“Sempre acreditámos no print. É o nosso core”
A comemoração dos 20 anos da Vogue Portugal serviu de pretexto para uma conversa com Sofia Lucas e José Santana. Os responsáveis editoriais da LightHouse Publishing explicam como surgiu a […]
Sónia Ramalho
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A comemoração dos 20 anos da Vogue Portugal serviu de pretexto para uma conversa com Sofia Lucas e José Santana. Os responsáveis editoriais da LightHouse Publishing explicam como surgiu a ideia de criar a editora do zero, a relação com a Condé Nast e como conseguem manter o print rentável, numa altura em que todas as atenções estão voltadas para o digital. Em 2024, vão lançar uma área de eventos e editar duas novas revistas. Print is not dead.
Além do nº1 da Vogue Portugal, publicado pela Cofina em outubro de 2002, as restantes capas da Vogue foram publicadas sob o leme criativo da LightHouse Publishing, que ganhou os direitos de publicação do título em 2017. Sofia Lucas e José Santana, CEO’s da editora e diretores da Vogue Portugal e da GQ Portugal, respetivamente, acompanharam o título desde o primeiro número e trazem na bagagem um conhecimento do ADN Vogue de duas décadas.
A Vogue Portugal está a comemorar 20 anos. Como tem sido a evolução ao longo de duas décadas de história?
Sofia Lucas – A publicação já passou por vários períodos. Dois marcos foram a fase em que esteve na Cofina e o relançamento em 2017. No início, quando a Vogue abriu em Portugal, eu e o Zé fizemos parte da primeira equipa como diretores de arte. Desenhámos a revista e participámos nas primeiras reuniões com a Condé Nast para aprovação do projeto.
Quando passaram a editar os títulos da Condé Nast em Portugal?
SL – Quando a GQ Portugal encerrou, eu e o Zé achámos que era um desperdício, sobretudo numa altura em que a publicação estava em linha ascendente. Quando a Condé Nast nos perguntou se conhecíamos algum grupo com interesse na revista, pois tinham pena de perder o título em Portugal, pensámos em alternativas, mas percebemos que ia mudar para igual. Não havia a paixão pelo papel, o interesse que existia era pelo título, pelo prestígio. Até que pensámos: e se fossemos nós? Foi nessa altura que saímos da Cofina para abrir a LightHouse Publishing. O objetivo era relançar a GQ Portugal, que esteve nove meses fora do mercado, e criar um local que juntasse pessoas que amam fazer revistas.
Foi assim que surgiu a ideia de lançar uma editora?
José Santana – Nunca pensámos em abrir uma editora. A Sofia era diretora da Máxima e eu, com o fecho da GQ, estava no desemprego. A Condé Nast sempre trabalhou com grandes grupos editoriais em cada país, nunca tinha acontecido fazer negócio com uma editora recém-criada. Até a Anna Harvey nos aconselhou a pensar noutra alternativa.
SL – Na Condé Nast, o nosso contacto era a Anna Harvey, uma das mulheres mais influentes do Reino Unido. Apesar de ser uma pessoa de bastidores, tivemos a sorte ou o privilégio, nem sei o que lhe chamar, de termos sido formados por ela. Vinha todos os meses a Portugal e aprendemos muito com ela.
JS – Reunimos com os responsáveis da Condé Nast, que ficaram interessados no nosso projeto e pediram para apresentarmos um business plan. Quando a reunião terminou, ficámos a olhar um para o outro a perguntar: o que é um business plan? (risos). Mas tínhamos noção de todos os budgets necessários para produzir uma revista.
SL – Isto coincidiu com uma altura em que a imprensa estava a reduzir equipas, a fechar títulos e nós estávamos em contramão, a ir buscar quem achávamos que tinha valor e a acreditar no print como nenhuma outra editora. Sempre acreditamos no print. É o nosso core.
Ficaram responsáveis pela edição da GQ Portugal e, em 2017, pelo relançamento da Vogue Portugal. Qual foi o maior desafio?
JS – A imagem da Vogue era muito mainstream e achámos que um título como este tinha de ser internacional. Quando fizemos o relançamento, queríamos que representasse Portugal no mundo, daí a decisão de traduzir a revista em inglês, com acesso por código QR, para complementar digitalmente o print, que é a nossa prioridade. Até que começámos a ser precocemente referidos em fóruns internacionais pelas nossas capas. Não estávamos à espera que fosse um resultado tão rápido. Criámos uma imagem diferente para a Vogue, mas sempre baseados no seu ADN original.
