“Há uma ausência de cultura visual de quem está à frente dos municípios”
Nos últimos cinco anos Eduardo Aires tem assinado os projectos de identidade gráfica do município do Porto, que são uma presença incontornável para quem vive, trabalha ou visita a cidade. Apesar do impacto deste trabalho, reconhece que até hoje mais nenhum município português o contactou para desenvolver uma identidade gráfica
Rui Oliveira Marques
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Nos últimos cinco anos Eduardo Aires tem assinado os projectos de identidade gráfica do município do Porto, que são uma presença incontornável para quem vive, trabalha ou visita a cidade. A imagem Porto. (“Porto ponto”) recebeu várias distinções, incluindo o Best of Show nos European Design Awards. Mais recentemente os Graphis Design Annual 2020 colocaram na lista de vencedores duas identidades gráficas da Câmara do Porto, também da sua autoria: a do Mercado Temporário do Bolhão e a do Teatro Municipal do Porto. O ponto tornou-se tão icónico que até a Polícia Municipal passou a ter como identidade gráfica o Polícia. — “Polícia ponto”. Apesar do impacto deste trabalho, o responsável pelo Studio Eduardo Aires reconhece que até hoje mais nenhum município português o contactou para desenvolver uma identidade gráfica.
Meios & Publicidade (M&P): Raramente o trabalho de um designer é tão associado a uma cidade como o desenvolvido por si para o Porto. Eduardo Aires tornou-se sinónimo de linha gráfica da cidade do Porto?
Eduardo Aires (EA): Não queria sublinhar isso. O carácter inovador da linguagem e o eco que teve junto dos pares internacionais fez com que este assunto, de nicho, que é o design, invadisse a esfera pública.
M&P: Há dias era notícia que havia filas de turistas para se fotografarem junto ao logótipo Porto. situado junto à Câmara Municipal. Encontramos essa mesma marca em canecas à venda nas lojas dos chineses, há pessoas que já tatuaram a marca…
EA: É uma das melhores respostas à apropriação de marca. Sentem que a marca lhes pertence e uma das formas é tatuarem-na perpetuamente na sua pele. Prova que a marca interessa a todos, mesmo àqueles que a contestam. Mesmo os que a contestam apropriam-se dela para a contestar.
M&P: Aconteceu com o statement Morto., que surgiu durante uma campanha eleitoral.
EA: Mas também já houve um Porno., um Tonto…. Há um conjunto de declinações que servem para um protesto mas, sendo a marca da minha autoria, deviam fazer uma referência ao autor. Mesmo aqueles que protestam sentem nela um lugar de propriedade e usam-na como ferramenta de protesto.
M&P: Quando estava a criar a marca pensou que a multiplicação de referências fosse atingir esta escala?
EA: Por todo o mundo vemos influências do Porto. noutras marcas, sendo já algo que tomo como um elogio e não como um plágio. Quando a marca Porto. foi apresentada, em Berlim foi lançado um programa de promoção de um bairro com os mesmo códigos, os ícones azuis, o ponto, etc., mas da Grécia, Colômbia, Brasil, Nova Zelândia ou Holanda têm chegado casos em que há uma colagem e aproximação em relação ao que é o programa de identidade visual do Porto.
M&P: O que tem esta marca de tão especial? Pouco tempo depois de ser lançada começou a ser referida internacionalmente e ganhou vários prémios. Que aspectos ajudaram a esta projecção?
