O Papa Francisco e as redes sociais
Artigo de opinião de João Jacinto Ferreira, criador do site The Gentleman.pt e consultor de comunicação
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Escrever sobre o Papa e as redes sociais parece algo estranho para muitos dos leitores, porém, a última encíclica “Somos todos irmãos” deixa alguns desafios para a gestão e utilização destas mesmas redes sociais. Desde do primeiro tweet de Bento XVI, até às mensagens em YouTube de Francisco, a instituição Igreja soube o “poder” das redes sociais e os seus benefícios. Mas, como se diz, em todos os filmes de super-heróis, a dádiva de um grande poder requer grande responsabilidade. Ao estilo de preâmbulo, desejávamos realçar o intuito do texto lançado pelo Papa neste preciso momento, em que enfrentamos “um novo mundo” ainda envoltos numa pandemia que não vemos rápida resolução.
“Embora a tenha escrito a partir das minhas convicções cristãs, que me animam e nutrem, procurei fazê-lo de tal maneira que a reflexão se abra ao diálogo com todas as pessoas de boa vontade”, afirma logo de início, dando já o tom para todo o texto. Reflexo de uma relação e visão saudável com as redes sociais como fenómeno humano. Até, porque, no tempo de confinamento quase mundial, as igrejas perceberam como pode ser um meio de unir e aproximar quem estava distante. O streaming, os diretos seja de Facebook ou Instagram foram maneiras de celebrar para muitas e muitos no mundo.
O desafio é humanizar todas as realidades, as redes sociais, que, de modo especial, este texto quer desenvolver. Porque, “apesar de estarmos super-conectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos. Se alguém pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já existentes, está a negar a realidade”.
Humanizar os mesmos meio que nos querem conectar e diminuir a distância mas que, por vezes, encurtam o conhecimento e a informação. Tendem a desumanizar e a dar-nos a ilusão da comunicação entre pessoas. E, aqui, chegamos aos pontos da encíclica que formam uma leitura da realidade, cheia de desafios, a nós que somos users, participantes ou gestores de redes sociais. Como sabemos, a ligação das marcas aos users, já não é medível somente pelas métricas mas pelo lado emocional, ou seja, humano.
No número 42, dá-se o título da ilusão da comunicação, “Paradoxalmente se, por um lado, crescem as atitudes fechadas e intolerantes que, à vista dos outros, nos fecham em nós próprios, por outro, reduzem-se ou desaparecem as distâncias, a ponto de deixar de existir o direito à intimidade. Tudo se torna uma espécie de espetáculo que pode ser espiado, observado, e a vida acaba exposta a um controle constante. Na comunicação digital, quer-se mostrar tudo, e cada indivíduo torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes anonimamente. Dilui-se o respeito pelo outro e, assim, ao mesmo tempo que o apago, ignoro e mantenho afastado, posso despudoradamente invadir até ao mais recôndito da sua vida”.
Como um bom jesuíta, não “diaboliza” as realidades humanas, são como são, mas chama atenção para os desequilíbrios que uma dependência traz à pessoa humana, desumanizando-a. Chama atenção para “os movimentos digitais de ódio e destruição não constituem – como alguns pretendem fazer crer – uma ótima forma de mútua ajuda, mas meras associações contra um inimigo”. A dependência leva a um “isolamento e perda progressiva de contacto com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas”.
Por isso, a humanização dos meios de comunicação digitais, é urgente. Pois, é natural que “fazem falta gestos físicos, expressões do rosto, silêncios, linguagem corpórea e até o perfume, o tremor das mãos, o rubor, a transpiração, porque tudo isso fala e faz parte da comunicação humana”. As relações digitais, como refere, têm o perigo da fadiga e do descarte de estabelecer uma amizade “real”, “dissimulam e ampliam o mesmo individualismo que se manifesta na xenofobia e no desprezo dos frágeis. A conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade”.
