Modelos (de negócio) à escolha
O fim do 24Horas e do Global Notícias, oficializado esta semana, tornou mais evidente o estado de crise com que o sector de media nacional, em particular a imprensa, se tem vindo a debater.
Ana Marcela
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O fim do 24Horas e do Global Notícias, oficializado esta semana, tornou mais evidente o estado de crise com que o sector de media nacional, em particular a imprensa, se tem vindo a debater. Os motivos não serão só conjunturais, mas a Controlinveste justificou o encerramento dos dois títulos com a necessidade de reduzir custos, num momento em que “as receitas publicitárias e de circulação paga sofrem decréscimos crescentes e sucessivos, sem sinais de qualquer recuperação”, surgindo a decisão, enquadra o grupo de Joaquim Oliveira, num momento em que o mercado de imprensa atravessa uma “notória” e “profunda alteração estrutural” que exige “às empresas editoras de publicações decisões estratégicas que conduzam a novos modelos de negócio e viabilizem as organizações que os suportam”.
Encerramento de projectos, declarações de falência de gigantes editoriais, migração acelerada para ambiente digital de jornais com vista a diminuir os seus custos de operação (embora sem grandes certezas sobre se as receitas online geradas serão suficientes para suportar as estruturas) são algumas das faces visíveis do actual momento que a indústria de media atravessa a nível mundial e que tem levado os mais pessimistas a temer pelo futuro da própria democracia. Afinal, se os jornais não conseguem encontrar um modelo que garanta a sua sobrevivência financeira, dificilmente poderão exercer o papel que lhes está reservado de watch-dog do sistema. Nos Estados Unidos esta percepção – e que não é de hoje – já levou à criação de movimentos de organizações não governamentais de defesa da imprensa, como é o caso do Free Press, organismo privado fundado em 2002 por Robert W. McChesney, John Nichols e Josh Silver, actualmente com mais de meio milhão de activistas que defendem reformas no sector de media neste mercado. E, no topo da agenda, está encontrar novas fórmulas de financiamento para os projectos de media que vão para além dos tradicionais anúncios de publicidade.
Os (não tão) novos modelos emergentes
Criação de fundações, o estabelecimento de políticas de mecenato, ‘crowd financing’ de conteúdos ou até sinergias entre grupos concorrentes são algumas das formas de financiamento alternativas que têm vindo a ser experimentadas, com maior ou menor sucesso (ver caixa) e os grupos de media nacionais não estão alheios a estas movimentações. No Público, adiantava recentemente, em declarações ao M&P, Miguel Gaspar, director-adjunto do diário da Sonaecom, o título tem vindo a levar a cabo uma série de reportagens sobre biodiversidade sob o mecenato do BES. “Os jornais são bens de interesse público. Acredito que as fundações são uma forma da sociedade civil apoiar os jornais”, dizia o responsável do jornal. “Há uma dimensão de mecenato que pode funcionar como um reflexo do interesse público do jornalismo”, argumentava. Já no grupo Controlinveste os chamados conteúdos patrocinados irão ganhar espaço nos meios de imprensa da holding que apresenta publicações como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, O Jogo, a Volta ao Mundo ou a Evasões. Paulo Baldaia e Arsénio Reis, director e director-adjunto da TSF, vão assumir na Controlinveste a liderança de uma área de negócio de conferências e de produtos editoriais patrocinados, replicando o modelo que já vinha a ser desenvolvido na estação da holding, explicou Paulo Baldaia. A ideia é criar produtos “que tenham interesse editorial” e que respondam às necessidades de comunicação das marcas.
A Cofina não mostra muito interesse em entrar neste campo. “Existem já diversas iniciativas em Portugal nesse sentido, embora no caso da Cofina essa não seja uma prática existente”, limita-se a responder Luís Santana, administrador da holding, quando questionado sobre se o grupo pretendia entrar na área de conteúdos patrocinados ou de mecenato. Na Impresa, estas opções não são propriamente estranhas, como refere José Carlos Lourenço. “A Impresa tem uma larga tradição de produção editorial associada a temáticas patrocinadas por parceiros qualificados, sendo que esse pioneirismo e longevidade se devem ao interesse e confiança que os leitores depositam na nossa independência editorial, na relevância e qualidade dos conteúdos e parceiros seleccionados”, comenta o administrador-executivo da Impresa Publishing. Efectivamente, e refira-se a título de exemplo, no Expresso as páginas de cultura da Atual chegaram a ter o patrocínio do Millennium bcp ou na Única os conteúdos denominados Boas Acções foram patrocinados pelo Banif. E, ao que parece, o grupo quer desenvolver ainda mais esta estratégia de diversificação de receitas, tendo em Junho anunciado a criação de uma área de novos negócios visando dar “resposta a uma cada vez maior sofisticação na abordagem de propostas de comunicação para os anunciantes das marcas da área de imprensa do grupo Impresa”, como se podia ler no comunicado enviado às redacções. José Carlos Lourenço não revela muito da estratégia do grupo quando questionado sobre, ao certo, o que irá emergir desta nova unidade liderada por Martim Avillez Figueiredo. “Sendo pioneiros, com o reforço da equipa pretendemos manter e aprofundar a liderança clara num domínio onde o mercado nos reconhece numa posição e com um trabalho realizado ímpar”, diz apenas o administrador-executivo da Impresa Publishing. “Os projectos vão continuar a surgir, existindo já vários em fase de elaboração. Mas não queremos para já antecipar as nossas ideias”, justifica.
