“Vislumbrei que seria possível crescer, mas nunca vislumbrei uma multinacional nos quatro continentes”
Com uma faturação de €70 milhões em 2024, metade no Médio Oriente, a Multilem prepara-se para abrir, na China, o nono escritório fora de Portugal

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Pedro Castro e o irmão, José Castro, começam a Multilem em 1986, com os stands de apresentação no Palácio de Cristal, no Porto, das empresas nacionais com relações comerciais com o Reino Unido e vice-versa, por ocasião da visita a Portugal dos Príncipes de Gales. Nenhum dos dois tinha experiência nem conhecimento da área.
Em entrevista exclusiva ao M&P, Pedro Castro, CEO da Multilem, explica como é que faz evoluir o negócio dos stands para a atual abordagem centrada na experiência de marca, incluindo eventos e ativações para marcas. Fala ainda sobre a internacionalização, com o reforço da aposta nos Estados Unidos, iniciada em 2024, e a abertura de um escritório na China.
Aponta ainda o maior desafio e oportunidade no setor das experiências de marca – a falta de espaços para eventos em Lisboa – e assume os valores pelos quais se rege: o cumprimento de prazos, a qualidade dos acabamentos e a felicidade e bem-estar dos funcionários da Multilem.
Recentemente, a Mutilem ganha dois prémios na China, com o Festival Lai Ba Saudi Travel, e outro em Los Angeles, com o expositor da Embratur na Travel & Adventure Show. São prémios aos quais vocês se candidatam?
Não, são prémios atribuídos, raramente nos candidatamos. Os prémios na China [Promoção Anual de Turismo no Estrangeiro, atribuído pela Jiemian News; e Melhor Caso de Marketing Transfronteiriço (2023-2024), pela Advertising Billboard] foram com o maior evento de sempre que já fizemos, em Pequim, no Temple of Heaven, que é um símbolo da cidade. Já tínhamos feito vários stands e trabalhos na China, mas não da relevância deste.
Foi para que cliente e o que é que fizeram?
O cliente era o turismo da Arábia Saudita, para apresentar o país como destino turístico na China. Houve várias atuações de bandas de música local e da Arábia Saudita, e stands de apresentação de cerca de 30 destinos na Arábia Saudita.
São destinos turísticos que estão em construção, com ‘resorts’ de ultra-luxo construídos do zero, com todas as comodidades possíveis e imaginárias, cidades inteiras, hotéis e spas. O evento principal teve 500 mil pessoas e incluiu discursos do ministro do turismo da Arábia Saudita e do ministro do governo chinês.
A Multilem existe desde 1986. A cadência de prémios tem sido constante ao longo destes 39 anos ou o reconhecimento demorou a chegar?
Demorou. Começámos de uma forma engraçada: com um anúncio que vimos num jornal. Vinham a Portugal os príncipes de Gales, o príncipe Carlos e a princesa Diana, para celebrar os 500 anos da Aliança Portugal-Inglaterra.
Ia ser feita uma exposição com empresas portuguesas que trabalhavam com a Inglaterra e empresas inglesas que trabalhavam com Portugal. O anúncio pedia uma empresa que pudesse concorrer a isso. A Multilem é criada para concorrer a esse evento no Palácio de Cristal, que ganhámos.
Qual é a origem da denominação Multilem?
Na altura, a maneira melhor e mais comum de fazer stands era com perfis de alumínio e havia um muito revolucionário, o LEM System, que permitia fazer múltiplos ângulos.
Como é que evolui para uma agência de experiência de marca e ativações?
A atividade de stands de alumínio não é muito criativa, mas rapidamente percebemos que a nossa praia era criar, fazer projetos personalizados. Ganhámos um primeiro cliente muito bom, a Revigrés, e passámos a fazer-lhes os eventos e os stands para as feiras internacionais. O crescimento da Multilem foi muito mais com empresas do norte e centro do que de Lisboa.
