“Podemos vir a lidar com uma crise de subprime nos media”
Lisboa recebeu na semana passada uma reunião global de estratégia do grupo Havas Media, com vários responsáveis pelas áreas de inovação e estratégia. Uma oportunidade para ouvir Dominique Delport, global […]
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Lisboa recebeu na semana passada uma reunião global de estratégia do grupo Havas Media, com vários responsáveis pelas áreas de inovação e estratégia. Uma oportunidade para ouvir Dominique Delport, global managing director do Havas Media Group, agora que os conteúdos, dados e publicidade programática estão a transformar o negócio da media.
Meios & Publicidade: Apresentaram recentemente o estudo Meaningful Brands, onde se fica a saber que para a maioria das pessoas as marcas não são nada importantes. A conclusão é preocupante?
Dominique Delport (DD): Todos os outros estudos de marcas são sobre o seu impacto, a avaliação e a análise financeira, quais as mais reconhecidas ou quais as mais poderosas, ou seja, um foco muito grande do lado financeiro. Nós quisemos ter uma percepção muito forte sobre como é que os consumidores vêem as marcas. Foi chocante descobrir que as pessoas podem dispensar, literalmente, qualquer marca, da noite para o dia. As marcas, mesmo gastando 500 mil milhões de dólares em publicidade, podem desaparecer. Podem até ter um produto óptimo, que os filhos adoram, que está sempre na nossa lista de compras ou que é bom para a comunidade, mas quando perguntamos às pessoas como seria se essa marca desaparecesse amanhã, em termos globais, 73 por cento das pessoas não queria nem saber. Nos Estados Unidos apenas 5 por cento das marcas são essenciais na vida das pessoas, em alguns países da América Latina oscila entre os 30 e 40 por cento.
M&P: Em Portugal está nos 25 por cento.
DD: Está no meio, não é tão mau como nos EUA onde há muita exposição a publicidade. As marcas precisam de fazer melhor o seu trabalho. Se o não fizerem, assumem um grande risco. As novas marcas, como o Uber, Airbnb, Spotify ou Netflix, estão a dominar o mundo.
M&P: Curiosamente são exemplos da nova economia e não exactamente do grande consumo.
DD: Precisamente. São marcas que não existiam há cinco ou dez anos e já são essenciais na vida das pessoas. Há uma frase de que gosto muito do Marc Andreessen, fundador do Netscape e do Mosaic, que diz: “Software is eating the world”. Num mundo onde há cinco mil milhões de smartphones, os smartphones são já o first screen. A forma como as marcas aparecem nesse first screen será essencial para o seu futuro e para serem relevantes. Aparentemente, o Uber conseguiu ajudar as pessoas. Se antes era complicado arranjar um táxi, agora a mesma app funciona em qualquer cidade, sendo que a Uber não é dona de qualquer carro. Estas meaningful brands são aquelas que têm um desempenho melhor do que as restantes, seja em bolsa ou no dinheiro que os consumidores estão dispostos a gastar. Como se costuma dizer, quanto mais próximo se está do coração, mais próximo da carteira. Se gosto de uma marca, estou disposto a gastar mais dinheiro com essa marca porque ela é importante para mim.
M&P: Como é que uma agência de meios pode ajudar um cliente a entrar nesse grupo restrito?
DD: Historicamente, éramos os arquitectos da media, trabalhávamos os touchpoints. Cada vez mais, o que fazemos é pôr no centro do que fazemos dados (data) e conteúdos. Quantos mais dados tivermos melhor iremos perceber o consumidor. Os dados são uma espécie de moeda que usamos no nosso dia-a-dia. Dá um poder extraordinário ao consumidor. A relação top-down acabou. Já não funciona. Agora o consumidor ouve as pessoas que estão à sua volta, faz perguntas, lê críticas e comentários, está sempre a confirmar informação, quer transparência no preço. É algo totalmente diferente dessa época dourada em que se fazia um anúncio à terça-feira para influenciar as compras de sábado. A televisão continua a ser fantástica para lançar uma marca e aumentar a notoriedade, mas não chega. E se pensarmos nos millennials [geração nascida entre 1980 e 2000], a equação complica-se ainda mais. Nos Estados Unidos, 35 por cento dos millennials não vêem TV linear, isto é, vêem conteúdos vídeo, mas não na televisão.
A AOL nunca teria sido vendida à Verizon por 4,4 mil milhões de dólares se não tivesse dado um passo de gigante na publicidade programática
DD: Sim. O que é entusiasmante neste negócio é que não podemos ser preguiçosos, nem parar de pensar no que está a acontecer. Nas agências de meios, estamos ao lado dos consumidores, é por isso que vamos ter um grande futuro. Temos gasto muito tempo e dinheiro a perceber os consumidores. Depois, temos os dados que nos permitem perceber o retorno de cada euro investido e qual o melhor destino dos nossos investimentos. Depois temos a questão dos conteúdos. Cada vez mais os conteúdos estão no centro das agências de meios. Não se trata de fazer advertising content. É um conteúdo mais “líquido” que, às vezes, vem do media owner, dos jornalistas. Uns conteúdos são longos, outros são mais curtos. Por exemplo, na América Latina criámos a primeira Instanovela, com conteúdos para essa rede social. Em França lançámos uma série digital de 10 episódios de cinco minutos sobre jihadismo e radicalismo, totalmente produzida pelo Havas Media Group para o Canal +.