A Vogue mantém-se como referência nas revistas de moda premium. Como conseguem manter este projeto numa altura em que a maioria das revistas femininas desapareceu ou passou para o online?
SL – Estamos tão focados no que estamos a fazer, sempre a pensar e a criar, que às vezes nem olhamos à volta. Essa ficha caiu-nos na pandemia, com o fecho dos dois títulos de maior prestígio em Portugal no setor feminino [Máxima e Elle] e uma editora tão pequena como a nossa, que ficou abalada com a pandemia, conseguiu continuar a fazer uma revista grande e com qualidade. Porque o leitor não tem culpa. No dia em que não pudermos fazer uma revista com qualidade, preferimos não a fazer. Mas nunca a esvaziar da qualidade que ela merece. Os leitores merecem isso.
JS – Podia não ter resultado, mas tivemos a sorte de ter começado a vender revistas na nossa loja online. Estávamos a ter muita procura internacional, as pessoas queriam ter a vogue Portugal, estávamos à venda em Londres, Milão e Paris e as revistas esgotavam sempre. Começámos a ser referidos em fóruns internacionais de moda como uma best practice, estávamos no caminho oposto face à maior parte das revistas. Sentimos que tínhamos uma audiência internacional, mas não tinham como comprar o título.
Como conseguiram ser uma referência como best practice?
JS – As capas são o primeiro cartão de visita. Na pandemia, as pessoas estavam em casa e voltaram a ler mais. Tivemos a sorte de ter a loja online a funcionar quando rebentou a pandemia, foi o que nos deu a sobrevivência porque as bancas fecharam e não recebemos a ajuda do Estado nos apoios à imprensa. Tivemos a sorte de ter a loja e essa projeção internacional.
SL – A Vogue Portugal foi lançada em 2017 e, em 2018, já sentíamos o prestígio internacional. As pessoas já nos usavam como referência e o que nos deu esse destaque não foi o marketing, porque não investimos em campanhas, foi a imagem e a qualidade do nosso trabalho. As nossas capas mudaram muito. Quando relançámos a Vogue, era preciso fazer uma mudança e, em termos de capa, o primeiro raciocínio foi pensar nas bancas. Estavam cheias de ruído e já ninguém fica parado a ler chamadas de capa. Temos as redes sociais para divulgar o que está na revista, então uma das primeiras apostas foi tornar as capas muito clean, para se destacarem nas bancas.
JS – Percebemos que a revista é uma peça que desperta orgulho em ter. É o orgulho do papel. E, com o tempo, descobrimos que, para os jovens, o papel não morreu. Quando descobrem algo completamente novo e de que gostam, como uma revista, conseguimos conquistar esse público.
Como conseguiram essa conquista?
SL – Começa pelas capas e irreverência. Sempre defendi que uma revista de moda e as produções não devem parecer catálogos. O princípio desta Vogue, que relançámos em 2017, passa por contar histórias e falar de emoções, do que toca às pessoas através da moda. Foi aí que mudámos a linguagem da própria revista enquanto mensagem de moda. E foi aí que chegámos a um público mais novo. Começámos a tratar matérias de inclusão, de body issues e assuntos que não estavam a ser falados nas revistas de moda, que estavam preocupadas com a celebridade na capa. Não que isso seja errado, mas vivemos num tempo em que a arte não pode ser tornada num vazio, é uma forma de expressão. Começámos a ter equipas no mundo inteiro a querer trabalhar connosco, a gostar do que viam. A revista deixou de indicar o mês na capa (apenas referimos o mês em que foi publicada) e o destaque é o tema de cada edição. Tudo gira à volta desse tema, o que faz com que a revista seja intemporal. E há mil maneiras de falar de amor ou de corpo, incluindo nas produções de moda. Isso aproximou-nos de uma geração mais nova, que começou a identificar-se com uma revista que não era só de moda, mas tocava em temas que se reviam. Passámos a incluir modelos que não são expectáveis, temos pessoas de todas as etnias e de todos os géneros e nisso fomos pioneiros.
JS – Sabemos que quem está a ler uma revista está com o telemóvel ao lado, então criámos realidades aumentadas nas capas. Se o leitor apontar o telemóvel para a capa com a nossa aplicação, há algo que acontece. A revista está cheia de códigos QR que dão acesso a vídeos de making off ou outros. Há essa riqueza que o papel pode dar, porque o papel não está perdido.
Estão como que a reinventar o papel?