Da Rank Xerox para as feiras
Funda a Multilem com o seu irmão. O que é que faziam antes?
Comecei na Rank Xerox a vender fotocopiadoras e o meu irmão tinha outra empresa, que hoje em dia é a holding das nossas empresas, e dedicava-se à construção e obras de renovação de interiores, que continuamos a fazer, mas só para escritórios de empresas que sejam nossos clientes.
Qual é o aspeto mais distintivo da Multilem?
A qualidade de acabamentos e o cumprimento de prazos. Por exemplo, se a feira abre a uma quarta-feira, na terça-feira de manhã temos tudo pronto.
Em todas as atividades, em princípio, o prazo não é decisivo. A obra de uma loja ou de um escritório se não fica pronta numa semana, fica na semana seguinte. Num evento não podemos dizer ao Presidente da República “se não se importa, venha antes amanhã porque houve aqui um problema com a alcatifa”.

“Eu e o meu irmão estamos a começar a desligar, porque é preciso juventude e frescura em todas as áreas da empresa”, avança Pedro Castro, CEO da Multilem
Quando viu o anúncio no jornal largou a Rank Xerox e qual foi a ideia que teve?
Depois da Rank Xerox, ainda trabalhei numa empresa de móveis de escritório e depois é que mudei realmente para a Multilem. Depois do evento dos príncipes de Gales, não sabíamos se íamos continuar, porque era um mercado que desconhecíamos em absoluto.
Mas, com o dinheiro que ganhámos, dava para iniciar a atividade e abrimos um escritório no Porto, que era mais forte em feiras do que Lisboa. Na altura ganhámos clientes no Porto e no centro, da zona da Anadia, como a Sanitana e a Revigrés, e o mercado de feiras no Porto mais rapidamente se tornou apetecível para fazer ‘stands’ personalizados do que Lisboa. Até que ganhámos a Renault França, que foi um cliente decisivo e aprendemos imenso com eles.
O que é que aprenderam com a Renault?
Na altura, levávamos as madeiras e os materiais e construíamos os stands na própria feira. Os franceses disseram: “não pode ser assim, não é como nós construímos. É preciso levar as coisas já feitas e o ideal é terem sido pré-montadas”.
Isto era completamente revolucionário, ninguém fazia isso. A primeira vez com a Renault não correu bem, porque nos atrasámos. Foi com eles que aprendemos o que é o último dia do prazo: eles diziam, na brincadeira, que o último dia é para comer camarão tigre.
Como é que se dá o início da expansão com escritórios fora de Portugal?
Sempre fizemos stands para empresas portuguesas em feiras no estrangeiro. A internacionalização começa em 2009, quando ganhamos um trabalho para o AICEP: o pavilhão de Portugal na FILDA, uma feira multissetorial em Angola. Quando a FILDA acaba, ganhamos o prémio de melhor stand e o diretor da feira disse que não íamos sair de Angola e que íamos criar a Multilem Angola.
Angola continua a ser um mercado relevante?
Temos um escritório com 35 pessoas, mas o mercado já não é o que era. Trabalhamos muito com a Teixeira Duarte, fazemos os ‘showrooms’ da Toyota e stands em feiras para empresas petrolíferas, por exemplo.
O início no Dubai com a Visa
A Multilem está com projetos e escritórios no Dubai e na Arábia Saudita. É uma opção deliberada ou é resultado de uma circunstância?
Foi uma circunstância. Um amigo disse-nos que a sobrinha dele, que tinha trabalhado com stands na Líbia, ia viver para o Dubai com o marido e sugeriu-nos abrir a Multilem no Dubai. Fomos lá conhecer a sobrinha dele e um potencial sócio, um alemão que vivia no Dubai. Não gostámos nada do alemão, mas gostámos imenso dela e abrimos a Multilem com ela. Tínhamos zero clientes.
Qual foi o vosso primeiro cliente?
