Web 3.quê?
Há muito que se ouve, entre o registo cauteloso e o entusiasmado, a chegada da internet inteligente, a famigerada Web 3.0. É quase um mito urbano e parece que ainda ninguém sabe ao certo de que se trata ou quando chegará. Por enquanto, é só ficção científica com vontade de alcançar a realidade
Pedro Durães
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Há muito que se ouve, entre o registo cauteloso e o entusiasmado, a chegada da internet inteligente, a famigerada Web 3.0. É quase um mito urbano e parece que ainda ninguém sabe ao certo de que se trata ou quando chegará. Por enquanto, é só ficção científica com vontade de alcançar a realidade.
Um utilizador, uma pergunta, um resultado. É algo deste tipo que o conceito de Web 3.0 promete aos utilizadores, sendo que a pergunta pode ser mais complexa do que aquilo que hoje se consegue com os motores de busca, cujo motor de funcionamento são as palavras-chave e que devolvem uma imensidão de resultados. A resposta será então muito mais personalizada e estreita, com resultados distintos consoante o perfil do utilizador. Os especialistas acreditam que a próxima geração de internet tornará as pesquisas muito mais fáceis, rápidas e intuitivas já que uma espécie de web inteligente se encarregará de descodificar e analisar perguntas complexas e organizar resultados possíveis de acordo com as preferências do utilizador, descartando à partida resultados sem interesse para o internauta. Muitos acreditam até numa web a funcionar quase como um assistente pessoal, no qual nos apoiaremos para tomar as nossas decisões, um assistente que regista os nossos interesses à medida que navegamos e “serve” informação, fazendo sugestões de acordo com aquilo que sabe, pelo histórico, que gostamos ou não gostamos.
Mas tudo isto não passará de ficção científica e de um rol de desejos dos engenheiros informáticos que há muito teorizam e desenvolvem o conceito? O que se sabe afinal, e em concreto, sobre o que pode vir a ser a Web 3.0? “Ainda não se sabe. É um termo polémico, muito pouco consensual e com diferentes interpretações”, sintetiza Rodrigo Gralheiro. Na opinião do director-executivo da Proximity Digital, tratar-se-à mais de “uma declaração de intenções que tem como objectivo criar uma web mais inteligente e, por consequência, mais fácil de utilizar”. “Vejo-a como uma evolução tecnológica natural e, por isso, considero abusivos os termos 3.0 ou nova geração da web”, afirma. Na mesma linha de pensamento, David Reis, managing partner da Massive, agência digital integrada no WYgroup, considera que “ainda não existe uma definição concreta, mas é algo que nos aproxima do futuro, sendo um conceito relacionado com a capacidade dos sistemas agregarem e tratarem a informação disponibilizada na internet”. “À semelhança do que aconteceu com a Web 2.0, este é um conceito que pode demorar o seu tempo a amadurecer”, subscreve também João Fernandes. “Existem várias definições”, aponta o COO da View Isobar, enumerando “a Web Inteligente (Artificial), a virtualização da web (Cloud) e a Web Semântica”. “Na View Isobar temos trabalhado essencialmente nesta última dimensão, dotando os projectos de uma sensibilidade semântica que pode seguramente resultar numa experiência optimizada e com menos esforço para o utilizador”, explica.
É também nesta última definição que se detém David Reis. “A Web Semântica, como também é chamada, é uma extensão da actual internet onde os sistemas, com base nas informações disponibilizadas por todos nós, pelos nossos amigos e por outras fontes, conseguem interpretar e filtrar o que realmente é relevante e assim dar uma resposta mais eficaz e precisa às perguntas que fazemos”. “Basicamente, é dar significado à informação permitindo que computadores e pessoas colaborem melhor”, resume o managing partner da Massive. Também Erik Lassche, que considera o conceito de Web 3.0 “um buzzword inevitável após a invenção de Web 2.0”, foca esta vertente. “Quando falo sobre Web 3.0 refiro-me a algo chamado Web Semântica”, em que “todas as nossas interacções digitais criam informação e dados”, esclarece o CEO da Grand Union Portugal, explicando que se trata da “visão sobre o que acontece quando conseguimos ligar e linkar estes dados”. “É uma visão muito ‘data-driven’ que tem por base avanços tecnológicos e que, no resultado final para os utilizadores, é quase invisível”, refere, sublinhando que “o mobile é muito importante nesta visão, uma vez que nos permite estar sempre ligados”. “Nesta visão tecnológica os computadores até vão visivelmente desaparecer. A tecnologia está lá, só que não é visível, está no background, entraremos numa fase de ‘ubiquitous computing’”, acredita o profissional.
