Ninguém, ninguém, poderá mudar o mundo
Temos de parar de tentar salvar o mundo através de campanhas. Uma das tendências que sai de Cannes é a de que devemos ser genuínos na forma como comunicamos
Bem sei que quando pensamos no Marco Paulo, desatamos a trautear os dois amores, o maravilhoso coração que bate sempre que brilha o sol. Mas o que tenho lido e visto sobre o Festival Internacional de Criatividade de Cannes leva-me imediatamente à música que diz que ninguém poderá mudar o mundo porque ninguém é mais forte que o amor e por aí em diante.
E enquanto o microfone salta de mão para mão, vou pensando que isto – a vida, a história ou o que lhe quisermos chamar – é mesmo feito de ciclos.
Temos de parar de tentar salvar o mundo através de campanhas. Uma das tendências que sai de Cannes é a de que devemos ser genuínos na forma como comunicamos propósito, devemos focar-nos no nosso público e não pensar que a nossa campanha vai salvar desde o glaciar Perito Moreno na Patagónia, até aos cães da União Zoófila ali em Sete Rios.
Foquemo-nos no que a nossa marca representa, na sua identidade, nos seus públicos – que muitas vezes não querem sentir que lhes estão a disparar tudo para cima – e trabalhemos nesse nicho.
Voltemos, assim, ao ciclo – fim do século passado? – em que a comunicação era objetiva, genuína e sem falsos propósitos.
Mas há mais novidades a sair de Cannes. E não, não é a inteligência artificial (IA) que não só já não é novidade como o discurso continua a ser o mesmo – a IA não vai substituir a criatividade ‘cerebral’, artesanal e humana.
Trabalhada com inteligência (da verdadeira), a IA vai ser um complemento. Sempre um complemento e não um Rei Sol. A novidade, ou tendência crescente, é o recurso ao humor na comunicação.
Um humor que não é rebuscado. Simples. Direto. Até para conter esse avanço ainda por controlar da IA. Como disse Trevor Robinson, fundador da Quiet Storm, “às vezes, não é intencional, mas os produtos e a seriedade das pessoas podem ser muito engraçados”.
Tive muita pena de não estar em Cannes, mas fui acompanhando de perto o que se passava no ‘Palais’, pois a Adagietto esteve muito bem representada pelo nosso Chief Creative Officer, Giba Barros, e pelo copy João Rosa.
Dizem-me que regressar a Cannes ano após ano é uma experiência difícil de descrever. Se fosse um prato de um restaurante, diz-me o Giba numa das nossas conversas ao longo da semana do festival, comeríamos, intrigados com o que nos espera. Teríamos dúvidas, provaríamos uma e outra vez o prato que nos puseram em frente.
E, no final, acontecia o que acontece à maioria das pessoas: uma memória de uma experiência transformadora que deixa marcas profundas em todos que tiveram o privilégio de provar.
Cada prémio conquistado representa não apenas uma ideia brilhante, mas também a persistência, a luta e a paixão que transformaram essa mesma ideia em realidade. Mas não é apenas sobre ganhar prémios.
Os dias passados no ‘Palais’ são sobre crescer, aprender e inspirar continuamente. Ver o trabalho de outros profissionais, ouvir as suas histórias e entender os seus processos criativos dá-nos uma nova perspectiva e inspira-nos a ir além do óbvio.
Como? A sugestão da edição deste ano do festival é brilhantemente simples: com recurso a ‘insights’ verdadeiros, com ajuda de IA como uma ferramenta que nos liberte para sermos mais criativos para melhorar o ‘craft’ das nossas ideias e sempre a evitar termos a ambição de que a nossa campanha vai mudar o mundo. Volto ao microfone aos saltos. E dou razão ao marco Paulo.