SL – Sim, há um lado lúdico no papel que as pessoas se esqueceram, mas que podem descobrir em muitas edições da Vogue, desde bonecas que se recortam e se vestem, a encartes inspirados nos livros infantis. Esse é o lado lúdico do papel, que permite a interação das pessoas. Temos páginas cortadas ao meio em que é possível ver a parte de cima ou debaixo e fazer mil combinações.
JS – É essa criatividade no papel que as pessoas se esqueceram. O papel não morreu. Na verdade, depende do presente, do que cada pessoa faz e isto só é possível com muito trabalho. As realidades aumentadas nas capas somos nós que fazemos, não temos budget para pedir a terceiros, temos uma pequena equipa de vídeo, fazemos quase tudo in house, inclusive a produção dos nossos eventos. Faz-nos lutar pelas coisas.
Criatividade é o pilar que sustenta tudo. Como estimulam a vossa criatividade?
JS – Temos algumas conversas sobre criatividade e até a questionamos, porque a criatividade sai sem fazermos esforço.
Mas isso só acontece com algumas pessoas…
SL – Também é o que defendo. A criatividade tem o valor da raridade, é como o ouro. É valioso porque é raro.
JS – Confesso que não dou muito valor porque a ideia vem sem fazer qualquer esforço. O que tem valor na criatividade é ter a ideia e lutar por ela, porque há pessoas muito criativas, mas têm a ideia e não fazem nada. A grande mudança na LightHouse é que não olhamos muito para o lado, estamos no nosso caminho.
Mas é difícil, quando há esse nível de pioneirismo, conseguir lutar por ele.
JS – É o nosso maior mérito, mas agora é mais fácil, não temos de falar com vários diretores porque somos nós que decidimos.
SL – Somos muito cúmplices, temos rapidez de reação. A capa da Vogue mais viral foi a do beijo com as máscaras. Tivemos de a reimprimir três vezes e não planeámos nada. O que sentimos foi que rebentou o covid, a edição do mês de abril era dedicada à liberdade e saía no final de março. Já tínhamos capa, os temas giravam à volta da liberdade, mas de repente acontece o oposto da liberdade, ficamos todos confinados, e sentimos que tínhamos a mobilidade para montar um shooting e fazer uma produção com aquele casal de modelos que, por acaso, estavam em casa com covid-19. O tema da revista batia certo, só mudámos o título de ‘Freedom’ para ‘Freedom on hold’, mas os artigos falavam da liberdade ou da falta dela. Não sabíamos que ia tornar-se viral. Continuamos a ter pessoas a pedir essa edição e toda a imprensa internacional falou no assunto, desde o The New York Times ao The Independent, El País ou The Guardian. Isto não se controla, é fazer tudo com paixão e ter a melhor qualidade possível. Claro que houve um risco, a revista custava 5 euros e, nessa altura, passámos para 10 euros, mas criámos um comunicado de política de transparência em que explicámos os valores gastos em equipa, papel ou produção. Aquela revista devia custar 37 euros, explicámos a necessidade de subir o preço e o resto é suportado pela publicidade. Foi um risco enorme.
As pessoas habituaram-se a ler conteúdos gratuitos?
JS – Também, mas as revistas não são baratas, não podem ser. O papel está caríssimo, é uma matéria prima de luxo, mas as nossas vendas aumentaram. Havia a sensação de comprar algo por 5 euros e o envio ser mais caro… Quando aumentámos o preço de capa, essa sensação mudou e aumentaram as vendas internacionais, o que possibilitou suportar um shipping gratuito para Portugal e Espanha. Tudo isto coincidiu com o início da pandemia, com a necessidade de subir o preço, porque não íamos diminuir a qualidade do produto.
Mas na pandemia distribuíram o PDF da Vogue gratuito.
JS – Sim. Foi um risco, mas queríamos estar próximos das pessoas durante a pandemia. Mais uma vez, tivemos uma surpresa e nada disto foi planeado, mas percebemos que as pessoas que faziam o download voltavam à loja para encomendar a revista em papel.
SL- Foi uma recompensa fantástica, não estávamos à espera. Pessoas que nunca tinham visto uma Vogue Portugal, mas, como o download era gratuito, tivemos milhões de downloads no mundo inteiro, e voltavam para comprar a revista porque queriam o produto físico.
É o vosso maior reconhecimento?
SL – É mesmo. Chega a ser emocionante!