Não deixa de ser interessante que o Santo Padre fale da agressividade despudorada no seu texto. O individualismo, escondido detrás de um ecrã ou smartphone, que pode acontecer, leva que “a agressividade social encontre um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e nos computadores” e “permitiu que as ideologias perdessem todo o respeito. Aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer sem correr o risco de perder o respeito de todos, hoje pode ser pronunciado com toda a grosseria, até por algumas autoridades políticas, e ficar impune. Não se pode ignorar que “há interesses económicos gigantescos que operam no mundo digital, capazes de realizar formas de controle que são tão subtis quanto invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático. O funcionamento de muitas plataformas acaba frequentemente por favorecer o encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as diferenças. Estes circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas, fomentando preconceitos e ódios”.
Nunca negando que até em meios crentes e cristãos isto acontece: “Mesmo nos media católicos, é
possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer
ética e respeito pela fama alheia”.
No último ponto, Francisco refere que “a verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade” afirma, “Hoje, porém, tudo se pode produzir, dissimular, modificar. Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne insuportável. Em consequência, implementa-se um mecanismo de “seleção”, criando-se o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo que não gosto, as coisas atraentes das desagradáveis”. Alimentamos, selecionamos um mundo virtual que não é o real, porque nunca damos tempo para “sentar-se a escutar o outro, característico dum encontro humano, é um paradigma de atitude recetiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro, presta-lhe atenção, dá-lhe lugar no próprio círculo”.
Quantas vezes o nosso feed do Facebook ou do Instagram é somente um rol da nossa imagem, mais que dos nossos interesses. Justificado pelo algoritmo do Facebook ou do Instagram. Porém, a leitura que o Papa faz, desafia os utilizadores e os gestores a não esquecer estas realidade humanas. “Ao desaparecer o silêncio e a escuta, transformando tudo em cliques e mensagens rápidas e ansiosas, coloca-se em perigo esta estrutura básica duma comunicação humana sábia. Cria-se um novo estilo de vida, no qual cada um constrói o que deseja ter à sua frente, excluindo tudo aquilo que não se pode controlar ou conhecer superficial e instantaneamente. Por sua lógica intrínseca, esta dinâmica impede aquela reflexão serena que poderia levar-nos a uma sabedoria comum”.
Quantas vezes já desistimos de trocar ideias no Facebook porque leva ao insulto fácil. Por fim, outro repto relacionado com as fake news “a acumulação esmagadora de informações que nos inundam, não significa maior sabedoria. A sabedoria não se fabrica com buscas impacientes na internet, nem é um somatório de informações cuja veracidade não está garantida. Desta forma, não se amadurece no encontro com a verdade. As conversas giram, em última análise, ao redor das notícias mais recentes; são meramente horizontais e cumulativas.. Assim, a liberdade transforma-se numa ilusão que nos vendem, confundindo-se com a liberdade de navegar frente a um visor. O problema é que um caminho de fraternidade, local e universal, só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos a encontros reais”.
No final, o que as marcas ganham com estes inputs nas redes sociais? Humanizar é ter em conta quem está detrás do ecrã, a qualidade do produto a oferecer, estabelecer relações transparentes e de fidelização. Nada muito diferente que muitos escreveram como tendências do marketing e redes sociais para 2020. Apela para uma gestão cada vez mais atenta e rápida a gerir qualquer conflito ou mensagens erróneas. Inspirar confiança, pensamento positivo, sentido de pertença tudo com uma linguagem simples.
Muitos dirão que são desafios lançados somente para os users, todos nós afinal, das redes sociais. Porém, não é assim. São desafios aos gestores das redes sociais, pois, por si, elas não são boas nem más (como a nossa experiência já permitiu perceber, muitos bons movimentos se fizeram por boas causas ambientais, políticas, sociais, etc.). O grande desafio é humanizar estes meios, gerindo para que não sejam portadores de fake news, mensagens de ódio, desconstrução de pessoas ou causas, mas sejam verdadeiros veículos de uma fraternidade (um dos ideais da Revolução Francesa).
Artigo de opinião de João Jacinto Ferreira, criador do site The Gentleman.pt e consultor de comunicação