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Opinião

Não repetir o mesmo erro duas vezes

É em 2007, com a compra da DoubleClick por 3,1 mil milhões de dólares, que a Google se torna de facto excessivamente concentrada. Domina no ‘search’, compra a maior plataforma de vídeo e adquire a quase monopolista DoubleClick, que serve praticamente a totalidade da restante publicidade digital

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Não repetir o mesmo erro duas vezes

É em 2007, com a compra da DoubleClick por 3,1 mil milhões de dólares, que a Google se torna de facto excessivamente concentrada. Domina no ‘search’, compra a maior plataforma de vídeo e adquire a quase monopolista DoubleClick, que serve praticamente a totalidade da restante publicidade digital

João Paulo Luz
Sobre o autor
João Paulo Luz

Foi já há quase 30 anos, mais precisamente em 1996, que Larry Page e Sergei Brin iniciaram um projeto que analisava os diferentes ‘links’ entre páginas ‘web’, com a intenção de os ordenar, de acordo com a sua relevância, para um termo pesquisado. O Backrub Project, assim se chamava, dá lugar ao Google, no ano seguinte, sendo o novo nome uma referência a ‘googol’, que representa o número um seguido de cem zeros, evidenciando a ambição de organizar uma imensidão de informação.

Em 2000, é lançado o Adwords, que veio revolucionar a publicidade online colocando ‘links’ pagos ao lado dos resultados de pesquisa, com o custo por clique encontrado através de leilão. O ano de 2004 é um marco na história da Google, não apenas por lançar o Gmail em abril desse ano, identificando desde cedo que o email seria o mais próximo de um ID para todos os utilizadores, mas, sobretudo, porque, em agosto, a Google é lançada em bolsa e explode em capacidade financeira.

A partir daí, sucedem-se inúmeras aquisições que foram realizadas, sem nenhuma oposição de reguladores, dando origem a uma enorme concentração. Em 2005, adquire a Android, que viria a ser estratégica como resposta ao sucesso do iPhone, lançado em janeiro de 2007, e, em 2006, compra o YouTube, por 1,65 mil milhões de dólares.

Mas é em 2007, com a compra da DoubleClick por 3,1 mil milhões de dólares, que a Google se torna de facto excessivamente concentrada. Domina no ‘search’, compra a maior plataforma de vídeo e adquire a quase monopolista DoubleClick, que serve praticamente a totalidade da restante publicidade digital.

Talvez seja excessivo dizer que a Google antecipa a evolução para o programático, com as enormes margens que hoje tem, mas, já nesses anos, se percebe que os dados recolhidos através da pesquisa, do email, do YouTube e nos telefones móveis será uma enorme vantagem, para quem venha a ter a ferramenta que serve os anúncios.

É também com essa clareza que investe no desenvolvimento do Chrome, que em poucos anos se torna o navegador dominante. Este brilhantismo eleva a Google a um patamar de domínio que nem os falhanços no território das redes sociais lhe criam dificuldades. Hoje, vale mais de dois biliões de dólares em bolsa, que é mais fácil de entendermos se pensarmos que é o PIB de Portugal em 10 anos.

Mas, como a Google vive quase exclusivamente de receitas de publicidade, isso significa que a maioria da sua receita vem por transferência de receitas da imprensa, nos primeiros anos, e, hoje, sobretudo das televisões. E uma transformação dessa ordem cria problemas de sustentabilidade nos media, pilares das democracias ocidentais, e receios nos anunciantes pela dependência criada.

Após anos de queixas, sucedem-se, nos últimos tempos, condenações na Europa mas os casos mais relevantes ainda estão em curso nos Estados Unidos. Um juiz federal norte-americano considera, em agosto deste ano, que a Google tinha violado as leis da concorrência ao pagar à Apple e à Samsung para ser a pesquisa de origem nos seus aparelhos.

Apenas um mês depois, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusa a Google de criar um monopólio, que impede a concorrência no negócio da publicidade digital.

A Google tem uma concentração vertical em que atua como “comprador, vendedor e quem gere o leilão programático”. Consegue isso através de aquisições sucessivas e por dificultar a ligação de concorrentes ao seu dominante mercado. Com isso, alega o processo que decorre, a Google inflaciona os custos para os anunciantes, reduz as receitas dos meios e de todos os produtores de conteúdos.

Se ambas as acusações não são novas e são reflexo de queixas recorrentes, a verdade é que até hoje pouco foi feito. Os gestores da Google têm sido muitíssimo competentes em identificar as tendências e em posicionar a companhia da melhor forma, para atingir a posição de domínio que hoje ostenta. Essa é a sua tarefa e a dos muitos milhares de excelentes colaboradores.

Se algo aqui está errado é o tempo da justiça e da regulação. Talvez pelo receio de que às gigantes norte-americanas só se comparem as concorrentes chinesas, talvez pela complexidade dos temas fiscais, que não são particularidade desta indústria, talvez pelo poder que deter informação detalhada sobre biliões de indivíduos hoje traz, ou, talvez ainda, pela dinâmica de influência que tanta acumulação de riqueza gera, a verdade é que a inação de tantos anos é difícil de justificar.

O mais ingrato, mas talvez não seja inédito, é que tudo parece emergir quando pela primeira vez a Google parece estar à defesa, em relação ao impacto que a pesquisa através de inteligência artificial (IA) está a causar e à preocupante dependência crescente de cinco biliões de humanos das redes sociais.

A nós resta-nos desejar que não venhamos a ter esta lentidão e dificuldade de reagir em relação à dependência tóxica que as redes sociais estão a provocar na nossa sociedade e às evidentes ameaças da IA. A posição dominante da Google, sendo muito relevante e de imenso impacto, é muito menos preocupante do que estas duas novas frentes.

Sobre o autorJoão Paulo Luz

João Paulo Luz

Diretor de negócios digitais e publishing da Impresa
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