JS – O papel é importante em tudo, até no dinheiro. O dinheiro físico é importante para a nossa liberdade, se só ficamos com o online estamos tão controlados! O papel tem essa responsabilidade, o que está escrito e impresso não pode ser apagado, a menos que seja queimado. É isso que nos move, é o que sabemos fazer. Há uma frase que dizíamos no princípio da LightHouse: estamos numa ravina e não temos dinheiro para o avião, mas vamos construir o avião na queda. E foi assim, começámos a planar e percebemos que não se chega ao outro lado, temos de continuar a planar. É um esforço enorme, mas cada vez que sai uma edição é uma emoção. Finalmente toda a equipa que trabalhou em partes isoladas consegue ver o produto final em PDF, antes de ser impresso, e até batemos palmas. (risos) É um orgulho tão grande!
Celebraram em setembro 20 anos com a Iconic Party e o convite dizia: “Para celebrar a sobrevivência do papel, que passou a ser um objeto de desejo, e que apela ao toque lento e não ao scrol rápido”. Há mesmo motivos para celebrar?
SL- Gostamos de pensar que sim. Não passamos muito tempo a celebrar, é um dos nossos defeitos, devíamos celebrar mais. Acabamos um projeto e já estamos a pensar no próximo. A paixão é o nosso combustível, enquanto tivermos a liberdade que vamos tendo… Somos movidos pelo que achamos que é certo. São dois títulos com imenso poder, prestígio, visibilidade, e com esse poder vem uma responsabilidade acrescida: comunicar temas importantes.
Quais as áreas mais fortes, a venda internacional de revistas ou os eventos?
JS- É um mix. Também temos merchandising. Este boné que tenho é de um projeto que vamos lançar em breve, The Wrong Magazine, uma revista mais arty e underground e, antes de a lançarmos, começámos com o merchandising.
É um teaser?
JS – Sim. Normalmente, começa-se pela revista e depois faz-se o merchandising, mas vamos fazer ao contrário para financiar o projeto.
SL – No interior do boné está a frase Natural Born Wrong! A ideia surgiu porque vivemos uma fase em que as pessoas têm muito medo de falar. Quisemos lançar este novo título para poder falar de tudo o que achamos que é correto.
Quais os grandes objetivos para 2024?
JS – Em busca de novos desafios e outra fonte de receita, decidimos lançar a LightHouse Events. A ideia surgiu porque cada vez que fazemos um evento, e este último da Vogue não foi exceção, perguntam-nos qual a agência criativa que desenhou e produziu o evento e, na verdade, somos nós internamente. Por isso, decidimos disponibilizar este serviço para terceiros, sempre que seja um evento que nos faça sentido.
SL- Lançar a The Wrong Magazine faz parte dos objetivos, mas na realidade vamos lançar duas revistas, títulos da LightHouse.
Numa altura em que ninguém investe no papel?
JS- Isso é em Portugal, porque no estrangeiro começaram a surgir revistas novas, lojas de revistas onde o próprio espaço é cool, cá falta-nos isso. Como os mais novos já não olham para as bancas, estamos a ir para outros locais, com oficial retailers no mundo inteiro, onde nos faz sentido estar e onde está o nosso target. E está a funcionar muito bem.
Qual é o vosso projeto mais forte, a revista, o online ou é um mix?
SL- É um mix porque vemos o digital e o print como complementares, um não deve anular o outro, um deve encaminhar para o outro e vice–versa. E é isso que fazemos nas edições com os códigos QR.
Qual a vossa maior fonte de rendimento?
SL – O print e os eventos. Conseguimos manter os clientes pelo statement de qualidade, não descemos os preços. Estamos a comunicar marcas que precisam de estar num título de referência e que confira o posicionamento de que precisam. E que dura no tempo.
JS – O segredo foi esse. Em Portugal cometeu-se o erro de a luta ser pelos preços, não pela qualidade.
Com o relançamento da Vogue Portugal, em 2017, houve a necessidade de mostrar a versatilidade e a essência do ADN da Vogue. São 20 anos, mas acima de tudo são 20 anos de um título que coloca Portugal nas bocas do mundo – da moda e não só.
Iconic, Bold, Classic – A edição de outubro de 2017 é a primeira na LightHouse Publishing e teve três capas diferentes, para mostrar que uma Vogue na vanguarda é uma multiplicidade de características – é clássica, mas também ousada, emblemática e icónica.
Freedom on hold – A edição dos modelos Bibiana e Adam Bardy a beijarem-se com uma máscara tornou-se histórica, não só pela popularidade, mas porque marca uma época – do mundo e da Vogue.
A matter of taste – As capas que juntam Irina Shayk e a comediante Celeste Barber correram mundo e fizeram manchete porque a Vogue mostrou-se capaz de fazer humor com sofisticação.