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Voltará o céu a ser azul?

As ‘start-ups’ tornaram-se gigantes e são hoje os novos incumbentes, agora acusados de abuso de posição dominante

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Voltará o céu a ser azul?

As ‘start-ups’ tornaram-se gigantes e são hoje os novos incumbentes, agora acusados de abuso de posição dominante

João Paulo Luz
Sobre o autor
João Paulo Luz

A quase totalidade dos economistas acredita que os mercados tendem para o equilíbrio e que os movimentos que o mercado faz até o atingir obrigam a ganhos de eficiência, nos diversos agentes económicos. É esta crença que leva à concordância geral com a ideia de que a livre concorrência é a melhor forma de conseguir o progresso económico.

No entanto, essa livre concorrência pode produzir vencedores, que quando atingem quotas de mercado muito altas, podem incorrer em abuso de posição dominante. Por causa disso, há também consenso na necessidade da existência de reguladores, que impõem práticas que permitam a concorrência e impedem aquelas que a limitam.

Em todos os mercados há quase sempre estes ciclos, em que os novos agentes reclamam apoios para concorrerem com os incumbentes e, quando se tornam dominantes, criticam ferozmente a intervenção dos reguladores.

Um excelente exemplo são os carros elétricos que, quase ao mesmo tempo que ainda beneficiam de apoios fiscais de quase todos os Estados para compensarem os elevados custos de produção, já tentam ser protegidos das novas marcas de carros elétricos, também apoiadas pelo seu Estado.

Estas contradições resultam da defesa total da posição de cada um, característica das economias que promovem o mercado, e onde cada empresa considera que uma quota abaixo de 100% é oportunidade de crescimento.

Quando olhamos o aparecimento da internet lembramo-nos, quase com uma nostalgia romântica, das ‘start-ups’ de então a desafiarem os incumbentes e a terem uma legião de admiradores, entusiasmados pela oferta de excelentes produtos e serviços a preço zero. Ninguém questionava o que motivava os investidores, que colocavam muitos milhões nessas iniciativas, muitas ainda sem aparente modelo de negócio, e dispostos a perder tudo na maioria delas.

Hoje, percebemos que esses investidores entenderam muito cedo que estavam perante um salto de escala. Numa economia desmaterializada, a distribuição era rápida, simples e gratuita pela primeira vez.

Os ‘users’, termo utilizado para definir quem usava a internet, eram quem pagava a distribuição, pagando às operadoras de telecomunicações pelas suas ligações. Nestas condições, quem tivesse sucesso tinha um potencial de escala nunca até antes possível em tão pouco tempo e haveria certamente formas de vir a cobrar o valor dos serviços prestados.

Sabe-se agora que a velocidade de crescimento para se vencer obrigava à gratuitidade como a melhor estratégia a seguir. Não espanta assim que tenha sido na publicidade que se encontrou a forma de criar valor, para remunerar os investimentos dos acionistas, e que a coleta de informação sobre os ‘users’ se tenha tornado o bem mais valioso.

Mas este mercado já sofreu a mesma metamorfose cíclica. As ‘start-ups’ tornaram-se gigantes e são, hoje, os novos incumbentes, agora acusados de abuso de posição dominante e com práticas muito fechadas aos potenciais concorrentes.

A internet livre, durante anos o exemplo de como um mercado livre era o terreno fértil para novas ideias que poderiam destronar corporações instaladas e já pouco inovadoras, tornou-se num território dominado por ‘walled gardens’, que coletam tudo o que conseguem sobre nós e definem o que está certo e errado nas práticas que se desenvolvem.

As reações começam a sentir-se e é tirando partindo desse sentimento, de que a proteção da comunidade foi esquecida a favor do negócio, que o antigo CEO do Twitter, Jack Dorsey, lançou a Bluesky.

A Bluesky é um serviço de ‘microblogging’, onde mensagens com até 300 caracteres, fotos ou vídeos, são partilhadas em rede. As semelhanças com o Twitter original são imensas. Mas é na recuperação da ideia de uma internet descentralizada que assenta a diferenciação, que, com o Authenticated Transfer Protocol, permite um ecossistema aberto e colaborativo.

Isto impacta a posse da informação que recolhe dos utilizadores, que pode ser descentralizada por servidores que não apenas os da companhia proprietária e dá opções de uso de diferentes algoritmos, que escolhem o conteúdo que cada um vê, impedindo a censura e a fixação de critérios pela própria companhia.

Na política de privacidade aparece, no entanto, uma referência que contrasta com este espírito de pureza original da internet. Toda a informação que a Bluesky detenha poderá ser transmitida numa compra ou numa fusão que venha a ser efetuada. Isto lembra-nos de que não há bons nem maus.

Há apenas momentos em que, sendo os novos ‘bons’, estes projetos acumulam utilizadores. Mas, mais tarde, o retorno pedido pelos acionistas, irá torná-los nos novos ‘maus’. Cabe aos reguladores proteger os mercados e, em última instância, proteger a sociedade e a democracia que todos defendemos.

Sobre o autorJoão Paulo Luz

João Paulo Luz

Diretor de negócios digitais e publishing da Impresa
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