Está descoberto o melhor algoritmo
Artigo de opinião de Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital
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Vêm aí eleições. E apesar de um momento marcante na nossa democracia, a reflexão em torno de que notícias passam pelos nossos feeds e resultados de pesquisa não deve ser por isso ocasional, antes deve estar na ordem do dia hoje, nas eleições, mas doravante sempre.
Voltemos ao passado. Cada órgão de comunicação social obtém uma licença e deve dotar-se dos meios para difundir (papel, rádio, etc.), possuir uma redacção, respeitar a deontologia da profissão, etc. O mercado na prática está (auto) regulado. E o que vem na capa, o que abre o Jornal das 8, é decidido, debatido, curado por pessoas. E sabemos quem são. Têm nomes que vêm na ficha técnica.
Mas na web tudo mudou. O algoritmo passou a ser ‘ele’ quem selecciona o que eu vejo no feed do Facebook. Do Instagram. Do Google News. Acaso já reparou que o Facebook está a escolher e avisar nas notificações para “notícias que possam ser do seu interesse e não viu?”. Ou que para o sistema do seu telemóvel Android a Google faz o mesmo, com notificações push a notícias?
Mas um mergulho mais profundo sobre o tema alerta-nos para algo que a tecnologia está ainda com dificuldades em resolver: o que recomendar? Ou melhor, que critérios para ensinar o algoritmo a recomendar esta notícia e não outra?
Se perguntar a um jornalista ou a outro ou ainda a outro, verá que há uma base jornalística, e claro que também de audiência para essa reflectida curadoria. Se perguntar ao algoritmo ele rege-se apenas pela audiência e um critério-chave para todas as plataformas tecnológicas: retenção da audiência/retorno da mesma. O que provoca isto? Que enquanto a inteligência artificial não resolve o problema da curadoria (que dizem os especialistas estima-se só produza efeito daqui a cinco anos neste tema) se baseia a mesma grande parte deles nas interacções dos utilizadores: likes, comentários, cliques, partilhas (e também que não enviem os utilizadores para fora da plataforma).
Problema: é óbvio que há temas mais propensos a gerar emoções e reacções (como brilhantemente estudado por Jonah Berger e divulgado no seu livro e estudo Contágio), com isso provocando que se a notícia do crime vai ser propagada pelo algoritmo já a notícia sobre uma vacina que ainda não cura milagrosamente o cancro mas é uma clara evolução na luta contra a doença e esteja em testes, ou um evento cultural, ou um tema de política internacional de relevo, infelizmente estejam condenadas muitas das vezes ao quase esquecimento do algoritmo… e por isso da leitura de milhares de pessoas.
Se olharmos para o nosso exemplo na TVI24, bem como dos meus colegas nas restantes empresas de media, veremos como a nossa informação produzida é plural. Vamos do défice público aos temas de habitação, das greves às alterações climáticas, do futebol ao andebol ao hóquei. Mas o que são as notícias mais lidas? Depende… Depende da manchete. Mas a manchete hoje está nas mãos de cada um destes algoritmos. Como o tráfego em grande parte é originado pela distribuição e consumo fora do site/app da marca, será por isso pelo ‘critério’ do algoritmo que se validará o que faz mexer o clique e daí o que deve ser mostrado a mais utilizadores. Perde-se, portanto, pluralismo e há histórias que outrora funcionavam nas nossas homepages (quando representavam 40 e 50 por cento das entradas) que hoje escapam à vista, nem sequer são encontradas, lidas, vistas, porque não lhes chegam.
A partir daqui, vicia-se o sistema. Olham os editores para os analytics e notam que há temas que geram mais tráfego (fugi propositadamente à palavra “interesse”). Podemos continuar a produzir notícias de todos os temas. Mas no dia seguinte voltamos a ver o mesmo: os que geram sempre mais reacções e interacções (cliques, comentários, etc.) são por isso permanentemente manchete pelos algoritmos.
Por que é isto relevante? Porque sem uma preocupação em torno deste crime do algoritmo estaremos condenados a ter um pluralismo na sombra. E o tempo passa. E se o algoritmo que selecciona os resultados de pesquisa ou os posts da família e dos amigos falha na curadoria noticiosa que deve chegar a todos nós, isso deve ser encarado de frente e encontradas outras soluções.
A começar, desde logo, pela nossa consciência para o tema. Não nos habituando só a ‘esperar’ pela magia do algoritmo mas talvez a regressarmos ao velho hábito de visitar os websites, instalar as apps e – magia – a confiarmos no melhor algoritmo de todos: o nosso, o da nossa escolha pro-activa.
Artigo de opinião de Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital