“A nossa margem para errar é muito menor do que a dos outros jornais”
O primeiro jornal online português dedicado à verificação de factos deverá ter na área da formação um importante pilar de financiamento. Fernando Esteves explica o modelo de negócio do Polígrafo […]
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O primeiro jornal online português dedicado à verificação de factos deverá ter na área da formação um importante pilar de financiamento. Fernando Esteves explica o modelo de negócio do Polígrafo
O Polígrafo apresenta-se como o primeiro jornal digital dedicado à verificação de factos. À frente do projecto está Fernando Esteves, que prevê lançar o Polígrafo Educação para promover workshops de literacia mediática financiados por instituições privadas e pelos gigantes tecnológicos. O branding é assinado pela BUS Consulting, enquanto a gestão da publicidade está a cargo do Sapo. O Polígrafo tem como accionistas Fernando Esteves, a produtora audiovisual B. Creative Media e o Emerald Group.
Meios & Publicidade (M&P): Quando é que começou a nascer a ideia do Polígrafo?
Fernando Esteves (FE): Fui editor de Política da Sábado durante 12 anos e nos últimos três editei também a secção de Internacional. Quando acompanhei as eleições americanas entre Donald Trump e Hilllary Clinton fiquei fascinado com a explosão de um fenómeno que para mim era novo, embora não o fosse nos Estados Unidos, que é o do jornalismo de fact checking. Nos Estados Unidos existem dois grandes jornais de fact ckecking: o PolitiFact e o Factcheck.org. Nessa altura identificaram centenas de mentiras, de manipulações e de inverdades no discurso de Trump, mas também de Hillary Clinton. Pensei que isto era o Santo Graal do jornalismo. O PolitiFact ganhou o prémio Pulitzer há uns anos. Comecei a estudar a escola, a envolver-me e a enviar uns e-mails para pessoas que participam no movimento internacional. Até que em Maio de 2017 decidi que não havia condições para fazer as duas coisas: desenvolver o projecto e continuar com a actividade na Sábado.
M&P: Não tentou desenvolver o projecto dentro da Cofina?
FE: Não. Na Cofina tinha outro projecto digital mas que acabou por não avançar, mas não tinha nada a ver com fact checking. Esse foi um dos argumentos para sair. Tinha também um livro para escrever, acabei o livro e a partir de Novembro do ano passado decidi começar a montá-lo. Eu tinha já contactos internacionais e foi mais fácil. A partir do momento em que os protagonistas do espaço público sabem que têm um órgão de comunicação social cujo único objectivo é verificar se aquilo que eles dizem é verdadeiro ou se contradiz o que prometeram em campanha eleitoral, vão ter de nivelar o discurso por cima. No limite isso dá origem a uma higienização do espaço público. Comentadores como Marques Mendes, Santana Lopes, Francisco Louçã e tantos outros vão perceber que vão ter de ser mais exigentes nos números que apresentam e nas ideias que defendem porque sabem que do outro lado da televisão está um órgão de comunicação social a avaliar o que eles dizem. Não digo avaliar numa perspectiva policial.
M&P: Apesar de o nome do projecto ser Polígrafo.
FE: Escolhi o nome porque era marcante e ficava no ouvido. Nada temos de polícia. Não somos inimigos dos políticos nem dos protagonistas que se movimentam na blogosfera, no Facebook, no Twitter, nas televisões, rádios e imprensa. Somos amigos dos leitores. É assim que gosto que o projecto seja definido. Um dos problemas das sociedades contemporâneas é a queda da qualidade da informação. Hoje 60 por cento da informação que consumimos vem das redes sociais. Trata-se de informação que não é triada jornalisticamente. No entanto, a esmagadora maioria das pessoas não tem essa noção e acredita na informação que circula. Por outro lado, a imprensa tradicional tem a obrigação de fazer a triagem dessas informações. O problema é que as redacções se têm esvaziado de qualidade e experiência. Ainda existem muitos e bons jornalistas mas por imperativos de carácter económico, foram feitas reduções nos maiores órgãos de comunicação social. Isso repercute-se na qualidade do trabalho e na capacidade que os jornais têm para verificar os factos. A própria imprensa tradicional acaba por beber da desinformação que circula.
M&P: Em Portugal essa desinformação já é uma realidade tal como o que se vive nos Estados Unidos ou no Brasil?
FE: Não com tanta força. Ainda não ao ponto de eleger um presidente ou um primeiro-ministro mas vamos chegar lá. A este fenómeno da desinformação temos de acrescentar outro que é a ruptura do contrato entre os políticos e eleitores. É importante vigiarmos se os políticos foram ou não consequentes e coerentes na sua acção prática com o que prometeram em campanha eleitoral. O que tem acontecido em Portugal, no Brasil, nos Estados Unidos, etc., é que as pessoas prometem uma coisa em campanha e depois fazem outra. Isto tem minado a confiança entre eleitos e eleitores.
M&P: Nos primeiros dias do Polígrafo tem-se visto o fact checking aplicado a frases proferidas em debates ou intervenções na televisão. Em breve vão recuperar frases ou promessas por políticos em campanha eleitoral?