EA: É uma marca que se define em si mesma como “Porto ponto”. Este é o íman que atrai um conjunto de ícones que representam muito da essência da cidade. O ícone Porto. modela-se. Foi construída uma gramática que permite desenhar as múltiplas cidades que uma cidade contém. O sentimento de um habitante da Ribeira ou de Paranhos ou do habitante das Antas ou de Massarelos é completamente diferente. Há um viver próprio que é condicionado pela proximidade à água, pela orografia e arquitectura. Tudo condiciona o viver da própria cidade. Os ícones vão emprestar à marca esse carácter mais dinâmico e mais vivo da cidade. Fizemos um sistema aberto para o programa de identidade visual. As pessoas estão muito habituadas a centrar as marcas num elemento gráfico. Neste caso, esta multiplicidade de cenários é muito rica e as pessoas revêem-se nessas múltiplas situações. Passados cinco anos do seu lançamento, os produtos associados a ela, como por exemplo o programa de identidade visual para o Rivoli, vão beber àquilo que é a estratégia da marca Porto. É à luz dessa estratégia que a imagem para o Rivoli é resolvida e, bebendo da mesma fonte, consegue ganhar prémios. Passados cinco anos conseguimos declinar para o Rivoli e para os seus programas semestrais algo que advém da própria marca mas que tem um carácter novo e uma linguagem visual nova.
M&P: Que pontes é que existem entre a marca Porto. e a dos teatros municipais?
EA: No Teatro Municipal do Porto – Rivoli e Campo Alegre o ponto sofre um movimento de translação e cobre o Rivoli ou o Campo Alegre. Se quiser assinar Rivoli cubro Campo Alegre e se quiser assinar Rivoli cubro Campo Alegre. É o próprio ponto que faz um traço. Há esta correlação subliminar mas visual entre o Porto. e a imagem do Teatro Municipal.
M&P: Aqui havia o desafio de criar uma imagem única para dois teatros que geograficamente estão distantes entre si.
EA: O Rivoli está junto aos Aliados, enquanto o Campo Alegre está junto à Ponte da Arrábida. O ponto saiu para a Polícia [Municipal]. Ficou “Polícia ponto”. O mesmo acontece com o Mercado Temporário do Bolhão. O Mercado do Bolhão está neste momento fechado para renovação. Enquanto as obras decorrem, todos os vendedores tiveram de ser deslocalizados para o centro comercial La Vie. Nós fomos chamados para criar uma cenografia de acolhimento, de orientação e de recepção não só a quem lá trabalha, mas a quem visita. Permite que quem trabalhe lá tenha sacos, toalhas de mesa e painéis de identificação personalizados, tudo com base naquilo que é a matriz da imagem da cidade. Daí a importância do trabalho de um designer. Os projectos que nascem dos designers têm essa capacidade de se desmultiplicar, de se renovarem ao longo do tempo.
M&P: A própria obra do Mercado do Bolhão está envolta por um tapume que é uma peça gráfica.
EA: Nós propusemos e a Câmara aceitou que a intervenção do Mercado do Bolhão fosse revestida de tapumes também eles portadores de mensagens. Uma obra desta magnitude acontece em várias fases. Por exemplo, agora está a ser alvo de intervenção de grafitters que resulta também de uma proposta nossa. As acções visuais continuam a decorrer em coerência com o que é a proposta inicial da imagem da cidade.
M&P: Por que há, aparentemente, tão pouca atenção à área do city branding em Portugal?
EA: Está a começar mas, digo-o de uma forma fria e crua, há uma certa ausência de cultura visual por parte de quem está à frente [dos municípios]. Não sentem essa necessidade, mas depois também há uma certa incapacidade de perceber que estes projectos não são um custo, são investimentos, cujo retorno é inquantificável. Não estou a dizer que os nossos autarcas não percebem nada disto, pelo contrário, é que do ponto de vista do que é o seu conhecimento de matérias ligadas à cultura visual, não os motiva que as suas cidades tenham referências visuais. Criam-se soluções mais amadoras que depois não resultam e desaparecem. São projectos visuais que carecem de estruturas, são frágeis e não têm qualquer tipo de impacto, pertinência ou relação com o território. São meros exercícios de estilo que se extinguem rapidamente no tempo. É um fogacho, enquanto um projecto fundamentado, bem enraizado num conceito e num território, evidencia o que são as características idiossincráticas do próprio espaço e afirma-o. Constrói-se a partir de uma linguagem, de uma narrativa.
M&P: Nestes anos já teve a abordagem de outros autarcas ou municípios para criar marcas locais?
EA: Não, curiosamente só tive do estrangeiro. De Portugal não tive absolutamente mais nenhum.
M&P: Não teme que no Porto, mudando o executivo camarário, a marca possa acabar?
EA: Não estou preocupado com isso, sinceramente.
M&P: Este tipo de trabalhos, tão visíveis na rua, contribuem para que os cidadãos estejam mais atentos e educados para estas questões do design?
EA: Completamente. Não só educa o cidadão portuense, como educa o turista. Demonstra que há uma preocupação de quem governa em explicar que está atento ao fenómeno do design e da comunicação das diversas intervenções na cidade. Ao mesmo tempo há uma economia de meios gigantesca. Como a fonte é a mesma, é como se fosse uma impressora de onde saem os elementos que vão caracterizar os diferentes espaços, seja uma obra ou um tapume. Isto transmite uma enorme coesão e percebe-se a quantidade de intervenções que existem na cidade e a assinatura de quem está a fazer.
M&P: É também professor na Faculdade de Belas Artes do Porto. Como é que descreve o mercado dos ateliers de design da cidade? Temos a ideia de que é efervescente com novos projectos constantemente a aparecer.
EA: Sou professor há 32 anos e há 32 anos havia quatro personalidades que dominavam o panorama da produção do design no Porto. Hoje o número de designers será de umas largas centenas, jovens e não só, que trabalham a partir do Porto para o país e para fora de portas. O mercado é efervescente, não sei se é com as melhores regras ou condições mas registam-se imensos ateliers na cidade. Diria até que mais do que em Lisboa. De uma forma empírica há a ideia de que em Lisboa há as grandes agências de publicidade e de que no Porto temos os pequenos ateliers de design. Temos algumas pequenas e médias agências de publicidade, mas no Porto dominam claramente os ateliers de design.
M&P: É algo que está relacionado com as instituições de ensino?
EA: O Porto sofre do estigma de ser a segunda cidade do país. Há uma vontade enorme de afirmação. É algo que vai do futebol às áreas científicas mais ortodoxas. Na área do design nós também somos levados nesse mesmo paradigma. Defendo que a Faculdade da Arquitectura teve um peso no que é o desempenho do design no Porto. Siza Vieira, Souto Moura, Fernando Távora e depois outro conjunto muito vasto de arquitectos fizeram escola com as outras áreas. A anterior Escola Superior de Belas Artes do Porto funcionava com Arquitectura, enriquecendo com a sua cultura visual mais erudita as áreas mais artísticas.
M&P: Estes ateliers não sentem dificuldades em chegar aos grandes anunciantes ou instituições sediadas em Lisboa?
EA: A maior parte dos meus clientes são de Lisboa. Há 12 anos que somos consultores e parceiros para design do Esporão. Tudo o que vê do Esporão é feito por nós. A Fundação Calouste Gulbenkian, a Imprensa Nacional Casa da Moeda e os CTT são nossos clientes. Como somos um país pequeno temos a ideia fracturante de que 300 quilómetros são uma eternidade.
M&P: Que trabalhos tem agora em mãos?
EA: Para Esporão, acabámos um projecto relativamente grande que foi a cerveja artesanal Sovina, que vai surgir com uma nova imagem. Continuamos com os projectos de vinhos e azeites Esporão. Temos colaborado com os vinhos da família Amorim e temos trabalho contínuo para a Câmara do Porto. Somos um atelier pequeno, com cinco pessoas, por isso não podemos ter assim tanta diversidade de projectos. Temos tido contactos internacionais que resultaram em projectos para os Estados Unidos, Espanha, Alemanha e Chile. É trabalho que vai do design editorial a produto e catálogos. Tem sido diversificado, mas em termos percentuais o trabalho internacional vale 20 por cento.