Paulo Proença, director-geral da Vasp
“A Vasp não podia cair no abismo”
O impacto da covid-19 levou a empresa de distribuição de publicações a pedir apoio ao governo, a mexer nas margens que cobra aos editores e a criar uma taxa diária […]
Rui Oliveira Marques
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O impacto da covid-19 levou a empresa de distribuição de publicações a pedir apoio ao governo, a mexer nas margens que cobra aos editores e a criar uma taxa diária para os pontos de venda, entretanto suspensa. No ano passado desapareceram 500 pontos de venda. Apenas 27 concelhos geram resultados positivos. Paulo Proença, administrador delegado da Vasp, conta como foram os últimos meses
Depois de alterar as margens comerciais nas renovações e nos novos contratos com as editoras, a Vasp preparava-se para aplicar, a partir de 4 de Julho, uma taxa diária de 1,50 euros de segunda a sábado e de um euro aos domingos, para os pontos de venda comparticiparem os custos de transporte, entrega e recolha das publicações. O Tribunal de Comarca de Lisboa aceitou a providência cautelar interposta pela Associação Nacional de Vendedores de Imprensa (ANVI) para suspender a taxa, levando a Vasp a considerar esta decisão de “manifestamente infundada” e adoptada “sem que lhe tenha sido conferido o direito ao exercício do contraditório”. Paulo Proença, administrador delegado da Vasp, alerta para a necessidade de o governo apoiar a distribuição de publicações no Interior do país de forma a que a única empresa que presta este serviço seja viável. A Vasp tem 250 funcionários directos, a que se juntam mais 800 pessoas subcontratadas.
Meios & Publicidade (M&P): Por que sentiram a necessidade de avançar com a taxa?
Paulo Proença (PP): Estou na Vasp desde 2008. Todos os anos as vendas das publicações caíam à volta de cinco por cento. No ano passado, com a pandemia, tivemos uma quebra superior a 20 por cento nas vendas. Havia uma expectativa de que quando a pandemia terminasse houvesse alguma recuperação. Em 2020 chegámos a ter quedas nas vendas de 40 por cento num mês. Nessa altura ficamos numa situação muito deficitária em termos dos custos de distribuição, porque são maioritariamente fixos. O maior custo que temos é o das rotas de distribuição. Se tiver um ponto de venda em Freixo de Espada à Cinta, no final da rota, tenho de ir na mesma. Nós vivemos da margem que cobramos dos produtos.
M&P: Explique-nos o modelo de negócio. Qual é a percentagem da margem que cobram aos pontos de venda?
PP: Todo o esquema de remuneração, tanto o nosso como o dos pontos de venda, baseia-se numa percentagem, a que nós chamamos de desconto comercial, aplicada sob o preço de capa, sem IVA. A média de desconto com que ficamos anda na casa dos 10 por cento do preço de capa. Os pontos de venda têm uma margem fixa de 15 por cento no caso dos jornais e de 20 por cento nas revistas.
M&P: Portanto, para distribuírem as publicações, não cobram um fee às editoras.
PP: É um desconto sobre o preço de capa. Os únicos fees que cobramos às editoras têm que ver com serviços opcionais, por exemplo, o serviço de armazenagem em que guardamos as sobras.
M&P: Em vez de aplicarem a taxa diária aos pontos de venda, nunca equacionam passar esse custo para os editores?
PP: Equacionámos. Em Março do ano passado tivemos o primeiro impacto. Tínhamos a expectativa de que as coisas recuperassem no Verão. Na altura pedimos algum tipo de apoio ao governo face à situação que estávamos a viver. Perdíamos 400 mil euros por mês. Uma coisa brutal. Os desportivos caíram 70 por cento nas vendas, porque não havia competições. Era um cenário de catástrofe quando até tínhamos tido os dois primeiros meses do ano com boas vendas.
M&P: Nessa altura obteve resposta por parte do governo?
PP: O governo não respondeu. Voltámos a enviar uma carta em Julho, dizendo que estranhávamos o silêncio. Não recorremos ao layoff porque tivemos sempre a operação a trabalhar. Nunca deixámos de distribuir jornais e revistas todos os dias. A carta de Julho voltou a não ter resposta e continuámos a perder dinheiro, apesar de o mercado ter melhorado ligeiramente. Continuávamos com quebras na casa dos 20, 20 e tal por cento. Ficamos na expectativa do que ia acontecer no Verão, porque parecia que a pandemia estava mais controlada. Neste período lançámos o site Jornal Em Casa para potenciar a entrega em casa das pessoas de jornais e revistas por parte dos próprios pontos de venda. O ponto de venda recebe a sua margem e teria um apoio do editor para fazer essas entregas.