A Visa, o cartão de crédito, que ainda hoje é um dos nossos melhores clientes. Fazemos para eles grande parte dos eventos no Médio Oriente, que é onde a Visa investe mais dinheiro, mas também na EMEA, que inclui a Europa e África, além do Médio Oriente. Continuamos a fazer eventos em África, onde a Visa é patrocinadora do campeonato de futebol Taça das Nações Africanas (CAN).
Como é que evolui dos stands para as experiências de marca e eventos?
Chegámos à conclusão que tínhamos de ter uma equipa permanente, que respondesse aos desafios das montagens dos eventos. Começámos a ter uma equipa grande – porque não só desenhamos, como concebemos, produzimos, montamos e acompanhamos –, o que nos trouxe outro problema: não há praticamente feiras em julho, agosto e setembro, e tínhamos de dar trabalho às pessoas.
A sazonalidade das feiras fez com que começássemos a fazer eventos, que é uma extensão do que já estávamos a fazer. Sobretudo porque tínhamos o mais importante: o rigor com os prazos e a confiança dos clientes.
Nessa época, a Multilem tinha um perfil mais discreto, comunicava menos o que fazia?
Comunicávamos pouco, porque andávamos sempre atrás do próximo evento e não havia tempo. Ainda hoje é muito difícil. Começámos há muito pouco tempo com uma equipa de marketing.
Antes da LLYC, já tinham trabalhado com outra agência de comunicação?
Tivemos antes uma agência de comunicação, mas eles ligavam e nós não tínhamos tempo. Durante muitos anos, era eu, o meu irmão e um ‘account’. Hoje temos dez ou 12 ‘accounts’. Tinha coisas boas e más. Tínhamos menos clientes, mas com um maior volume de faturação, o que é perigoso quando se perde um cliente.
Nunca investimos nem tivemos muito tempo para a comunicação, o que é pena, porque as pessoas não fazem ideia de uma empresa sediada na Azambuja, que tem oito escritórios no mundo.
O que é que muda para sentir essa necessidade de comunicar? Há mais concorrência?
Não é bem isso. Há mais concorrência, mas para o nicho e serviços que prestamos não há muita concorrência. Não quero ser arrogante, mas estamos num nicho de mercado de grande qualidade de acabamentos e preocupação com o impacto que as coisas têm. Ou seja, temos a concorrência de uma agência que cria, mas depois não constrói. Isto dá-nos algum benefício.
A Multilem também faz a parte estratégica?
Exatamente, que os clientes pedem cada vez mais. Mesmo que uma empresa tenha uma equipa própria, acaba por se viciar no mesmo olhar. Temos 20 e tal designers e existe sempre uma frescura diferente. Mesmo assim, às vezes, o trabalho pode ser repetitivo.
Mudámos completamente o paradigma. Quando começámos, as empresas que havia construíam stands, nem sequer criavam. Começámos a criar, fomos os primeiros a contratar designers, que fomos buscar às agências. Depois fomos sendo conhecidos ou reconhecidos pelo público, mas nunca ligámos muito à comunicação.
Por que razão instalou a Multilem na Azambuja?
Precisávamos de um lote grande e não tínhamos dinheiro, porque o que fazemos é com o dinheiro que vamos ganhando. Nem o meu irmão nem eu estamos ricos, nem é esse o objetivo. Temos estado sempre a investir.
No ano passado, abrimos nos Estados Unidos, agora vamos abrir na China. O dinheiro que vem e sobra é sempre reinvestido, para tentar gerar mais riqueza e dar melhores condições aos funcionários.
Quem é que são os acionistas da Multilem?
Eu, o meu irmão e o Luís Matos Chaves, que trabalhava no BPI, depois foi para o Deutsche Bank e mais recentemente estava em Nova Iorque, também a trabalhar na banca. Eu e o meu irmão estamos a começar a desligar, porque é preciso juventude e frescura em todas as áreas da empresa.
Dividimos a empresa em unidades de negócio independentes, com um CEO, e temos uma holding, onde o Luís é o CEO do negócio de Portugal. Na holding, sou o CEO, o meu irmão é o presidente e o Luís é o CFO.
Não tenho preconceitos com a idade, mas a maneira de trabalhar e de comunicar, e a idade e a cabeça dos nossos clientes, não são a minha cabeça. Faz muito mais sentido que haja uma abordagem de juventude.
Expansão no pós-pandemia
Como é que atravessam a pandemia com as feiras e os eventos cancelados a nível mundial?
A pandemia foi decisiva. Ninguém fazia eventos e tínhamos cento e tal funcionários. Parámos a 100% e falámos com as pessoas: “despedimos parte das pessoas ou ficamos todos, baixamos um bocadinho os ordenados e esperamos para ver o que é que acontece?”. Toda a gente disse que não se despede ninguém e ficámos todos, mesmo as pessoas que estavam a prazo.
O que é que acontece a seguir?
O Estado ajudou com o lay-off simplificado, mas mesmo assim tínhamos de pagar uma parte e assumir uma data de custos terríveis, porque queremos ter bons profissionais e a maioria das pessoas não quer viver na Zambuja – porque têm os maridos, as mulheres ou os filhos que trabalham ou estudam em Lisboa. Portanto temos uma frota de carros enorme, um custo que tivemos de assumir.
Começámos a fazer eventos online, meio a brincar, nunca tínhamos feito nem deu muito dinheiro. Mas deu para as pessoas trabalharem e depois a pandemia passou, estávamos ávidos por trabalhar e a faturação mais do que dobrou no primeiro ano a seguir.
Este período também permitiu, a mim e ao meu irmão – que tem 68 anos e é um pouco mais velho do que eu, que tenho 65 anos –, pensarmos que, mais tarde ou mais cedo, a empresa não pode ser nossa e precisamos de sangue novo.
Qual é a razão da abertura de um escritório na China, o nono país da Multilem?
Fizemos o evento na China com um sucesso enorme e fomos desafiados por um parceiro local, que é sempre o nosso modelo: ter alguém local que puxe a carroça e que se saiba mexer. Não vamos à louca para um sítio, tirando os Estados Unidos, onde não temos um sócio local, mas há uma pessoa que é nossa sócia que se vai mudar para lá.
Já estamos em Miami com um armazém, oficina e escritório, e temos algum negócio. Em 2024, faturámos €3 milhões, só nos Estados Unidos. Mas no ano passado sofremos imenso. Foi de cá um ‘stand’ com mil metros quadrados para uma feira de petróleos no Brasil – um dos nossos grandes clientes é o Governo do Brasil – e os contentores atrasaram. À última da hora, tivemos que adjudicar e fazer lá um ‘stand’ de raiz, com um prejuízo de €600 mil.
Nos Estados Unidos, com a guerra comercial e de tarifas, a Multilem vai fazer os ‘stands’ lá, em vez de os enviar feitos em Portugal?
Já estamos a fazer isso. Ainda agora fizemos, em Boston, a Seafood, que é uma feira grande de marisco.
Que outros clientes têm nos Estados Unidos?
São muitas empresas brasileiras da APEX [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos], que é o equivalente ao nosso AICEP e fazemos todos os ‘stands’ e visitas de chefes de Estado do Brasil e ministros à América do Norte – inclui Canadá, Estados Unidos e México –, na Europa e em África.
Fazemos coisas como a Casa Brasil, em que nos pedem, por exemplo, para arranjar um espaço em Nova Iorque, onde durante uma semana ou dez dias se promovem produtos de marcas brasileiras. Já fizemos também em Londres e em Lisboa, em 2024.
Metade da faturação é no Médio Oriente
Qual é o peso dos mercados externos na faturação e quanto é que representa cada geografia?
A maior de todas, em 2024, foi o Médio Oriente, que é um ‘hub’ que inclui o Dubai e a Arábia Saudita. No ano passado, a Multilem consolidada faturou à volta de €70 milhões e o Médio Oriente, onde começámos há dez anos, representou 50%.
Portugal representa cerca de 40% e depois os restantes 10% divide-se entre Angola, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos – que é o maior nestes 10% – e Brasil. No ano passado, grande parte da faturação dos Estados Unidos foi faturada em Portugal, porque estávamos a constituir a empresa, só tínhamos o escritório e o armazém, e não estávamos prontos a faturar. Em Espanha ainda não conseguimos crescer ao ritmo que queríamos.
Qual é o problema em Espanha, que normalmente é mais fácil pela proximidade geográfica?
Não é preguiça nossa. Fomos para Espanha desafiados, mas andávamos sempre a correr. Tínhamos um grande cliente em Espanha, a Vodafone, para quem fizemos dois stands no Mobile World Congress, em Barcelona, e depois eles deixaram de ir.
Tínhamos outro grande cliente, a Google Espanha, que é completamente fora da caixa e com uma relação de confiança total: chegam e dizem “tenho este dinheiro, quero fazer isto e aquilo, faz-me o projeto”.
Mas devíamos ter tempo e meios para explorar mais. A Google no Reino Unido faz imensos trabalhos, mas nunca nos dedicámos especialmente a isso. Há dois anos, abrimos o escritório de Londres, que também entra nos 10% da faturação que referi, e terá faturado cerca de €1,5 milhão.
Como é que chegam à Arábia Saudita e se conseguem distinguir?
A história é engraçada. Ganhámos a Saudi Arabian Military Industries (SAMI) e fizemos vários eventos que correram bem. Na Arábia Saudita existe um ministro único para o turismo e para a defesa – só na Arábia Saudita é que isto pode acontecer.
Propusemos ao ministro que nos consultasse, para fazermos uma feira de turismo, uma vez que eles nunca tinham participado numa feira de turismo.
Com tantas restrições, nomeadamente no que diz respeito às mulheres, fazia sentido promover o turismo?
Já não há assim tantas restrições. A certa altura, o MBS [Mohammed bin Salman], o príncipe que manda, decidiu abrir a Arábia Saudita ao mundo, porque o petróleo vai acabar e eles têm de começar a fazer qualquer coisa. O país é lindo, absolutamente incrível.
Como fazíamos os eventos de defesa, fomos a uma reunião com o CEO da Saudi Tourism Authority mostrar o nosso portefólio e ele disse: “é isto que vocês querem fazer para nós? Acham que alguma uma vez vamos adjudicar-vos alguma coisa? Nunca fomos a uma feira de turismo, acham que é isto que vamos querer? Isto é super ‘boring'”.
Dissemos que fazemos tudo aquilo que os clientes pedem: se eles pedem ‘boring’, fazemos ‘boring’. Mas, se pedirem outra coisa, fazemos. Eles queriam ir à maior feira de turismo do mundo, a ITB em Berlim, mas já não havia espaço. O único espaço que a feira deu era fora dos pavilhões, num parque de estacionamento.
Fizemos um projeto de €4 milhões, todo ‘prá frentex’, completamente diferente. Montámos tudo, mas a feira foi cancelada por causa da pandemia. Pensei que íamos falir porque não nos iam pagar. Nenhum saudita foi lá ver, porque entretanto fecharam as fronteiras, mas pagaram-nos e engraçaram connosco. Daí para a frente já fizemos sete grandes feiras.
O que é que aconteceu ao pavilhão?
Guardámos os móveis, aquilo que dava para aproveitar, e o resto foi para lixo.

O stand do Turismo da Árabia Saudita realizado em 2020 para a feira ITB, em Berlim, que não chega a abrir, por causa da pandemia
As feiras estão em queda. Quais são as oportunidades nos eventos e nas ativações de marca?
As feiras estão em queda em Portugal, lá fora continuam a bombar. Tem a ver com o nosso mercado, que é muito pequeno e os custos são grandes. Há uma feira boa em Portugal, talvez, a BTL – porque dependemos muito de turismo –, e depois há pequenas feiras setoriais, mas não há investimento na criatividade.
É o espaço com uma alcatifa no chão e pouco mais. As feiras estão mais concentradas naquelas que são as mais reconhecidas e é onde as grandes empresas investem. Não fazemos coisas só nas feiras, também fazemos, por exemplo, em museus, como um projeto que fizemos para a APEX. Clientes do Brasil, trabalhamos também a Embratur, que é a parte turística, e fazemos todos os stands do Brasil nos Estados Unidos e na Europa.
O desafio da falta de espaços para eventos
Existem oportunidades para crescer em Portugal?
A grande oportunidade de negócio em Portugal – e nunca nos quisemos meter nisso nem vamos – é arranjar espaços. Se fosse mais jovem, antes de ir para outro país, ia arranjar espaços cá que possam acolher todo o tipo de eventos, sobretudo corporativos, que é a nossa área.
Estamos com um problema com a Google, que quer fazer um evento cá num dia específico em maio, e o único sítio que arranjámos é na antiga Carris, no Arco do Cego, mas não conseguimos encaixar lá 800 pessoas, mesmo montando tendas. Estamos em risco de não fazer este mega evento e há vários eventos que saem de Portugal porque não há espaços.
Se a Multilem não vai apostar em espaços, quais são as apostas?
É consolidar. O objetivo é os Estados Unidos, que abrimos no final de 2024, e consolidar essa aposta. Temos um problema com os vistos, que são muito difíceis e que com o novo presidente Trump mais difíceis ficaram.
Isto pode gerar algum problema porque precisamos de levar para lá alguns portugueses imbuídos do nosso ADN, dos valores da confiança, cumprimento dos prazos, qualidade de acabamentos e melhorar o trabalho sempre até ao fim. Nunca nada está pronto.
Se temos tempo para fazer ainda melhor, temos de o fazer, mas fazê-lo por nós. Muitas vezes digo “isto aqui não está bem, faça não sei o quê” e dizem-me “isso está escondido, ninguém vê” e eu digo “vejo eu”. Temos de ter brio naquilo que fazemos e não sei se o freguês vai ver ou não, mas preciso de estar contente com o resultado. Este ADN é essencial e mais ainda num país novo.
Quais são os outros objetivos?
Abrir na China. Já fizemos o contrato e vamos funcionar nas instalações do nosso sócio local, que é uma empresa destas áreas, porque precisamos de assegurar o conhecimento do mercado. Temos um evento absolutamente megalómano em cima da mesa, que estamos na final, ainda não ganhámos, que há de ser o primeiro grande cliente na China.
Vai deixar Portugal para segundo plano?
Portugal não está em segundo plano, continuamos a querer trabalhar com marcas e já trabalhamos com grandes marcas, como a Fundação Francisco Manuel dos Santos, a Fundação Oceano Azul, a Jerónimo Martins e o grupo José de Mello, por exemplo.
Qual é o cliente mais recente e quando é que entrou na Multilem em Portugal?
Talvez seja o ‘revival’ do Novo Banco no ano passado – já tínhamos trabalhado o Banco Espírito Santo – e a TAP.
Atração de talento, sustentabilidade e IA
Entre os temas na ordem do dia, há a questão da retenção e atração de talento. Na sua área é uma dificuldade?
É um desafio porque a retenção de talento é decisiva, e juro que isto não é conversa, porque a Multilem são as pessoas. Não sou eu nem os outros acionistas quem está em Boston, Xangai, Londres, Azambuja e Lisboa a fazer montagens.
Como é que faz para atrair talento?
É difícil, o mercado de trabalho está esgotado, não há pessoas disponíveis e temos imensa dificuldade em recrutar, sobretudo na área comercial e da criatividade. É uma área muito exigente. Tivemos pessoas fantásticas que davam a vida pela Multilem, mas que são casadas e têm filhos, e não podem estar o tempo todo fora de casa.
