Hugo Veiga (ao centro) acompanhado por parte da equipa da agência
“Existe uma atrofia criativa” no mercado português
A AKQA São Paulo, que tem Hugo Veiga como um dos fundadores e director criativo executivo, entrou para o restrito lote de agências a conquistar dois grandes prémios numa só edição do Cannes Lions. O criativo português explica os projectos e, a pedido do M&P, analisa o estado da criatividade nacional.
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A AKQA São Paulo, que tem Hugo Veiga como um dos fundadores e director criativo executivo, entrou para o restrito lote de agências a conquistar dois grandes prémios numa só edição do Cannes Lions. A última vez que uma agência brasileira alcançou o mesmo feito foi em 2013. Hugo Veiga lembra-se bem porque, tal como agora, o nome do criativo português estava na ficha técnica de um dos projectos distinguidos. E ambos os grandes prémios tinham criatividade portuguesa. João Coutinho, agora director criativo executivo da VMLY&R para a América do Norte, estava com Hugo Veiga na Ogilvy São Paulo e a agência recebeu a distinção máxima em Titanium e Promo & Activação com os projectos Retratos da Real Beleza para Dove e Fãs Imortais para Sport Club Recife. A pedido do M&P, o criativo português explica os projectos que lhe valeram este ano a distinção máxima em Cannes e analisa o estado da criatividade nacional.
Meios & Publicidade (M&P): Como surgiu o projecto que venceu o grande prémio em Entertainment for Music e como foi o processo de criação?
Hugo Veiga (HV): O projeto do Bluesmen surgiu por intermédio de um dos directores de arte da AKQA, que é também fundador do maior festival de música 100% brasileira, o Coala. Ele conheceu o Baco e um work-in-progress do seu novo álbum, partilhou com a gente e, dado o poder das suas letras, decidimos ajudar a difundir a mensagem. O intuito do projecto foi usar semiótica (design e fotografia) para empoderar a comunidade negra no Brasil. Todas as peças foram pensadas junto com profissionais negras da AKQA e com o Baco. O filme teve muitas das suas cenas gravadas na Ocupação 9 de Julho, símbolo de resistência de emigrantes e refugiados negros no Brasil. A produção teve o cuidado de dar aulas de capacitação a alguns dos jovens.
M&P: E o projecto Air Max Graffiti Stores para a Nike?
HV: Para Nike, quisemos criar uma acção que, assim como Air Max, estivesse intimamente ligada à cultura de rua e à sua personalidade transgressora. Assim, Air Max Graffiti Stores hackeou dois contextos. Primeiro, o governador João Doria abriu guerra aos grafittis. Segundo, existe uma lei em São Paulo, a Lei da Cidade Limpa, que não permite media out-of-home de grandes dimensões. A forma como hackeamos o primeiro ponto foi actualizando os graffitis que sobreviveram. Os autores de cada obra iam lá e pintavam os novos modelos nos pés de graffitis existentes. Um novo modelo dos ténis foi lançado a cada semana. Os consumidores que desejassem comprar os produtos precisavam ir até os graffitis e, pela aplicação da marca no smartphone, desbloquear a compra no e-commerce da empresa usando a ferramenta de geolocalização.
Depois de quatro semanas, saiu a notícia de que o Doria foi condenado por ter destruído centenas de graffitis. Aí, como tinhamos respaldo legal, falamos com quatro dos maiores grafiteiros de São Paulo e pedimos para eles trazerem personagens que tinham sido apagados pelo Doria. E aí, criamos um mural com seis personagens que tinham sido destruidos, usando seis novos modelos. Esse mural gigante de 40 metros fica entre o MASP (maior museu da América Latina) e o mirante 9 de Julho. Ou seja, a nossa media tornou-se uma herança cultural para São Paulo e símbolo da street art. Sobre a questão da Lei da Cidade Limpa, com esta ideia conseguimos driblar essa lei e ter out-of-home gigantes nas paredes da cidade. Como resultado, as visitas ao seu site cresceram 22% no mês da acção (em Fevereiro deste ano). As vendas, por sua vez, aumentaram 32% em comparação com o ano anterior no mesmo período.