Já no I a criação da área de Projectos Especiais foi a forma como o diário assumiu a estratégia de conteúdos patrocinados. Sob a chancela Powered by o diário da Lena Comunicação tem vindo a produzir diversos conteúdos patrocinados por marcas como a Zon, a Fox ou a EDP e que marcam presença com alguma regularidade (veja-se o caso da Fox na área de programação televisiva) nas páginas do jornal.
Os ‘perigos’ dos patrocínios e do mecenas
Mas este tipo de aposta da parte dos media não poderá suscitar dúvidas junto dos leitores relativamente à independência editorial dos conteúdos em questão, bem como sobre os presentes nas restantes páginas dos títulos, repercutindo-se na credibilidade das publicações? Afinal, quem ‘paga’ pode ter vontade de determinar o teor dos conteúdos em questão. Miguel Gaspar admitia que em teoria poderia “haver tentações”, mas que a garantia de independência dos conteúdos, em última análise, é que traz maiores benefícios tanto para o mecenas como para a marca jornalística. Paulo Baldaia também assegurava que os futuros conteúdos patrocinados serão claramente identificados perante os leitores, sendo a relação de “total transparência”, e os conteúdos produzidos por jornalistas com “total liberdade editorial”.
“São questões pertinentes e que devem ser analisadas por quem é detentor das marcas. No caso da Cofina, a independência editorial é uma condição essencial para o sucesso do nosso negócio e da qual não abdicamos em momento algum”, afirma Luís Santana, quando questionado sobre este tema. “Essa é definitivamente uma questão essencial”, refere, por seu turno, José Carlos Lourenço. “No caso do portfólio de marcas da Impresa Publishing, a confiança que granjeámos junto dos nossos leitores e do mercado publicitário resulta exactamente da liberdade editorial de que gozam as nossas redacções, o que no fim do dia torna ainda mais valiosos os projectos em que nos envolvemos. Nunca trabalharíamos conteúdos desta natureza que pudessem, por algum motivo, prejudicar a liberdade editorial de cada uma das redacções”, garante.
Financiamentos alternativos, sim. Distorções de mercado, não
O administrador-executivo da Impresa Publishing também não se mostra particularmente entusiasmado com fórmulas de financiamento por via da criação de fundações – cujo exemplo mais emblemático é o inglês The Guardian – ou de doações de privados para a realização de trabalhos de investigação de índole jornalística ou até de colaborações entre órgãos de comunicação social concorrentes, exemplos que têm vindo a acontecer com alguma regularidade no mercado externo. “Somos um grupo de media que em todas as plataformas se afirma como um operador de mercado, e isso não é excepção na área de publishing”, começa por frisar José Carlos Lourenço, alertando para os potenciais efeitos negativos no mercado que estas estratégias possam vir a ter. “Defendemos que as regras devem ser idênticas para todos, claras e transparentes, e somos contra todo e qualquer tipo de distorção que provoque situações artificiais – estas sim muito nocivas para a vitalidade dos negócios de quem se esforça para manter as suas operações saudáveis e competitivas”, continua. “Não somos contra outras soluções ou modelos de negócio, desde que os mesmos sejam transparentes e não ponham em causa, de forma directa ou indirecta, a liberdade de imprensa enquanto esteio fundamental do Estado de Direito”, clarifica o responsável. Uma posição partilhada pelo grupo Cofina, a avaliar pelas palavras de Luís Santana. “O desenvolvimento de qualquer negócio deve ter em conta a geração de valor para todos os stakeholders”, começa por referir o administrador da Cofina. Neste sentido, clarifica, “para que as regras da concorrência não sejam deturpadas, deve haver no sector dos media a preocupação com a rentabilidade, independentemente dos actores serem empresas ou fundações”. Mais, frisa, “não acreditamos em donativos a fundo perdido, pois podem ter efeitos perniciosos”.