“Em resumo, fazendo uma comparação entre a Web 2.0 e a 3.0, se no primeiro caso quando fazemos uma pesquisa somos encaminhados para várias (ou demasiadas) opções, com a Web 3.0 vamos obter exactamente o que pretendemos, sendo a resposta concreta e personalizada”, esclarece David Reis. “A Web 3.0, também conhecida por Web Semântica, permite assim que diferentes agentes de software sejam capazes de ler e identificar os sentidos das palavras, de modo a relacionarem a informação entre si, mas também com os interesses das pessoas”, completa Aníbal Nogueira. De acordo com o CEO da Up Digital, do grupo Lift, “sustenta-se no software que vai aprendendo com o conteúdo que encontra na internet, que analisa com base em inúmeras variáveis e a partir do qual consegue extrair conclusões que são segmentadas de forma a poderem enquadrar-se com perfis que são construídos, diariamente, através das informações, hábitos e atitudes que são fornecidos pelos utilizadores, de forma consciente ou inconsciente”. “Em vez de sermos nós a refinar os termos da pesquisa, a Web 3.0 é capaz de o fazer sozinha, aproximando-se do mundo da inteligência artificial”, resume.
Para o responsável da Massive, David Reis, embora este seja ainda um conceito que remete para um futuro próximo, “também podemos considerar que algumas das novas realidades do meio digital integram o conceito de Web 3.0, como é o caso do ‘lifestream’, a personalização de algumas ferramentas como é o exemplo do iGoogle, a publicidade relacionada com o perfil e comportamento dos consumidores, a centralização da comunicação no indivíduo, todo o universo de aplicações e widgets, entre outras evoluções tecnológicas”.
Levar o marketing digital para outro nível
Para lá das possibilidades oferecidas aos utilizadores da internet, a evolução da web para este paradigma representará também inúmeras oportunidades para as marcas, do ponto de vista da comunicação e do marketing. Mas será que este é um conceito que, de facto, trará algo de novo ao relacionamento das marcas com os consumidores ou é algo que está sobrevalorizado? “Sem dúvida que o novo paradigma traz valor acrescentado para a comunicação, na medida em que existe a possibilidade de orientar os resultados das pesquisas para os interesses de cada utilizador”, afiança Aníbal Nogueira. O responsável acredita ser também “expectável que as redes sociais possam evoluir para uma forma de relacionamento mais inteligente, através do qual será possível apresentar pessoas, locais e interesses de uma maneira que nunca teríamos capacidade de fazer”. “Para isso teremos, no entanto, de abdicar da privacidade e não nos coibirmos de partilhar informação sobre nós. Só desta forma permitiremos que o software possa analisar, gerar e relacionar perfis”, sublinha, considerando que, “do ponto de vista do marketing, a Web 3.0 pode ser considerada como uma evolução do marketing emocional para um marketing mais colaborativo, cultural e espiritual”. Trata-se de “um estádio em que as empresas e marcas têm de prestar cada vez mais atenção ao consumidor, que, por sua vez, é cada vez mais esclarecido e preocupado, esperando que as marcas comuniquem de forma genuína e responsável”, conclui.
