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Volta ‘direct mail’, estás perdoado

Aeroporto de Lisboa. Zona de inspeção de bagagens antes do embarque. Muita gente. No meio dela, um incauto diretor criativo deposita os seus AirPods no tabuleiro, para passarem no raio-x. Ao chegar ao outro lado, os ditos já não constam no tabuleiro. Foram furtados?

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Volta ‘direct mail’, estás perdoado

Aeroporto de Lisboa. Zona de inspeção de bagagens antes do embarque. Muita gente. No meio dela, um incauto diretor criativo deposita os seus AirPods no tabuleiro, para passarem no raio-x. Ao chegar ao outro lado, os ditos já não constam no tabuleiro. Foram furtados?

Marco Pacheco
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Marco Pacheco

Aeroporto de Lisboa. Zona de inspeção de bagagens antes do embarque. Muita gente. No meio dela, um incauto diretor criativo deposita os seus AirPods no tabuleiro, para passarem no raio-x. Ao chegar ao outro lado, os ditos já não constam no tabuleiro. Foram furtados? A vítima queixa-se às autoridades competentes, mas estas revelam-se incompetentes.

— É complicado.

De repente, uma lembrança: No iPhone é possível ver onde estão. E lá estão eles. Por ali. Naquela sala. Uns metros a oeste. Circulando anónimos. Pouco depois, na zona de restauração. A localização não é precisa, não permite certezas. Quem tem ar suspeito entre os que estão no raio traçado no mapa?

O calmeirão de óculos de sol ao pescoço? Os ‘backpackers’ que pagaram por uma sandes o que não pagaram pelo voo? O casal com sacos do ‘duty free’ “Estarão os AirPods lá dentro?” Foram ‘free’, podiam estar. Mas não há como saber. As autoridades tinham razão. É complicado. O diretor criativo desiste. Embarca no seu voo para Madrid, revoltado e com duas dúvidas:
— Voltarei a ver os AirPods? E se sim, onde?

Depois de chegar a Espanha, desliga o modo de voo e não quer acreditar no que vê no seu ecrã. De todos os destinos possíveis do Aeroporto Internacional de Lisboa, eles foram aterrar na sua terra natal: a ilha Terceira, nos Açores. Isto promete, pensa ele, divertido e de novo esperançado.

No dia seguinte de manhã, o mapa do iPhone mostra a provável morada do surripiador, ou surripiadora: São Carlos, perto de Angra do Heroísmo. Pormenor importante: é uma vivenda isolada, se fosse um prédio seria difícil saber o andar. Donde, não é cedo nem é tarde: o diretor criativo decide voltar aos seus tempos de redator e escreve o seguinte ‘direct mail’:

A quem possa interessar:
Uma pessoa nesta morada roubou ontem à noite, dia 17, por volta das 21h, na zona de inspeção de bagagens do aeroporto de Lisboa, uns AirPods (auscultadores) brancos da Apple.

Eu sou o proprietário desses AirPods e sei que estão aqui, porque consigo segui-los a partir do meu iPhone. É por isso que também sei que na mesma noite os AirPods estiveram na Gare Civil da Base Aérea das Lajes.

Tudo isto pode ser confirmado nestas fotos do ecrã do meu telemóvel. Azar do ladrão, ou ladra. E outro azar: eu sou açoriano e tenho amigos na Terceira. Um deles fez-me o favor de imprimir esta carta e deixá-la aqui.

Dou duas hipóteses ao larápio, ou larápia, para devolver os meus auscultadores:
—  Deixá-los no café de S. Carlos junto à igreja, ao cuidado do Miguel ou do Paulo (eles não sabem que foi um roubo, isso fica entre nós)
—  Ou então, daqui a uns dias é a polícia que vem bater a esta porta.

Fico à espera.
Atentamente, o dono dos AirPods

E assim faz: fica à espera. Atentamente. Espreitando amiúde a localização no telemóvel, perguntando ao amigo:
— Alguma coisa no café?
— Nada.

Passa-se um dia sem novidades. Passa-se outro. A descrença no marketing postal, que já era enorme, aumenta. Frustrado, o diretor criativo culpa o meio pela ausência de resultados. Não sei para que é que me fui dar ao trabalho, diz ele aos seus botões, sempre soube que isto não resultava, é só lixo, ninguém lê uma palavra que seja, talvez os folhetos dos supermercados, mas é só.

Os canalizadores e as monofolhas dos jeovás, as imobiliárias com propostas para comprar a casa e os panfletos dos partidos em altura de eleições só servem para atulhar o correio, ainda bem que inventaram os autocolantes espanta-publicidade, fiz bem em colar um na minha caixa.

Nunca disse aos clientes da agência, mas se fosse hoje dizia, eles também já não usam, agora é tudo por e-mail. Ao menos assim já vão diretos para o lixo, poupa-se o trabalho e o papel.

Até que ao terceiro dia, nova localização. Ao início parece outra vivenda, mas passado algum tempo o GPS ajusta a posição: Esquadra da Polícia de Segurança Pública de Angra do Heroísmo. Tu queres ver…

Ainda no mesmo dia, o amigo ilhéu apresenta-se na PSP. Depois de se identificar devidamente, é informado de que sim senhor, entregaram uns auscultadores encontrados no Aeroporto de Lisboa.

— Encontrados?
— Foi o que disseram.

Não interessa. Assim como não interessa por que razão não quiseram entregá-los no café, talvez medo ou vergonha de serem reconhecidos. O importante é que os dispositivos voltaram aos ouvidos do seu legítimo dono.

Graças à boa fortuna (agradecido, deuses), graças à tecnologia da Apple (thanks, Steve) graças ao prestável amigo (obrigado, Teodoro), mas sobretudo, graças ao ‘direct mail’. É principalmente a esse poderoso e moribundo meio que o proprietário dos AirPods quer agradecer este milagroso resultado.

Está, até, a pensar candidatar o caso aos Prémios à Eficácia. Teria boas hipóteses. Quanto mais não seja, porque seria o único ‘direct mail’ a concorrer.

Sobre o autorMarco Pacheco

Marco Pacheco

Diretor criativo executivo da BBDO e escritor
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