M&P: Foi a primeira vez que a AKQA São Paulo coquistou grande prémio e logo em dose dupla. O que representa este duplo grande prémio para a agência?
HV: É uma felicidade enorme, mas estamos conscientes de que nada mudou de há duas semanas para esta. Existem valores e uma cultura que são o epicentro de tudo o que fazemos. E não vamos deixar-nos iludir com reconhecimentos da indústria. O nosso maior foco continua a ser produzir ideias de impacto, inovadoras e de alcance global. Esperamos que, com estes reconhecimentos, mais marcas nos venham procurar com esse mesmo nível de ambição criativa.
M&P: A última vez que uma agência brasileira conseguiu dois grandes prémios numa só edição foi a Ogilvy, em 2013. Um deles foi para o trabalho Retratos da Beleza Real para a Dove e o outro também teve criatividade portuguesa, Fãs Imortais para o Sport Club Recife, assinado pelo João Coutinho. Quais são os segredos para chegar a leão?
HV: Creio que um grande prémio é o culminar de diversos factores e, claro, uma pitada de sorte. Os dois grandes prémios da Ogilvy em 2013 foram o coroar de um processo que se iniciou em 2009, com contratação de profissionais muito talentosos e uma busca por projectos de classe mundial. Ou seja, o ecossistema da agência em 2012/13 era muito criativo. A AKQA é um organismo completamente diferente do da Ogilvy dessa época, no entanto, desde que abrimos, possuímos uma obsessão semelhante por busca de ideias inovadoras. Creio que o segredo dos nossos leões é a nossa cultura. Um ambiente familiar que se pauta pelo respeito, pelo cuidado e pela paixão na busca de ideias de impacto social e no negócio. Uma parceria sincera e transparente com todos os nossos clientes. E a escolha de parceiros que abraçam as nossas ideias com paixão.
M&P: Olhando para os grandes prémios e ouros deste ano, há muitas causas sociais, questões ligadas à acessibilidade de pessoas com deficiência e soluções para saúde, questões raciais, desde o vosso Bluesman ao Dream Crazy da Nike. O que mais ficou na retina neste edição e que tendências identifica na publicidade actual?
HV: Como puderam ver, as ideias “purpose driven” são as mais premiadas. Controlo de armas, igualdade feminina, LGBT, aquecimento global, masculinidade tóxica, acessibilidade, racismo… Com a descrença nos políticos e o medo de ver o mundo caminhar para um lugar escuro, as marcas têm procurado moldar a conversa. É uma missão importante e relevante para as marcas pois estas são organizações com poder de impacto real na sociedade. Fico feliz por ver marcas transcenderem a publicidade para criar as suas próprias medias e novidades. Mas não podemos exagerar na componente de purpose e alienarmo-nos do negócio. Afinal, existimos para elevar a relevância da marca para os seus consumidores.
M&P: Depois de um ano de 2018 em que, pela primeira vez em 10 anos, não houve nenhum leão para Portugal, a prestação das agências portuguesas este ano foi ainda mais fraca: novamente nenhum leão e apenas um trabalho em shortlist. Como analisa este desempenho?
HV: Vou responder com base no que vou vendo partilhado nas redes sociais, por isso, se estiver a falar uma baboseira, atirem pedras. Não tenho dúvidas do talento de inúmeros profissionais do mercado, mas existe uma atrofia criativa. O mercado pautou como qualidade o que de melhor se faz por lá e, como prova Cannes, esse melhor está longe de ser bom. Vejo muita media tradicional a ser aplaudida, líderes que não se reinventam e clientes acomodados. O mercado precisa de um grande abanão, de uma business transformation. Como português, teria muito orgulho em ver mais agências portuguesas brilharem nos palcos mundiais.