M&P: Esse site teve uma boa adesão?
PP: Não. Houve muitos pontos de venda que fecharam. Já no mês de Outubro, com resultados do Verão péssimos, voltámos a enviar uma carta ao governo e finalmente no dia 28 de Dezembro tivemos uma primeira audiência com o senhor secretário de Estado do Comércio, o engenheiro João Torres, que nos disse que a Vasp não podia beneficiar dos programas de apoio ao comércio. A Vasp é uma empresa de comércio grossista. O programa Apoiar, dirigido apenas a PME, tinha como montante máximo 100 mil euros. Uma gota de água no oceano dos valores que tínhamos perdido. O secretário de Estado do Comércio comprometeu-se a falar com o Ministério da Cultura, nomeadamente com o secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, no sentido de perceber se podia haver algum tipo de apoio que pudesse ser dado à Vasp. Ficámos à espera. A ideia era que em Janeiro tivéssemos uma resposta, que não obtivemos. Tínhamos de tomar alguma decisão. Nós, já no final de Dezembro, quando fizemos o orçamento, considerámos que teríamos de evoluir na nossa política comercial junto dos editores. Não tendo qualquer apoio estatal, teríamos que evoluir na forma como eram calculadas as margens. As margens são variáveis segundo a tipologia de produto, se é jornal ou revista, a periodicidade e a venda média — são estes os três factores que influenciam a margem. Aumentámos a percentagem em cada um dos escalões e fizemos outra alteração porque, para uma editora multiproduto, tentávamos ter uma margem única para todos os produtos da mesma tipologia, independentemente das vendas e passámos a aplicar a margem produto a produto. Para alguns editores representou um aumento considerável face ao que tinham antes.
M&P: Portanto, os editores também começaram a sentir o impacto que a pandemia veio trazer à distribuição das publicações.
PP: É fácil fazer contas. A Vasp no ano passado perdeu na área das publicações cerca de 30 milhões de euros em vendas, o que correspondeu a cerca de quatro milhões de margem comercial, a tal margem que paga os nossos custos. Para que esse prejuízo fosse coberto pelos editores, eu tinha de subir de uma média de 10 para 14 por cento de margem comercial. Contudo, do ponto de vista contratual isso não era possível. Há contratos de um ano, dois anos, três anos e outros de cinco anos. O que fizemos foi alterar a margem comercial e aplicá-la em todas as renovações e em todos os novos contratos. Outra alteração foi que passámos a ter apenas contratos anuais.
M&P: Com todos os editores?
PP: Com todos os editores que renovaram ou que estão para renovar contratos. Uma aplicação automática de mais quatro por cento de margem nos editores não era possível. Íamos entrar numa litigância e em queixas de abuso de posição dominante. Sabemos que os editores, tal como a Vasp e os pontos de venda, sofreram uma quebra significativa nas vendas. As contas dos editores são públicas, estão no site da ERC. Não houve nenhum editor que tenha ganho dinheiro no ano passado.
M&P: Umas editoras recorreram ao layoff, outras a encerramentos e a despedimentos. No caso da Vasp, que ajustes houve na estrutura?
PP: A Vasp não pode recorrer a layoffs e despedimentos porque teve de manter a máquina a funcionar. Fizemos ajustes. Temos uma parte da operação subcontratada, por exemplo nas rotas, onde tivemos de fazer alguns cortes. A Vasp poupou no ano passado, face à anterior estrutura de custos, mais de um milhão de euros.
M&P: Quando olha para o mapa do país, quais são as zonas geográficas altamente deficitárias para a Vasp?
PP: Excepto a Grande Lisboa e o Grande Porto, diria que são praticamente todas. Fizemos uma análise de rentabilidade por concelho e só 27 é que geram resultados positivos. Mais de dois terços dos custos de transporte são para entregas fora das zonas do Porto e de Lisboa.
M&P: Voltemos à questão dos contactos com o governo. Como correu a última reunião com membros do governo a 28 de Junho?
PP: Estivemos com três secretários de Estado em simultâneo: Comércio, Media e Valorização do Interior.
M&P: Entretanto passou mais de um ano desde que escreveram pela primeira vez ao governo a expor as dificuldades por que estão a passar.
PP: Ao longo deste ano e meio a Vasp tentou ver se conseguia algum tipo de apoio e se o mercado evoluía de forma positiva para ver se não tomava uma medida tão drástica como a de aplicar uma taxa. Não a tomámos de ânimo leve, foi numa situação de quase desespero. A Vasp era uma empresa que antes da pandemia gerou sempre resultados positivos, marginalmente positivos. Apesar de monopolista, não gerava margens milionárias. Tinha a vantagem de não ter dívida.
M&P: No ano passado já tiveram prejuízos.
PP: A Vasp não distribui apenas publicações, tem outros negócios, como livros e produtos não-editoriais que vivem dentro da Vasp, mas que operacionalmente são um negócio à parte. A Vasp chegou ao final do ano passado numa situação financeira em que tinha perdido mais de metade do seu capital social, o que obrigaria os seus accionistas a terem de fazer o reforço do capital social ou a terem de adoptar, obrigatoriamente por lei, um plano de reequilíbrio financeiro da empresa. Mesmo considerando uma maior comparticipação dos editores por revisão da política comercial, tivemos de considerar a possibilidade, caso o mercado não recuperasse, de ter de aplicar uma taxa aos pontos de venda. Essa decisão foi tomada na aprovação do orçamento no final do ano passado. Não sabíamos que íamos ter um primeiro trimestre de confinamento e de estado de emergência. Actualmente a Vasp, felizmente, não tem problemas de tesouraria e tem crédito bancário mas, neste momento, já estará completamente descapitalizada, com os capitais próprios a zero ou negativos. Só não o sei por que ainda não fechei as contas de Junho. A empresa não podia continuar, alegremente, sem qualquer tipo de apoio do Estado, a ignorar e a cair no abismo, ou seja, deixar de pagar aos editores, aos funcionários e aos fornecedores ou a deixar de distribuir.
M&P: Que feedback teve na reunião com os três secretários de Estado?
PP: O factor mais positivo foi o reconhecimento de que o direito à informação é um direito constitucional e que deixar de distribuir no Interior do país é algo que não deve acontecer. Ficaram sensibilizados para o problema e ficaram de estudar eventuais medidas de apoio. Este ano provavelmente não há dotação orçamental para o fazer e a questão é se as medidas de apoio podem ser integradas no novo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A questão menos positiva é que o PRR tem sobretudo duas vertentes: a sustentabilidade ambiental e a digitalização da economia. A opinião dos membros do governo é que isto de distribuir jornais em papel não se enquadra nestas duas lógicas.
M&P: Existem países europeus onde os Estados apoiem a distribuição de jornais e revistas?
PP: Mesmo em Portugal o Estado já apoia a distribuição de jornais. A imprensa regional tem o apoio ao custo de entrega postal, que é subsidiado a 40 por cento pelo Estado. Esse mesmo jornal, vendido em banca, não tem qualquer tipo de apoio à entrega. Se considerarmos que um jornal tem à volta de 170 gramas, o custo de entrega de um jornal regional que é cobrado pela tabela dos CTT é de cerca de 50 cêntimos, o que quer dizer que o Estado comparticipa com cerca de 20 cêntimos em cada jornal que é vendido através de assinatura. O custo médio por entrega de cada jornal na banca é muitíssimo mais baixo do que o sistema comparticipado pelo Estado. Vamos agora para outro extremo. Os jornais e revistas são comparticipados a 100 por cento pelo Estado nas entregas para as regiões autónomas. O Estado gasta milhões por ano para garantir, e bem, que as populações da Madeira e dos Açores pagam o mesmo preço que um cidadão do continente por um jornal nacional. O Estado não comparticipa com nada se esse mesmo cidadão estiver em Bragança ou Miranda do Douro. Há muitos concelhos em que a Vasp tem, por ponto de venda, um prejuízo anual superior a cinco mil euros. Se no passado era possível subsidiar essas entregas pelo dinheiro que se ganhava nos centros urbanos, hoje em dia esse equilíbrio desapareceu. A Vasp não pode suportar isso.
