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João Neves
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Para José Campos, director criativo da Strat Publicidade, enquanto os diversos players não souberem o que pretendem do mercado, Portugal não vai sair da segunda linha em termos de negócio e de criatividadeA fragmentação da indústria da comunicação publicitária nacional, o exemplo argentino ao alcance das marcas e agências portuguesas e a necessidade de maior ambição e orgulho entre os profissionais são o mote para a entrevista concedida ao M&P por José Campos, director criativo da Strat Publicidade.
Meios & Publicidade (M&P): Estamos numa fase de redefinição da indústria publicitária portuguesa?
José Campos (JC): A questão é exactamente a indústria. É uma palavra que raramente discuto porque fico a pensar o que é que significa. Obviamente cada país tem a sua indústria de produção de comunicação – publicitária e das suas outras vertentes – mas o que sinto ao fim de 20 anos é que não há uma indústria, existem vários segmentos que a constituem. Para isto ser uma indústria, esses segmentos deveriam ter uma conexão, apesar dos interesses que possam ser opostos entre os intervenientes. Seria útil pelo menos discutir, de vez em quando, o que se pretende para o mercado. Posso estar a cometer uma injustiça mas sinto que estamos todos de costas voltadas. Cliente, agências, produtoras, meios e por aí fora, cada um a trabalhar para o seu lado, sem entendermos o que queremos. Aprendi um pouco essa lição estando atento ao mercado argentino que, embora um pouco diferente do nosso, tem talvez os mesmos problemas sociais, culturais e, inclusivamente, alguns tabus impostos pela religião.
M&P: Está a dar o exemplo argentino do que poderia ser Portugal?
JC: Nos últimos anos a Argentina tornou-se num player importante no mundo da comunicação. Tentei entender o porquê e percebi que isso aconteceu porque todos os players do mercado definiram – não vou dizer que assinaram um documento – objectivos claros. O primeiro grande objectivo foi ganhar alguma dimensão e respeito criativo em termos mundiais. Quer se queira quer não, as empresas têm de ser bem geridas e o produto final, aquilo que se põe na rua, começou a ser um trabalho mais criativo, mais interessante e cativante. A segunda fase foi destronar o Brasil. O Brasil era a potência naquela região e foi completamente ultrapassado pela Argentina. O terceiro objectivo, talvez o mais importante, foi assumir-se como um player mundial. Hoje em dia já se começam a ver campanhas globais que têm como ponto de partida Buenos Aires. Inclusivamente há agências argentinas que se começam a expandir para outros mercados, como a Lola para Espanha e Brasil, ou a La Comunidad que se expandiu para o mercado americano, por causa dos hispânicos. Começa a haver o alargar dos horizontes. Voltando a nós, o nosso mercado nessa matéria é maduro, fazemos o trabalho de uma forma profissional mas sinceramente faltam-nos coisas essenciais que são a ambição e o orgulho. Custa-me ver o Edson Athayde dizer, numa entrevista como jurado do El Sol, que esteve lá e muitos argentinos, espanhóis, etc. lhe perguntaram “o que é que se passa com Portugal”. Curiosamente, dá a sensação que eles estão mais preocupados do que nós, o que não é bom.
M&P: Quem devia estar preocupado e não está? As agências de publicidade?
JC: A criatividade não é responsabilidade só dos criativos, nasce de um bom briefing e de uma série de vectores e factores que influenciam a produção de um bom trabalho. Portanto, não é um problema exclusivo dos criativos. Voltando à Argentina, começa-se a ver que aquele mercado ganha prémios e reputação criativa trabalhando clientes como a Coca-Cola, como o Axe. São grandes clientes e não pequenos trabalhos para uma papelaria ir ganhar um Leão a Cannes. Há bastante tempo que estamos a bater com a cabeça no tecto e não saímos do mesmo ponto.
M&P: Voltemos então à Argentina. Portugal sai frustrado dos festivais internacionais por não conseguir acompanhar aquele mercado ou o brasileiro?
JC: Posso falar por mim, não pelos outros. Os festivais são importantes mas é mais importante o facto de eles, mais os argentinos que os brasileiros, conseguirem fazer bom trabalho para grandes clientes. O que deveria preocupar todos nós é que há quem vá todos os anos a Cannes e não aprende nada. É a sensação que eu tenho. Não digo todos, mas há muitos que não aprendem a lição. Nós, criativos e agências de publicidade, temos de nos aproximar dos clientes. Não podemos só culpar os clientes e dizer “isto não avança porque os clientes não deixam”. Acho que temos de os envolver, não podemos pôr a responsabilidade em cima deles como não podemos pôr a responsabilidade só em cima de nós. Se somos uma indústria, se trabalhamos em conjunto para fazer um filme, uma campanha de net, uma boa campanha de marketing directo, etc., tem de haver união e respeito pelo consumidor, temos de sair do patamar em que estamos há demasiado tempo. Os outros continuam a avançar. É curioso como se diz que a publicidade é o retrato da economia de um país e isso é verdade em relação a Portugal.
M&P: Mas não deveria ser exactamente o oposto? A publicidade não serve como um instrumento de provocação à sociedade, uma forma de mudar o estado das coisas?
JC: Há um lugar comum que às vezes dá jeito usar. A palavra “crise' em chinês é composta pelos caracteres “perigo' e “oportunidade'. Dá para compreender que, num período de crise, haja clientes e agências que têm receio de arriscar. As agências também têm medo de arriscar porque estamos todos metidos no mesmo barco e ninguém tem coragem de arriscar seja o que for. Diria mesmo ousar um pouco mais na comunicação. Esta crise podia ajudar-nos. Quero dizer, nos primeiros momentos compreendi por que as pessoas estavam retraídas, agora já começo a não entender muito bem. Era bom que fizéssemos uma reflexão e rentabilizássemos o dinheiro que gastamos.
M&P: O que quer dizer com rentabilizar o dinheiro gasto?
JC: Um grande anunciante, mesmo fazendo uma campanha mediana, com o investimento que faz em media, teoricamente a sua mensagem chega sempre ao consumidor desde que profissionalmente seja bem feita. Só que se fosse com mais ousadia, esse investimento seria mais rentabilizado. Já nos aconteceu fazer uma campanha que parámos a meio. Estava a ter de tal maneira sucesso que não valia a pena continuar a gastar dinheiro.
M&P: Há aqui algum papel que deveria ser desempenhado pelas associações e outras entidades que reúnem o sector?
JC: Eu sou só director criativo. Não sou presidente nem vice-presidente de nada. Nunca quis, o que não significa que não venha a ser… Agora, a única pessoa que vi realmente preocupada e a falar sobre isto foi o Edson Athayde e ele é vice-presidente da Ogilvy Portugal. Seria interessante, como ponto de partida, que pelo menos as várias organizações se sentassem à mesma mesa para um debate. O que acho positivo na análise ao mercado argentino é que houve uma estratégia, as pessoas definiram o que queriam para aquele país. É o que nos falta, dialogamos muito pouco. Até as visões diferentes entre agências e dentro das próprias agências deviam ser debatidas para se chegar a alguma conclusão. Já falei com algumas pessoas sobre isto que acham que eu tenho uma visão demasiado naif e que isto nunca será possível no mercado português. Se for verdade, isto é grave.
M&P: Quais são, nesse sentido, os desafios postos às agências de publicidade?
JC: O negócio mudou. As relações entre as agências e clientes passaram por momentos complexos. Eu, por exemplo, assisti à saída da media e é algo de que, como criativo, sinto uma enorme falta. A media e a criatividade têm uma ligação demasiado forte para terem sido separadas durante tantos anos mas penso que no futuro vão reaproximar-se. Mas houve outras ferramentas que a publicidade perdeu. A media saiu, a produção audiovisual também (há muitos clientes a trabalhar directamente com as produtoras), e tanta coisa que as agências deixaram de controlar a cem por cento. O negócio está a colocar-nos desafios que convém avaliar.
M&P: A concentração ibérica das agências multinacionais não é um desses desafios, com a perda dos centros de decisão para Madrid ou Barcelona?
JC: Temos de ser rebeldes. Obviamente que somos o elo mais fraco mas temos capacidade de trabalho, talento e uma série de ingredientes que nos transformam em profissionais capazes de dar a volta. Se não acreditarmos nisso é que nunca vamos lá chegar, e nos acomodarmos à eventualidade de os centros de decisão passarem para Espanha. O mercado tem mais oportunidades por ser maior e ter mais oferta mas não é uma fatalidade vivermos na sombra dos espanhóis. A sombra há-de existir sempre. Concordo que as agências independentes têm um papel fulcral. Quando olho para o mercado belga, que por si só não é atractivo, é um facto que surgiu uma agência que é a Duval Guillaume, tão criativa que foi comprada pela Publicis. Têm uma assinatura tão vincada que conseguem, não só ter uma imagem exterior interessante, como levar o mercado belga atrás. Por cá o mercado está todo “flat'. Com toda a justiça, não vejo ninguém a destacar-se.
M&P: Estes últimos dois anos em que está como director criativo na Strat coincidem com esta estagnação…
JC: A Strat vai fazer dez anos em que está no mercado. Nasceu num período de vacas gordas, de prosperidade e teve um arranque fabuloso. Neste momento a Strat é uma agência que se reformulou, que se tornou num grupo cuja adaptação ocorreu nestes dois últimos anos. Falamos da Strat Publicidade, da Strat Design, da Webdote e Parceiros de Comunicação. Outra coisa que ocorreu foi o cuidado de não se perder a identidade da publicidade e do design, ainda que tenham uma equipa de contacto comum às duas empresas. Há uma frase que o Jorge Marques disse uma vez e pela qual tenho simpatia. “A Strat ainda está a começar”. Estes foram dois anos intensos de aprendizagem a trabalhar uns com os outros.
M&P: As transformações por que está a passar a Strat são entendidas pelos clientes e pela concorrência?
JC: Não posso falar pelos gestores da Strat mas penso que nos últimos dois anos procurou-se acertar o passo, trabalhar e não falar muito. A Strat Publicidade é reconhecida, nem que seja porque tem um grande anunciante que a expõe muito, a Unicer. Depois, a Strat Design é uma empresa que passou por uma profunda transformação e luta, no bom sentido, para se tornar cada vez melhor em termos criativos. Um dos grandes objectivos que temos nos próximos meses é ganhar novo negócio. A Strat Publicidade está “com fome', queremos mais contas e trazer mais negócio para dentro de casa.
M&P: Uma equipa criativa pode trabalhar bem uma conta durante muito tempo?
JC: Acho que sim… Para já, as marcas que mais sucesso têm tido são aquelas que permanecem mais tempo nas agências. Eu não falo só em Portugal. Olhe-se a Wieden+Kennedy com a Nike, é uma relação de anos e anos. Nas relações duradouras concerteza que haverá dificuldades e problemas em determinados momentos mas exactamente porque a ligação é tão profunda esses momentos serão sempre ultrapassados. Pessoalmente não tenho nenhum problema em trabalhar um cliente durante 20 anos. A Strat trabalha a Unicer há dez mas há aqui profissionais que a trabalham há bem mais e que continuam empenhados e envolvidos com a marca. Há muitos problemas da publicidade portuguesa que são da cultura. De uma maneira geral, o português quer ganhar dinheiro rapidamente. Apesar de tudo, há alguns anunciantes que se mantêm fiéis às suas agências. Há sempre um ponto de saturação mas, se isso for ultrapassado com sabedoria, essas relações prevalecem.
M&P: O que pode revelar em termos de novidades criativas na Strat?
JC: No mais imediato, a Strat está a trabalhar muito em new business. Está desejosa de ter uma conta de automóveis, está desejosa por ter um banco, por participar em todos os concursos. O objectivo para os próximos três ou quatro meses é novos negócios. Neste momento não vou revelar nada. New business é new business.