Salários em atraso, acionistas em guerra e greve marcada para 10 de janeiro. O que está a acontecer no Global Media Group?
O mês de dezembro deveria ter sido de celebração no Global Media Group, com a comemoração do 159º aniversário do Diário de Notícias no passado dia 29 de dezembro. Esta […]
Sónia Ramalho
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O mês de dezembro deveria ter sido de celebração no Global Media Group, com a comemoração do 159º aniversário do Diário de Notícias no passado dia 29 de dezembro. Esta tinha sido a data avançada por José Paulo Fafe para apresentar uma reformulação profunda, com uma nova capa e novos conteúdos. Contudo, a realidade é bem mais sombria e os meses de novembro e dezembro foram caóticos no GMG com vários despedimentos, salários e subsídio de Natal em atraso e uma greve de dois dias que levou mesmo o Jornal de Notícias a ficar fora das bancas.
No primeiro dia de 2024, o Sindicato dos Jornalistas formalizou a greve dos trabalhadores do GMG para o próximo dia 10 de janeiro. Em causa está a exigência do “pagamento imediato das retribuições em falta”, neste caso do vencimento de dezembro, bem como do subsídio de Natal, e a remuneração devida aos prestadores de serviço a “recibos verdes”.
O pré-aviso abrange todos os trabalhadores do GMG, que detém órgãos de informação como Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo e TSF, entre outros, bem como todos os trabalhadores que, “não tendo um vínculo contratual celebrado com o Grupo, aí prestem serviço ou se encontrem cedidos a terceiros”, pode ler-se num comunicado divulgado no site do Sindicato dos Jornalistas.
O SJ convocou ainda uma greve, entre as 14h00 e as 15h00 do dia 10 de janeiro para todos os jornalistas, num ato de solidariedade para com os trabalhadores do DN, JN, O Jogo e TSF.
Como tudo começou?
No passado dia 15 de novembro, Marco Galinha cessou as funções de presidente da comissão executiva do GMG sendo substituído por José Paulo Fafe, que começou por anunciar várias mudanças e novas contratações. Mas o que aconteceu, no final de novembro, foi um anúncio da intenção de dispensar entre 150 a 200 trabalhadores face ao eventual risco de insolvência do GMG. A administração abriu um programa de rescisões por mútuo acordo para trabalhadores até 61 anos, com contrato sem termo, sendo as compensações divididas por 18 meses.
Numa nota interna, a situação do grupo foi classificada de “extremamente grave”, tendo sido atribuída a degradação da situação financeira ao “inesperado recuo do Estado português” face à compra das participações do grupo na agência Lusa ou à “injustificada suspensão da utilização de uma conta caucionada existente no Banco Atlântico Europa há cerca de 6 anos”.
Face a esta posição, o Governo manifestou perplexidade face às dificuldades financeiras alegadas pelo GMG para o não pagamento dos salários de dezembro, lembrando a intenção de “investimento no jornalismo” do novo acionista. Quanto ao negócio da Lusa, “tal operação tinha um propósito estratégico e, como é evidente, não podia ser encarada como a solução para problemas de tesouraria de curto prazo eventualmente enfrentados por um novo acionista”.
“Gera a maior das perplexidades que, após a entrada de um novo acionista num grupo económico – a qual foi acompanhada de declarações de investimento no jornalismo –, se tenha passado rapidamente para afirmações de sentido contrário, que culminaram no anúncio de que os salários do mês de dezembro não serão pagos na data devida”, revelou o Ministério da Cultura em comunicado.
Demissões em bloco
Face a toda a instabilidade e perante a ameaça de despedimento coletivo, as direções da TSF, do JN, d’O Jogo e do Dinheiro Vivo entraram em rutura e apresentaram a demissão. No caso da TSF, Rui Gomes, Rosália Amorim e Artur Cassiano tinham assumido funções há menos de três meses.
Face à demissão da direção da TSF, ficam suspensos até que sejam nomeadas novas direções para substituir as que apresentaram a demissão os espaços de opinião, como “Bloco Central”, transmitido ao final da tarde de sexta-feira, bem como os espaços diários “Café Duplo” e “Não alinhados”, que iam para o ar de manhã e ao final da tarde, respetivamente.
Diogo Agostinho, administrador com o pelouro da área comercial e dos eventos do grupo, também apresentou demissão, sendo a primeira baixa na administração de José Paulo Fafe.
O que dizem os acionistas
Perante toda a instabilidade vivida no GMG, os acionistas Marco Galinha, Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Mendes Ferreira divulgaram um comunicado a 29 de dezembro onde afirmam existir “uma situação de manifesto incumprimento por parte do World Opportunity Fund, Ltd., quanto a obrigações relevantes dos contratos e o cumprimento de outras responsabilidades”, demarcando-se assim de responsabilidades no atraso no pagamento dos salários aos trabalhadores.
Numa nota, os acionistas revelaram que “não deixarão de recorrer a todos os meios ao seu dispor para exercer os direitos legais e contratuais que lhes assistem e, bem assim, de tudo fazer quanto estiver ao seu alcance para restaurar a credibilidade do GMG e das suas marcas, honrando a história do Grupo e de todos aqueles que diariamente dão o seu melhor por um jornalismo de excelência”.
O que diz a comissão executiva
Perante esta posição, a comissão executiva do GMG classificou o comunicado de “insólito”, esclarecendo que “todas as decisões relevantes para o grupo, incluindo o plano de reestruturação, foram atempadamente apresentadas por esta Comissão Executiva ao Conselho de Administração, bem como, também, a todos os seus acionistas, tendo recebido deles, sem qualquer exceção, o seu pleno e inequívoco apoio”.