Temos pessoas que num ano dormem 250 noites fora de casa, porque andam em montagens ou em eventos. A nível de remuneração tentamos pagar melhor, este ano conseguimos dar um 15º mês de salário. Temos o compromisso de repartir parte do lucro da empresa por todos os trabalhadores.
Faz isso porque também não tem acionistas a exigir dividendos?
Não exigimos e gostávamos, mas há coisas mais importantes, como gerar algum bem-estar e alegria às pessoas que trabalham na Multilem, em vez de tirarmos dividendos. Tiramos no ano seguinte ou a meio do ano.
Na Multilem no Médio Oriente, por exemplo, recebemos os dividendos de 2023 esta semana, que vão ser para investir nos Estados Unidos e na China, ou para pagar alguns empréstimos que íamos fazendo, para financiar a atividade.

O Festival Lai Ba Saudi Travel, no Temple of Heaven, em Pequim, é um dos projetos da Multilem que Pedro Castro coloca entre os mais marcantes
Os stands têm muito desperdício e impacto ambiental. O que é que fazem a nível da sustentabilidade?
Temos uma grande preocupação com a reciclagem. Os bons clientes nunca querem ficar com nada. Tudo o que é audiovisuais, que é uma grande componente, são reutilizáveis e tentamos reutilizar os materiais de construção, as estruturas metálicas e as madeiras, em outros trabalhos.
Às vezes até sai mais caro reutilizar do que fazer de novo, mas temos essa consciência da sustentabilidade. Cada vez mais usamos materiais sustentáveis e com o menos possível de plástico e de pegada. Os clientes também já pedem propostas sustentáveis.
Não ser sustentável já não é aceitável?
Sim, para o tipo de clientes que temos. Se for num nicho de mercado mais baixo, em que a única coisa que interessa ao cliente é pagar menos, é completamente indiferente. Para as grandes empresas portuguesas e internacionais é absolutamente decisivo que digamos o que é que vamos fazer com o stand.
Estamos a tratar das certificações de que somos sustentáveis, para mostrar aos clientes que os restos dos stands não são lixo, não deixam uma pegada. Isso faz parte da consciência enquanto cidadão.
De que formas a inteligência artificial está a contribuir para a criatividade e crescimento do negócio da Multilem?
A inteligência artificial (IA) está a transformar profundamente a criatividade e o crescimento da Multilem, acelerando processos e ampliando as capacidades da equipa criativa. No design 3D e na construção de ‘storytelling’, por exemplo, a IA permite experimentar ideias rapidamente, explorar novos estilos e criar narrativas visuais mais coesas.
Por outro lado, a IA está a revolucionar as experiências de marca, tornando-as mais interativas e personalizadas. Mas na Multilem, a IA não substitui a criatividade humana, acelera a sua aplicação, possibilitando resultados mais rápidos e eficientes.
Com a integração da tecnologia no processo criativo, a empresa consegue oferecer experiências mais inovadoras, imersivas e significativas, elevando a relação das marcas com os públicos. Na parte da estratégia e da apresentação da proposta, do texto a explicar o projeto, também utilizamos.

O altar do Papa Bento XVI, no Terreiro do Paço, em Lisboa, é um dos projetos da Multilem de que Pedro Castro mais se orgulha
Quando começa a Multilem, projetava transformá-la no que é hoje?
Não. Quando fizemos os primeiros stands personalizados, ou seja, sem serem em perfis de alumínio, e começámos a perceber que os clientes confiavam em nós, vislumbrei que seria possível crescer, mas nunca vislumbrei uma multinacional nos quatro continentes – quer dizer, já fizemos umas coisas pequenas na Austrália.
Até gostava de poder dizer que estamos nos cinco continentes, mas ainda não fomos porque não temos meios, é preciso tempo para formar as pessoas. Sem ter esse ADN, é dar um passo em falso. Para os Estados Unidos, por exemplo, vai uma pessoa que trabalha connosco há dez anos, que é a Ana Fontes, que vai ser nossa sócia.