M&P: Certo é que a taxa que propõem é aplicada por igual a quem vende muito e a quem vende pouco.
PP: A taxa é não discriminatória. Há pontos de venda que dizem que, se estão em Lisboa, o custo de entrega é mais baixo e que devíamos estar a cobrar menos. Há outros que dizem que são pequenos e vendem pouco e que por isso devíamos cobrar mais a quem vende mais. A verdade é que se cobrar muito pouco aos pequenos, os grandes têm de pagar muito, muito acima do que é o custo real [de distribuição]. Em vez de cobrar 1,50 euros por dia iria cobrar 20 ou 30 euros por dia a um ponto de venda. Preocupa-me, sobretudo, os pontos no Interior do país que têm facturações baixas. Grande parte dos pontos de venda que estão a tentar reunir nesta nova associação [Associação Nacional de Vendedores de Imprensa], são pontos de venda que, em muitos casos, vendem mais de mil euros de publicações por semana. Como têm uma margem de 15 a 20 por cento, consoante são jornais ou revistas, significa que têm uma margem média de 17,5 por cento. Estamos a falar de 170 euros de margem, se pedir para pagar 10 euros percebo que custe mas não é nada incomportável. Agora, se me disser que há um ponto de venda que factura 80 euros por semana e que ganhará pouco mais do que 10 euros, aí percebo que o negócio não seja muito atractivo. O preço médio de um jornal é um euro e meio, se lhe aplicar 15 por cento vai chegar próximo dos 20 cêntimos por cada jornal. No caso do Expresso ou do Nascer do Sol, que custam quatro euros, estamos a falar de 60 cêntimos. Não é preciso vender assim tantos jornais como se apregoa por aí para conseguir pagar 10 euros por semana, assumindo que o ponto de venda está aberto todos os dias. Em Lisboa, só 35 por cento da rede é que está aberta.
M&P: Qual é a realidade dos apoios públicos nos outros países?
PP: Na Bélgica, Alemanha e Suécia existem apoios ligados às assinaturas porque maioritariamente os jornais nesses países são entregues por assinatura. Não estou seguro de que cubram a distribuição em banca. Em Portugal não vale a pena pensar em entregar em casa um jornal nacional através dos CTT porque vai chegar pelo menos com um dia de atraso. Em França existiam duas distribuidoras de publicações, uma de nicho e outra que assegurava grande parte de jornais e revistas, e que chegou a uma situação a que a Vasp não quer chegar, que foi o pedido de insolvência, já depois de ter tido vários apoios do Estado para a sua recapitalização. Esse pedido de insolvência deu origem a uma nova empresa, com base na antiga, em que o Estado francês teve de injectar 60 milhões de euros. A taxa não é uma invenção das Vasp. Em muitos países europeus, como Espanha ou Inglaterra, existe há muitos anos.
M&P: A distribuição de publicações é a unidade deficitária da Vasp, mas quais são os resultados consolidados da empresa?
PP: A Vasp teve resultados antes de impostos de cerca de três milhões de euros negativos de prejuízo. Depois há créditos fiscais que se espera que possam vir a ser recuperados quando vierem os resultados positivos e, portanto, teve um resultado líquido de dois milhões e meio de euros de prejuízo. A Vasp tem três empresas: a Vasp – Distribuidora de Publicações SA, que é a empresa-mãe, que tem depois mais duas empresas. Uma empresa de DPS – digital printing services, que faz impressão digital e que se dedica à impressão de livros, de pequenas tiragens, reimpressões, edições de autor. Depois, tem uma outra empresa que é a Vasp Premium, que tem duas unidades de negócio: uma ligada à área das assinaturas e de entregas postais, e outra área, a Vasp Expresso, que se dedica ao negócio ligado mais ao e-commerce de entrega de encomendas postais e que cresceu fortemente no ano passado.
M&P: Nos últimos meses houve uma mudança accionista na Vasp [a Impresa vendeu a sua participação, a Cofina passou a controlar 50 por cento do capital e os restantes 50 por cento ficaram nas mãos da Global Media e da Páginas Civilizadas, empresas do universo do empresário Marco Galinha]. Teve impacto a nível de visão estratégica da empresa?