Luís Santana parece acreditar em formas mais tradicionais de obtenção de receitas, como é o caso das conferências. O grupo tem desde o início do ano uma nova área de negócio dirigida à organização deste tipo de iniciativas. Liderada por Miguel Abalroado, antigo administrador da Económica (editora que há muito desenvolve este trabalho), a unidade apresentou este mês as duas primeiras iniciativas, ambas sob a chancela da marca Jornal de Negócios: uma business roundtable com empresários brasileiros e portugueses e um business breakfast com Zeinal Bava, em plena disputa entre a PT e a Telefónica em relação à brasileira Vivo. A Cofina juntou-se assim a outros players a operar no mercado neste sector, como é o caso da Económica, mas também da Impresa, que em Outubro do ano passado nomeou Nicolau Santos para a direcção editorial desta área de negócio. Mais recentemente a Controlinveste anunciou o seu interesse em entrar neste sector, sendo que o objectivo, adiantava Paulo Baldaia em declarações recentes ao M&P, é preparar este ano o terreno para que “2011 seja o ano de arranque a sério desta área no grupo”. Face a esta ‘corrida’ dos grupos às conferências, Luís Santana não se mostra preocupado. “Esta é uma área complementar onde identificámos oportunidades de crescimento, apesar de já existirem várias empresas no mercado O segredo para o sucesso está em ser inovador e fazer as coisas de modo diferente, maximizando o valor para os nossos clientes”, argumenta o responsável da Cofina. José Carlos Lourenço mostra-se igualmente confiante. “Acreditamos que a nossa abordagem, suportada no prestígio das nossas marcas e na inovação dos nossos conceitos, nos permitirá, independentemente da chegada de outros players, desenvolver de forma relevante os nossos projectos neste domínio.”
– Novos (ou nem por isso) modelos de financiamento
Crowd funding
Modelo de negócio experimental em que a audiência faz pagamentos directos a jornalistas para custear a escrita ou investigação de uma determinada história. Nos Estados Unidos existe o Spot.us, um projecto fundado e dirigido por David Cohon, sem fins lucrativos financiado por diversas organizações, entre as quais a Knight Foundation, e que visa angariar junto do público financiamento para o desenvolvimento de certas histórias que depois são publicados noutros media, sendo os doadores reembolsados. The New York Times, Oakland Tribune, San Francisco Magazine são alguns dos meios que já publicaram matérias produzidas por esta via.
Fundações, doações, mecenato
O modelo de financiamento através de Fundações não é propriamente uma novidade. O The Guardian (propriedade do Scott Trust), o St. Peterburg Times (do Poynter Institute, que detém acções na Times Publishing Company) ou o Christian Science Monitor são exemplos há muito existentes de projectos que têm na sua base uma fundação sem fins lucrativos. Os defensores deste tipo de abordagem argumentam que sem a pressão dos lucros, os meios podem dedicar-se ao jornalismo ‘a sério’. Contudo, coloca-se o desafio de fazer a passagem dos meios que se assumem como estruturas puramente comerciais para organizações sem fins lucrativos, já para não dizer que arranjar financiadores/mecenas também não é uma tarefa fácil em tempos de crise. Além disso, relembram os não aficionados, nem o facto de ter uma fundação impede que os meios não sofram o impacto das forças de mercado, como provam os despedimentos no The Guardian, ocorridos em 2008 e 2009. A isto juntam-se os receios de que os mecenas/financiadores possam de alguma forma determinar o rumo dos conteúdos jornalísticos que venham a ser produzidos.
Jornalismo colaborativo
Pode assumir diversas formas: redacções a colaborar entre si (do mesmo grupo ou concorrentes) ou com o público. No New York Observer (NYO) esta estratégia foi já experimentada. “Com a ajuda do Nation Institute abordámos uma investigação de dinheiro do Bloomberg em offshores. Trabalhei durante 10 anos no Wall Street Journal e a ideia de sucesso era ‘bater’ os outros, mas não penso que nenhum de nós se possa dar a esse luxo. E talvez para os leitores não seja assim tão importante. Gastar X dólares para dar a história duas horas antes dos outros valerá mesmo a pena?”, questiona Kyle Pope, editor do NYO, citado em MediaShift/ Knight Project Idea Lab. Custos mais reduzidos, alcançar novas audiências, que também podem ser colaboradores nesse projecto, são alguns dos argumentos a favor esta forma de financiamento.
Micro-pagamentos e suas alternativas
O tema está em cima da mesa, mas tirando Rupert Murdoch, que já avisou que irá avançar com esta estratégia em larga escala nos meios da News Corp., não há nenhum grande grupo de media que tenha implementado uma política de cobrança de conteúdos online em larga escala. David Carr, colunista do The New York Times, é um dos defensores de uma lógica que classifica de modelo iTunes para o jornalismo, sendo que a ideia é através de mecanismos como o PayPal ou E-Z Pass permitir a compra por impulso de jornais, revistas, artigos, vídeos ou qualquer conteúdo por um determinado valor pré-definido. Outros argumentam com uma política de pacote por subscrição, e outros ainda defendem estratégias de ‘pague o que quiser’ (EmanciPay, defendido pelo bloguer e editor do Linux Journal, Doc Searls). Mas há quem receie a fuga de receitas da publicidade online com a implementação de barreiras de acesso aos conteúdos e a falta de receptividade do público em pagar por um conteúdo até aqui gratuito.
Fonte: Save the News.org (Save the Press) e MediaShift