FE: Para o ano vamos ter duas eleições. Anos de eleições são sempre anos fantásticos para o jornalismo de fact checking. Portugal e a Europa vão ser postos à prova perante estes fenómenos da desinformação. Neste momento a União Europeia criou um grupo de trabalho com fact checkers de vários países no sentido de estabelecer uma estratégia de combate à desinformação que seguramente circulará nessa altura. Já se provou que os grandes promotores da desinformação vêm dos extremos do espectro político, que são avessos ao ideal europeu, mas que são mais organizados do que o mainstream, o centro político. A UE e os grandes distribuidores de informação como o Google e Facebook estão bastante preocupados com o que pode acontecer. Se se organizar os movimentos populistas extremistas com a força com que se têm organizado em países como Brasil e Estados Unidos, o ideal europeu, tal como conhecemos, pode estar comprometido. É o momento certo para lançar o Polígrafo porque permite que este tipo de projectos expludam. Na noite do último debate entre Hillary Clinton e Donald Trump o PolitiFact teve 100 milhões de pageviews.
M&P: O Polígrafo tem também margem para errar e para fazer avaliações que não são correctas? No Twitter a Catarina Martins queixava-se que a frase dela que citavam num fact check do Polígrafo não estaria completa.
FE: A Catarina Martins pode dizer o que quiser, naquele caso não tem razão. A citação está correcta. A Catarina Martins e os outros lideres partidários e protagonistas que tenham impacto junto do seus públicos vão ter de se habituar que agora há um órgão de comunicação social que está sempre a avaliar o seu discurso. As pessoas não estão habituadas a ser colocadas em causa. Isso comporta um risco grande para o Polígrafo, a nossa margem para errar é muito menor do que a dos outros jornais.
M&P: A avaliar pelos exemplos internacionais, um projecto com estas características devia ser financiado por fundações. Que reacções teve quando apresentou o Polígrafo a fundações?
FE: Disseram todas que o projecto era fantástico e fundamental para o aprofundamento da democracia. Disseram que eu era um visionário [risos] mas depois por vários motivos, o maior deles foi a incapacidade financeira, não avançaram. Hoje em dia existem duas ou três fundações com capacidade financeira que acabaram por não se envolver no projecto do ponto de vista material mas que estão envolvidas noutras variantes, como protocolos de colaboração, troca de inteligência, espaços para fazermos debates. Temos em vista protocolos para fazermos cursos de literacia mediática nas escolas do ensino básico e secundário.
M&P: Esse é um dos aspectos inovadores do projecto. Quanto esperam ganhar ou que percentagem de receitas poderá representar esta parte de formação?
FE: Não sei quanto poderá representar. Falei com colegas de outros países que encontrei há dois meses em Roma num congresso mundial de fact checkers e posso dizer que o maior site de fact checking no Brasil, que é a Agência Lupa, já tem 60 por cento das suas receitas dependentes do projecto de educação. Na Argentina existe o site Chequeado em que boa parte da facturação vem deste tipo de iniciativas.
M&P: Querem concorrer a programas europeus e aos financiamentos do Google e Facebook nesta área?
FE: Sim. O Google tem um grande projecto de literacia mediática, gostava que fossem meus parceiros. A União Europeia tem linhas de crédito abertas para patrocinar projectos de literacia mediática. Há aqui uma premissa fundamental para fazer acordos com estas organizações. Temos de ser acreditados pela International Fact Checking Network, que é uma organização que funciona na orla do Poynter Institute e que é uma espécie de agregador mundial dos sites de fact checking. São neste momento 140 no mundo. Eles têm um código de princípios muito restritos sobre o que se deve fazer nos sites, desde política de erros, a recusa de fontes anónimas, identificação das pessoas que trabalham no site. Nós subscrevemos integralmente esses princípios mas eles só acreditam o projecto três meses depois de estar no ar. No caso de ser aprovado, tornamo-nos elegíveis para concorrer a estes fundos, porque quer o Google, o Facebook e a UE só trabalham com sites que estejam acreditados pela International Fact Checking Network.
M&P: Se as coisas correrem pelo previsto, metade ou mais de metade das receitas virão dessa área?
FE: Não sei mas gostava muito que não estivéssemos dependentes da publicidade display, que não funciona enquanto negócio. O meu acordo com o Sapo, que está tratar da parte comercial, será inverter um pouco o paradigma de vender publicidade. Tenho a noção de que nunca vamos ser um blockbuster em termos de pageviews. Nenhum site de fact checking o é. Tenho noção de que não vou ter os 40 milhões de pageviews do Observador ou os 140 milhões mensais do Sapo. A minha escala é mais reduzida. Vou colocar cinco conteúdos por dia, não vou colocar 200.
M&P: Apesar de serem conteúdos com grande potencial viral.
FE: É verdade. O que transmiti ao Sapo é que tem de vender uma ideia de conceito de jornalismo e de intervenção na sociedade. Têm de fazer uma venda qualitativa. Têm de vender a relação que o site estabelece com os leitores. Neste momento o site está com uma média de sete minutos de permanência por leitor, o que é muito bom. O New York Times, o Washington Post, o Financial Times ou Wall Street Journal estão a evoluir para um processo de venda com base na relação. O NYT contratou uma equipa de 25 pessoas para estudar formas de aumentar o tempo de permanência na página. O que eles querem vender é a relação com o leitor.
