais curtos de lealdade pelas marcas.

O poder de quem gere estes momentos curtos de atenção e inclina as nossas preferências é crescente e parece claro que não é concordante com os interesses das marcas anunciantes e financiadoras.

Ao mesmo tempo, enquanto utilizadores, somos incapazes de reagir. Estamos cada vez mais envolvidos nas redes sociais que todos criticamos, reconhecendo que não nos tornam mais sábios e inteligentes e até desejamos que haja regulação que defenda os nossos filhos desta dependência e enorme influência, porque somos incapazes de sermos nós a proteger a nossa família.

Há, talvez por isso, alguma razão para que os reguladores olhem para nós como crianças incapazes de decidirmos o melhor para nós e para os nossos, e façam recuperar a consciência de que só evoluímos e somos livres se estudarmos e formularmos por nós as nossas opiniões.
Isto num momento em que a inteligência artificial está apenas a começar e nos arriscamos a que as máquinas pensem e, de hoje para amanhã, começarmos a seguir o que elas nos disserem, de acordo com os interesses dos novos oligarcas.

Sobre o autorJoão Paulo Luz

João Paulo Luz

Diretor comercial de TV e digital da Impresa
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