Não tenho estes recursos todos para ir abrir em mais sítios. Também queria abrir em França, que é um mercado fortíssimo em eventos. O nosso ‘calcanhar de Aquiles’ é Espanha. E não é só por não ter lá recursos, os espanhóis também são muito bairristas, adjudicam às empresas espanholas.
De que formas é que o seu percurso pessoal e profissional o moldaram e à Multilem?
Sou aquilo que as pessoas com quem tenho trabalhado me ensinaram a ser e me pediram que fosse. Não fui só eu que fiz a Multilem, foi tudo o que fizemos juntos, os desafios que vivemos e ultrapassámos. Este espírito de família tornou-me na pessoa que sou, com defeitos e qualidades, e uma enorme gratidão por todas as pessoas que trabalharam na Multilem, que é um bocadinho a minha vida.
Onde é que é imagina a Multilem no futuro?
Imagino uma empresa mesmo global, uma multinacional, que onde quer que o cliente esteja e precise, possamos responder-lhe. Já acontece em quatro continentes e gostava que isso pudesse acontecer no mundo inteiro, de uma forma suave, e que as pessoas tivessem melhor qualidade de vida. Quando há um de nós que vai embora porque a vida que tem põe em causa a sua vida familiar, para mim é uma grande tristeza.
Gostava muito de conseguir resolver esse problema, de repartir melhor esse esforço. Porque, às vezes, quanto melhor é a pessoa, mais confiança temos e mais pedimos. Gostava que as pessoas tivessem orgulho, fossem felizes e tivessem uma boa qualidade de vida é a regra número um -, que é mais importante do que distribuir os dividendos.
“Mercado de eventos é muito mais forte do que as ativações de marca”De todos os projetos que a Multilem já fez, qual é o mais emblemático? O que teve mais impacto, para mim e para muitas das pessoas que trabalharam na Multilem, foi o altar do Papa Bento XVI no Terreiro do Paço, porque foi arrasador. Fora de Portugal são os stands da Saudi Tourism e o evento na China. Trabalham eventos, expositores e ativações de marca. Qual destas áreas está com mais procura? As ativações têm muita procura, mas não têm o mesmo volume. Temos feito o Super Bock Super Rock, a parte da decoração do espaço, imagem e estratégia, mas é um volume muito mais pequeno. Fizemos o Novo Banco no Nos Alive no ano passado e vamos fazer este ano. É mais ativações na área da música, mas para o Banco Espírito Santo já fazíamos os balcões e sobretudo eventos, como o BES Photo, o Estoril Open, os encontros de quadros e a assembleia geral. Quais são as tendências nos eventos, stands e ativações, que considera relevantes ou que os clientes procuram mais? Sobretudo no Médio Oriente, existe muito a guerra pelos audiovisuais, em que o metro quadrado de ecrã é o mais importante. Gostam porque tem mais luz, é mais brilhante, tem movimento e vida, que para eles é importante. Temos milhares de metros quadrados de ecrãs LED no stand do Turismo da Arábia Saudita. O mercado de feiras tem vindo a baixar e tem subido muito o mercado de eventos e de ativação de marca. Não sei se foi da pandemia, mas cada vez há mais eventos. Em Lisboa, é impossível arranjar uma sala. Estamos a fechar espaços para 2026 e há uma data de espaços que já não estão disponíveis. Qual é a área mais forte, os eventos ou as ativações de marca? O mercado de eventos é muito mais forte do que as ativações de marca, porque muitas vezes as ativações de marca têm sítios específicos que acontecem num lugar, onde já há um evento principal. É mais fácil fazer porque já existe o espaço e já está marcado para o evento principal. Por isso, os eventos são de longe a área que cresce mais e que tem mais tendência para crescer. Na Multilem, quanto é que os eventos cresceram em 2024 face a 2023? Cresceram 40%. No ano passado fizemos um evento para a Teleperformance com 15 mil pessoas, só de Portugal. Antigamente, isto era impensável, não existia este tipo de eventos, é um mercado novo. |