Do mesmo lado da barricada está Erik Lassche, considerando que “quem diz que o online é sobrevalorizado pensa em online apenas como um canal de comunicação, e não consegue ver a digitalização do mundo que está a acontecer”. “Penso que a grande mudança para as marcas é deixar de ver online apenas como um canal e ver como é estar presente num mundo digitalizado. Isso é o desafio da Web 3.0, uma web que é cada vez mais fluída”, aponta. Assim sendo, “esta evolução do mundo digital oferece grandes oportunidades para quem as consegue agarrar”, garante o profissional, referindo que o “fundamental aqui é ser muito data-driven como empresa e usar estes dados para determinar o que mostramos/fazemos a quem e em que contexto”. “No Web 3.0 comunicação não é apenas ‘histórias’ e ‘mensagens’ mas cada vez mais ‘data’ e ‘targetting’”, concretiza, lamentando o facto de que “há poucas empresas em Portugal a pensar desta forma na sua comunicação” e “há também poucas agências de comunicação a pensar desta forma”. Também Pedro Patrício, partner da Wiz Interactive, afirma que “não nos parece que seja sobrevalorizado, porque os números mostram que os acessos são cada vez mais feitos através de mobile devices. O social sharing é cada vez mais importante e existe todo um conjunto de negócios com base nesta premissa”, refere. Além disso, diz, “as pessoas querem ter acesso a informação on-the-go e on-the-spot e estão dispostas a avaliá-la e difundi-la junto da sua rede de pertença e influência. Isto tem um impacto crescente na forma como se faz comunicação e como se faz negócio, o meio é mesmo a mensagem”, garante. “O desafio actual para quem produz conteúdos é fazer com que estes cheguem a quem se destinam e que sejam relevantes para o utilizador, gerando não só apropriação como disseminação”, considera, antecipando que “a evolução lógica da web é facilitar este relacionamento”.
David Reis, por seu turno, embora acredite que “o conceito é bastante inovador”, frisa que este “não será implementado de um dia para o outro”. “É algo que vai ganhando forma e relevância, à medida que os sistemas informáticos se tornam mais sofisticados e disponíveis para o público em geral”. Mas o responsável não tem dúvidas de que “vai tornar a comunicação mais eficaz, mais próxima e relevante”. “Temos ainda de ter em atenção que actualmente toda a comunicação está centrada no consumidor, que passou a ser o meio de transmissão da mensagem, o que reforça ainda mais a importância da utilização de sistemas inteligentes que disponibilizam informação personalizada”, acrescenta, sublinhando que, por esse motivo, “é importante não ficar para trás e as marcas sabem disso”. “No futuro, quando o consumidor fizer uma pesquisa num motor de busca, já não vai encontrar centenas de resultados mas apenas um e, como é natural, as marcas querem ser esse resultado”, reforça. Também Filipa Caldeira, CEO Ibéria da Fullsix, enaltece o facto de que “enquanto hoje duas pessoas diferentes, ao realizarem a mesma pesquisa na web, obtêm o mesmo resultado, no futuro a web deverá identificar quem faz a pesquisa e devolver um resultado personalizado”. “Estamos numa época em que ‘being digital’ significa digitalizar a relação com os consumidores, muito mais do que digitalizar o produto”, destaca a responsável, indicando que “a Web 3.0, ao potenciar decisões baseadas em dados e conhecimento adquirido, irá elevar a digitalização desta relação para um outro patamar”. “A capacidade de reunir e ligar toda esta informação por forma a conseguir construir uma relação e, consequentemente, uma oferta totalmente personalizada para cada cliente é o grande desafio para as marcas num futuro próximo”, aponta.
“A web actual (sintáctica) está para a Web Semântica como o texto está para o hipertexto, é semelhante ao que já conhecemos mas com um potencial muito maior”, refere, por seu turno, Leonor Soczka, digital strategic planner da Wunderman Digital. Nesse sentido, ao nível das novas potencialidades, a profissional refere que, “a um nível mais simples podemos esperar ferramentas de social listening muito mais autónomas e completas do que aquelas que hoje usamos, capazes de fazer interpretações semânticas, e não meramente sintácticas, do que é dito pelos internautas”. “Isto aportará valor ao actual research sobre o que é dito no online e que serve de base para que muitas marcas compreendam a forma como os utilizadores as percepcionem e com elas se relacionem”, frisa. Além disso, enumera, “esta web mais inteligente trará grandes desenvolvimentos em termos de data mining que, a par da utilização do OpenID, permitirá dar um salto na qualificação de bases de dados para potenciar a eficácia do canal digital”. “Em termos de advertising podemos contar com grandes desenvolvimentos na compra de palavras por AdSense, que se tornarão mais e mais relevantes, bem como novas formas de product placement em conteúdos multimédia”, prevê Leonor Soczka.