M&P: No fim dos artigos do Polígrafo convidam os leitores a doar ou fazer um contributo para o projecto.
FE: Praticamente todos os sites de fact checking têm apelo ao donativo para solidificar o conceito de intervenção da sociedade e a promoção de um jornalismo activo e vigilante das instituições, que assim contribui para o aprofundamento da democracia.
M&P: Na Web Summit o CEO do The Guardian disse que as doações dos leitores representavam 12 por cento das receitas. Em Portugal existe essa possibilidade de chegar a estes valores?
FE: Há pessoas que querem contribuir, mas não acredito que em Portugal – espero estar enganado – isso possa funcionar como uma fonte de receitas privilegiada para o projecto.
M&P: Como chegou aos dois sócios do Polígrafo?
FE: Precisava de um parceiro que me desse a componente audiovisual com muita qualidade. Já conhecia os membros da B. Creative Media, sei que são muito bons e conhecia muito bem o trabalho deles. O João Paulo Vieira foi editor de economia da Visão durante muito tempo, o Ricardo Fonseca foi o autor do projecto de iPad da Visão que na altura foi considerado o melhor do mundo. Pelo caminho houve várias possibilidade de entrarem outros investidores. Aconteceram coisas óptimas e outras que não foram tão agradáveis. Houve financiadores com quem não me entendi porque tínhamos problemas de conceito, apesar de estarem muito interessados no projecto. Outros por questões de timing porque eu queria avançar mais rapidamente. Cheguei ao Sapo, que foi fulcral para que o projecto avançasse. Fizemos uma parceria que não é só comercial, mas tecnológica e de distribuição de conteúdos. Depois tenho outro investidor o Emerald Group, que é um grupo de origem angolana com sede no Dubai, que trabalha na consultoria financeira, com interesses no imobiliário e no petróleo. Tudo aconteceu num jantar de amigos em que eu fiquei à frente do chairman do grupo. Não nos conhecíamos e falámos sobre o que cada um estava a fazer. Falei sobre o que estava a fazer e o chairman do Emerald Group interessou-se muito. Eles não têm nada ligado à comunicação social.
M&P: É um projecto de filantropia por parte do Emerald Group?
FE: Quase. A participação que têm aqui não serve para pagar o dinheiro que o chairman gastará em viagens intercontinentais durante duas semanas. É uma questão de convicção de que é importante trazer verdade para o espaço público. Em Portugal fazemos bom jornalismo e os profissionais fazem verdadeiros milagres nas redacções. Muitos são obrigados a fazer 20 notícias por dia. É impossível fazer 20 notícias por dia com qualidade. Este não é um projecto anti-redacções ou para salvar o jornalismo. É um projecto com uma escola de jornalismo diferente, com técnicas diferentes, com mais tempo para trabalhar.
M&P: Tentou lançar o Polígrafo dentro de um grande grupo de comunicação?
FE: Não quis entrar em grupos de comunicação social porque este é um projecto meu, uma ideia de autor. Achava que me realizava mais se a liderasse sem ter de responder a mais ninguém, a não ser a mim e aos meus leitores. Não precisava de um grande grupo para me financiar. Claro que isto precisa de dinheiro, mas não precisa de milhões. Estar sozinho dá-me conforto e independência. É assim que acontece em praticamente todo o mundo, os projectos deste tipo não estão inseridos em grandes grupos editoriais. Vários não têm fins lucrativos e integram ONGs.
M&P: Mas no futuro pode ser agregado a um grande grupo?
FE: Não posso dizer que não, mas neste momento faz mais sentido fazermos o nosso caminho sozinhos.
M&P: Quando apresentou o Polígrafo disse que representava um investimento na ordem de “centenas de milhares de euros”. Por que não especifica o valor?
FE: Prefiro não falar muito de números. É um investimento na ordem das centenas de milhares de euros por ano. Não é nada de especial para um projecto deste tipo. Estamos a falar de pouco dinheiro tendo em conta que se trata de um projecto ambicioso, mas extremamente racional. Somos uma startup, mas queremos estar aqui muito tempo. Temos de gerir o dinheiro com racionalidade porque sabemos que ele é finito. Adoptamos a política de small steps. Os lucros que chegarem serão integralmente investidos no desenvolvimento de novas tecnologias, no desenvolvimento de parcerias para a construção de mecanismos e de ferramentas de inteligência artificial.
M&P: Quando é que o projecto estará financeiramente equilibrado?
FE: Gostava muito que isso acontecesse no final do primeiro ano. Muitas vezes as pessoas põe o dedo no ar e vêem de onde o vento está a soprar e fazem estimativas. Não posso garantir que dentro de três ou seis meses o projecto esteja a dar dinheiro. Acredito que há condições para que dentro de um ano possamos estar tranquilos financeiramente e estar já a reinvestir os valores, que entretanto arrecadamos, no desenvolvimento do projecto, contratação de melhores recursos humanos e no desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial.