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Será a condenação da Apple justa?

Com esta decisão, o Tribunal Europeu sinaliza todas as empresas a pensarem duas vezes antes de decidirem aproveitar ‘paraísos fiscais’ no espaço europeu

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Será a condenação da Apple justa?

Com esta decisão, o Tribunal Europeu sinaliza todas as empresas a pensarem duas vezes antes de decidirem aproveitar ‘paraísos fiscais’ no espaço europeu

João Paulo Luz
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João Paulo Luz

A 10 de setembro, o Tribunal de Justiça da União Europeia condenou a Apple a pagar €13 mil milhões à Irlanda. A condenação é ratificada em última instância, o que significa que já não é passível de recurso e que, por isso, a Apple vai ter de entregar essa quantia num pagamento único ao fisco irlandês.

Para termos uma ideia da enormidade desta soma, ela equivale a cerca de 15% do orçamento anual do Governo irlandês, ou €2.700 por cada um dos quase cinco milhões de habitantes, e vai por isso dar origem a um superavit histórico para as finanças irlandesas.

Mas esta história torna-se ainda mais surpreendente, quando ouvimos que o Ministério das Finanças irlandês sempre referiu que achava que estes impostos não eram devidos. Ironicamente, na terça-feira, dia em que a confirmação da sentença se tornou conhecida, o Ministério das Finanças irlandês declarou que “respeita as conclusões” judiciais, mas insistiu que “a Irlanda não dá tratamento fiscal preferencial a nenhuma empresa ou contribuinte”.

Esta situação é irónica e só acontece porque é, ao mesmo tempo, bastante complexa. A Irlanda é um país pequeno, mas é hoje um dos países mais ricos do mundo em termos de PIB per capita, sensivelmente o dobro do português. Mas nem sempre foi assim.

Segundo a Wikipedia “a Irlanda foi uma das nações mais pobres da Europa enquanto esteve sob o domínio do Reino Unido e durante décadas após a sua independência”, em 1922. Aderindo à Comunidade Económica Europeia em 1973, a Irlanda iniciou uma política económica muito liberal no final dos anos 80, o que resultou numa rápida expansão económica.

Este crescimento foi particularmente acelerado entre 1995 e 2007, ficando estes anos conhecidos como o período do Tigre Celta, pela semelhança com a prosperidade que alguns países asiáticos tinham registado anteriormente. Como os muito baixos impostos cobrados às empresas estrangeiras que ali se sediassem foram uma das marcas do liberalismo irlandês, esta decisão do TJUE adquire a complexidade referida e justifica as reações do Ministério das Finanças irlandês.

A Apple, como muito outras empresas tecnológicas e farmacêuticas, foi atraída por este sistema fiscal e tem hoje mais de 6000 colaboradores na Irlanda, com toda a riqueza que isso cria. Quem, na prática, o Tribunal Europeu quer atingir não é tanto a Apple, que também ironicamente pagou cerca de 20 mil milhões de dólares ao fisco norte-americano, por repatriar estes ganhos num esquema fiscal complexo.

Com esta decisão, o Tribunal Europeu sinaliza todas as empresas a pensarem duas vezes antes de decidirem aproveitar ‘paraísos fiscais’ no espaço europeu. Mesmo em perfeito entendimento com o Governo respetivo, podem vir a estar sujeitas a uma decisão do Tribunal Europeu, que terá a força para se sobrepor.

Talvez a Apple tenha alguma razão na ‘injustiça’ em que foi apanhada, mas se todas as empresas norte-americanas atuassem na Europa sem pagar os seus impostos, isso significaria que os estados europeus iriam sobrecarregar as restantes, criando desvantagens competitivas severas. E, ao dia de hoje, é isso precisamente que acontece no setor das tecnológicas e com algumas farmacêuticas.

Não é um tema fácil seguramente de ajuizar. Sabemos que traz retorno político a quem protagoniza estas ações, mas dificilmente concordaremos que passa por aqui a solução para a menor competitividade europeia perante estes setores em que os Estados Unidos e alguns países asiáticos nos ultrapassaram.

Sobre o autorJoão Paulo Luz

João Paulo Luz

Diretor de negócios digitais e publishing da Impresa
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