Mais do mesmo… mas melhor
“Independentemente do conceito que adoptarmos, a Web 3.0 faz parte de um continuum evolutivo natural, e isso dá-lhe todo o sentido de que necessita”, afirma João Fernandes, dando conta de um processo que se faz caminhando e que, no fundo, não é mais do que um upgrade daquilo que conhecemos hoje. Como atestam os vários especialistas ouvidos pelo M&P, a Web 3.0 vem dar novo fôlego e profundidade às capacidades já disponíveis na Web 2.0. Ao nível da comunicação, quais serão então os elementos que poderão ser encaixados numa estratégia digital em Web 3.0 que não possam ser implementados na actual geração de internet? “O único aspecto estrategicamente relevante são os conteúdos, ou melhor, a sua qualidade e diversidade”, aponta o COO da View. “Um sistema deste tipo, capaz de se adaptar a um universo de interesses muito alargado, precisa de responder com um conjunto de conteúdos igualmente alargado”, refere, considerando ser “este um dos motivos porque muitos projectos web falham: trabalha-se muito a forma e muito pouco o conteúdo”.
Já Leonor Soczka exalta o facto de que, “com a potencial difusão de soluções Open Identity, teremos um território a explorar em termos de marketing relacional”. “Hoje os nossos utilizadores são quase todos anónimos, o que obriga as marcas a um tipo de comunicação one-size-fits-all no digital “ e “muitas vezes as marcas estão às escuras”, afirma, assegurando que “o conhecimento dos utilizadores traz um enorme potencial na adequação das mensagens aos diferentes perfis e tornará o digital um canal ainda mais relevante”. Aníbal Nogueira, por seu lado, faz sobressair “as aplicações de inteligência artificial”. “Poderemos vir a incluir acções que permitam obter conhecimento, gerado a partir da análise de relacionamento entre conteúdos, rasto da navegação pessoal e relevância, que os utilizadores imprimem enquanto navegam”, sublinha. “Obter dados sobre tendências, em antecipação aos utilizadores, e mesmo criar aplicações para obter previsões, com base na análise comportamental de uma pessoa ou de grupos de pessoas, são aspectos que deverão estar integrados numa estratégia de comunicação digital na Web 3.0”, antecipa o responsável. Pedro Patrício lembra que “a evolução da web é ditada pela evolução da tecnologia. A geo-referenciação e a sofisticação dos motores de busca vão permitir propor novas soluções aos nossos clientes”, indica. “Este é um ambiente que está em evolução todos os dias, ao contrário dos outros canais tradicionais. Em boa verdade, ninguém sabe como será o futuro da internet daqui a cinco anos”.
Por outro lado, Rodrigo Gralheiro, mais cauteloso, chama a atenção para o facto de que por enquanto a Web 3.0 é apenas um conceito, “não é uma realidade”. “O que para já se sabe, ou melhor, se especula, é que a web 3.0 terá um layer semântico e até de inteligência artificial. Na teoria será uma evolução positiva mas falta perceber como se concretizará”, alerta. “Antes sequer de se conseguir melhorar a adequação da comunicação ao consumidor e torná-la efectivamente personalizada, é preciso que se continuem a desenvolver, a aperfeiçoar as técnicas de processamento, integração e interpretação de dados”, sublinha o responsável da Proximity. Isto porque, diz, “apesar dos avanços constantes nestas áreas, está-se ainda numa fase inicial”. “Só quando dispusermos de ferramentas efectivamente capazes de revelar verdadeiros insights sobre os consumidores é que conseguiremos melhor adequar a comunicação”, refere. Daí que deixe claro que “a Web 3.0 ainda é algo do universo da engenharia”. “Só quando for concretizada e chegar ao consumidor é que poderemos avaliar. Não esqueçamos que estamos a falar de comportamento e por isso há um grau grande de imprevisibilidade”, avisa. “Para já nada indica que haja mais fragmentação, apenas mais e melhor disponibilização de conteúdos. Podemos por isso esperar que o conteúdo, tal como já tem vindo a acontecer, continue a ser rei”, conclui. Posição que Pedro Patrício assina por baixo: “Se o meu conteúdo for bom, se for comunicado de forma correcta, o meu potencial cliente vai querer recebê-lo e beneficiar dele. À partida, estes conteúdos vão ter maior afinidade com a pessoa em questão.”