PP: É cedo para responder porque a venda concretizou-se no dia 30 de Junho. Temos amanhã [9 de Julho] a primeira reunião do novo conselho de administração. Noto que há uma vontade da nova estrutura accionista em star mais próxima da gestão do dia-a-dia da Vasp.
“O quiosque em Lisboa foi muito desvalorizado”
M&P: Uma provocação: aconselha alguém a investir num quiosque?
PP: Reinterpretando a sua pergunta: aconselhava alguém a investir na venda de publicações? Não, mesmo nas grandes cidades. Não tenhamos ilusões de que é um negócio que continuará a cair nos próximos anos. Os chamados pontos de venda tradicionais têm vindo a transformar-se em locais de conveniência que vendem publicações e outros produtos e serviços. Hoje a maioria da facturação dos pontos de venda vem do tabaco e do jogo social. Já não são as publicações. Alguns pontos de venda evoluíram para produtos alimentares, snacks, bebidas quentes e frias. Outros têm serviços de pagamentos, serviços de entrega e recolha de encomendas, serviços de impressão, serviços de transferência de dinheiro. São pontos de venda de proximidade, com horários alargados, com conhecimento muito concreto de quem são os seus clientes. Têm também de atrair clientela mais jovem. Agora, alguns pontos de venda optaram por seguir caminhos que não achamos correctos, como o dos brindes e souvenirs.
M&P: Por que não é correcto vender produtos a turistas nos quiosques?
PP: Os quiosques de Lisboa são da Câmara e da JCDecaux. Existe um regulamento para esses quiosques que os obriga a vender publicações e proíbe de vender alguns tipos de produtos, como bebidas alcoólicas. Os critérios de atribuição desses contratos de concessão eram para os antigos ardinas e para pessoas com mais dificuldades económicas. A verdade é que a maioria desses quiosques hoje em dia não vendem publicações. Têm uma publicação para dizerem que cumprem o regulamento. Vendem a t-shirt do Cristiano Ronaldo ou outro tipo de coisas. Beneficiam de um espaço nobre no centro da cidade a um preço muito baixo. Na maior parte deles, se reparar, quem detém a concessão não é a pessoa que explora o espaço. Vê aí muitos indianos e paquistaneses e não são essas pessoas que são as proprietárias dos quiosques, porque é proibido o trespasse. O quiosque em Lisboa foi muito desvalorizado. Em França e em Itália foram feitos concursos para a requalificação dos quiosques com acções de dinamização apoiadas pelos editores. Em Portugal as câmaras fecham os olhos ao assunto.
M&P: Por que parece que há pontos de venda com cada vez menos variedade de jornais e em que os próprios vendedores dizem que deixaram de receber determinados jornais?
PP: É uma história mal contada, muito provavelmente.
M&P: Estou até a falar por experiência pessoal. Já ouvi essa justificação, por exemplo, numa gasolineira nos arredores de Lisboa a propósito de um jornal nacional.
PP: Uma situação desse género só pode acontecer por duas razões. No caso das cadeias organizadas e das gasolineiras, porque reduziram o espaço para publicações. Eles próprios dizem que querem deixar determinados títulos, porque preferem libertar esse espaço para outros negócios mais rentáveis. Nas gasolineiras tem sido para produtos alimentares. Além disso, os editores com menos vendas têm de reduzir as tiragens. Nós, ao fazer o reparte, enviamos menos quantidades. Utilizamos ferramentas de machine learning, com base em comportamentos e histórico, que tentam “adivinhar” o que vai ser vendido naquele ponto de venda. Pode ter acontecido ir a um lugar perguntar por um título em que o editor reduziu a tiragem e isso obriga a um corte na rede. Os pontos de venda que vendem em média meio jornal são os candidatos a deixar de o receber. O editor aposta onde vende mais.
M&P: Qual foi a evolução no número de pontos de venda do pré-pandemia para a actualidade?
PP: No pré-covid, o normal era perder 100 pontos de venda por ano. Havia trespasses, fechavam uns e abriam outros. A tendência era a rede tradicional cair e haver crescimento dos supermercados e gasolineiras. Houve o efeito da Prio, que abriu novos postos. No período covid perdemos cerca de 500 pontos de venda. De 2020 para este ano houve uma limpeza da rede, de pessoas que já tinham alguma idade ou cujo negócio já não interessava e fecharam de vez. No primeiro trimestre de 2021 já tivemos mais aberturas do que fechos.