Na nota lê-se ainda que “no decurso da última reunião de acionistas, realizada a 15 de Dezembro último, e após esta Comissão Executiva ter apresentado um ‘raio X’ da situação financeira do grupo, e exposto algumas situações e procedimentos detetados que nos suscitaram sérias dúvidas quanto à sua legalidade e transparência, aproveitámos para solicitar aos acionistas que fizessem algum esforço financeiro no sentido de minorar a difícil situação existente a nível financeiro, pedido esse que foi liminarmente rejeitado, não se mostrando qualquer um deles disponível para tal”.
A Comissão Executiva decidiu realizar uma auditoria “a todas as decisões, operações e negócios que conduziram o Global Media Group ao estado atual, não sendo de descurar uma posterior decisão em recorrer a outras instâncias, no sentido de apurar eventuais responsáveis por situações menos claras e que indiciam em alguns casos uma gestão, no mínimo, pouco transparente.”
Até 2 de janeiro, a dívida do GMG à Autoridade Tributária e à Segurança Social é de “cerca de 7 milhões e 500 mil euros, estando a mesma a ser liquidada mensalmente através de um plano de pagamento ao abrigo do RERT (Regime Excecional de Regularização Tributária)” revelou a comissão executiva, avançando ainda que “a responsabilidade total pela existência da dívida é das anteriores administrações, tendo sido a mesma ‘herdada’ por esta comissão executiva”. O valor da dívida a fornecedores ronda “os 5 milhões de euros”, sendo que o GMG estima encerrar 2023 “com um prejuízo de cerca de 7 milhões de euros”.
O papel do World Opportunity Fund
Numa nota divulgada a 2 de janeiro, a comissão executiva do GMG revelou que “a realidade em que, de facto, vive o Global Media Group, nomeadamente tanto a nível de dívidas a fornecedores, como a receitas bem abaixo do que nos era assegurado, e ainda a procedimentos internos verdadeiramente à margem da lei, obrigou-nos a ter de promover um plano de reestruturação que, além da necessária contenção de despesas e da racionalização de meios, implica, por muito que isso nos possa custar, um claro ’emagrecimento’ a nível de trabalhadores”.
“Não pondo em prática esse plano, repetimos, estaremos inevitavelmente a conduzir o Global Media Group para uma morte mais do que anunciada há muito, e que apenas a irresponsabilidade e a recusa em encarar a realidade faz com que muitos não queiram ainda admitir”.
A comissão executiva revelou ainda que não é verdade que o World Opportunity Fund não fez qualquer investimento no GMG, revelando que “desde junho até ao momento, o WOF já investiu “cerca de 10,2 milhões de euros no GMG”, foi revelado pela comissão executiva.
O WOF detém 51% de duas empresas – Palavras Civilizadas e Grandes Notícias – sendo que os acionistas Marco Galinha e António Mendes Ferreira são detentores dos restantes 49%. Por sua vez, estas duas empresas possuem 50,2% da Global Media, ou seja, o WOF tem uma participação indireta de 26% no GMG. Além das Páginas Civilizadas e da Grandes Notícias, o capital social do GMG é detido em 29,35% pelo acionista Kevin Ho e 20,40% pelo acionista João Pedro Soeiro.
O que diz a ERC
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tem acompanhado o caso e referiu, em comunicado, que “a grave perturbação que atinge os órgãos de comunicação social que constituem o grupo, entre os quais se encontram vários meios históricos e de referência, suscita apreensões sérias do regulador ao nível da preservação do pluralismo no sistema mediático nacional”.
No mesmo comunicado, a ERC revelou ter pedido informação adicional sobre o “cumprimento das obrigações de transparência da titularidade, de modo a esclarecer dúvidas relativas à propriedade e responsabilidade pelo controlo deste grupo de média”.
Em causa está o World Opportunity Fund, um fundo sedeado no paraíso fiscal das Bahamas e controlado pela Union Capital Group, que tomou uma posição de controlo no Global Media Group e que ainda não revelou quem são afinal os donos deste grupo de comunicação social.
O caso chegou mesmo ao parlamento, que decidiu ouvir os representantes dos trabalhadores, do Sindicato dos Jornalistas e da ERC, bem como a ministra do Trabalho, o ministro da Cultura, as direções demissionárias do JN, da TSF, d’O Jogo e do Dinheiro Vivo, a administração do grupo, o antigo CEO Marco Galinha e o ex-diretor da TSF Domingos de Andrade.
O que diz o Sindicato dos Jornalistas
Perante a guerra entre os acionistas e a comissão executiva do GMG, o SJ emitiu um comunicado onde desafiou os acionistas a demitir José Paulo Fafe e onde “lamenta que os acionistas façam comunicados públicos a questionar as ações da comissão executiva, que nos parecem lesivas para os interesses do GMG e dos seus trabalhadores, em vez de tomar uma ação e fazer o mínimo que se exige neste momento – destituir José Paulo Fafe e a sua equipa da gestão do GMG, enquanto ainda existe GMG”.
Em comunicado, o SJ lamentou que a comissão executiva esteja “mais preocupada em defender-se dos acionistas e em contra-atacar os acionistas do que em resolver os problemas financeiros que alega para o grupo, deixando os trabalhadores sem o subsídio de Natal, primeiro, e agora sem o vencimento do mês de dezembro”.