M&P: Não são trabalhos que podiam ser feitos por agências criativas?
DD: São coisas que podemos fazer juntos. A Havas tem tido sucesso nos últimos meses porque Yannick Bollore [CEO do grupo Havas] tem uma estratégia clara: forçar a colaboração dentro do grupo. Ele já inaugurou 26 Havas Villages no mundo, onde as pessoas [das agências de meios e criativas do grupo] se sentam ao lado, trabalham e criam em conjunto [Em Lisboa está prevista a mesma concentração]. Temos cada vez mais iniciativas em conjunto no mobile, conteúdos e dados. Estamos juntos em cada vez mais concursos. Nós somos um negócio familiar, o Yannick Bolloré tem 35 anos e o que estamos a construir agora é para o longo prazo.
M&P: É essa a diferença entre a Havas, e a WPP, Omnicom ou Interpublic?
DD: Nós gostamos de nos considerar uma espécie de startup entre os grandes grupos. Nunca ganhámos tanto negócio global como agora, mas estamos estruturados e temos uma linha de decisão muito simples e rápida. Este é um negócio de pessoas e elas sentem a nossa paixão, que é igual à dos empreendedores. Se falhamos, rapidamente ultrapassamos e seguimos em frente. Isto é apenas publicidade. Não morre ninguém.
M&P: Às vezes há quem morra e fique pelo caminho.
DD: Isso também é verdade. Mas temos de ter paixão e prazer no que fazemos. No último trimestre a Havas teve o melhor crescimento orgânico da nossa indústria. Isso quer dizer alguma coisa. Há uns anos a questão era: “Quem vai comprar a Havas? Quem vai engolir a Havas?” Hoje já não é assim. Estamos a trabalhar de uma forma colaborativa, muito rápida.
M&P: Como vê a questão da compra programática de publicidade? Aparentemente em Portugal é algo em que os grupos de media não estão interessados porque acreditam que pode fazer baixar os preços.
DD: Pode encarar-se a compra programática como algo que vai destruir valor. Mas é uma visão de curto alcance. A AOL nunca teria sido vendida à Verizon por 4,4 mil milhões de dólares se não tivesse dado um passo de gigante na publicidade programática. A parte de programática da AOL passou de quatro por cento em 2013 para os 44 por cento em 2014. Isto foi em apenas um ano. Por causa disso, acredito que o valor da empresa aumentou muito. Foram os primeiros a abraçar totalmente a compra programática, incluindo para televisão. Não se tratar de fazer baixar o preço. Trata-se de passar da compra de media, para a compra de audiência. Não entrego a mesma mensagem a toda a gente. Com os dados, faço um target com as pessoas que têm afinidade com o meu produto ou serviço. Não aborreço o consumidor com coisas que ele não quer. Por exemplo, não consigo vender um carro a quem acabou de comprar um. Mas se conseguir, com os dados, chegar às pessoas que puseram um anúncio classificado para vender o seu próprio carro, tenho uma magnífica janela de oportunidade para vender um carro a quem pode estar interessando nisso. Uma mulher que vai ser mãe do primeiro filho tem um comportamento diferente de uma que vá ter o segundo ou terceiro filho. Quando alguém vai comprar uma casa e precisa de fazer um empréstimo, depois de fechar um acordo com um banco, não vai querer ouvir mais nenhuma proposta bancária, mas se calhar vai querer ir ao Leroy Merlin ou ao Ikea. Um alerta. Dentro de quatro ou cinco anos, se não lidarmos com o assunto com cuidado, podemos estar a lidar com uma crise de subprime nos media porque não sabemos o que estamos a comprar. É tudo tão automático, tão rápido, que se pode comprar também muita porcaria pelo meio. Até aqui as agências de media eram uns arquitectos da media, no mundo programático temos de ser arquitectos de programática.
M&P: O que quer isso dizer?
DD: A programática é uma DSP (demand-side platform), que liga automaticamente marcas, mensagens e consumidores. Estes DSP são definidos por critérios como o acesso a um inventário online (no futuro será também o digital out of home, a rádio digital e a TV digital), acesso aos dados (para conseguir fazer o target) e o algoritmo. O algoritmo é a inteligência do sistema. Se se quiser aumentar o alcance, vai-se usar um DSP com um grande inventário. Se quiser aumentar a afinidade, vai-se usar um DSP com melhor data, para se ter um um target melhor. Não há uma resposta universal, temos de ser arquitectos de DSP. Por isso é que no ano passado lançamos o primeiro meta DSP da indústria. Pedimos a toda a gente para abrir o seu mundo. Alguns dos grandes grupos continuam a ser caixas negras e não querem partilhar, têm soluções inhouse, mas propusemos a ligação do DSP ao nosso meta DSP para darmos o feedback correcto. Há três anos tivemos de fazer aquisições, compramos uma empresa de matemática que tem um prémio Nobel. Não podíamos desenvolver estas tecnologias sozinhos. Criamos também três laboratórios que nos dão as grandes tendências com 18 meses de antecedência. Abrimos um na Califórnia, na intercepção de Sillicon Valley e Hollywood, Siliwood, para o desafio do conteúdo e entretenimento. Temos um segundo em Technion, em Israel que é uma startup nation, e outro na Coreia do Sul, um país onde já não se fala em mobile first, mas sim em mobile only. Anunciámos uma grande iniciativa com a Universal Music há umas semanas, em breve vamos ter uma iniciativa importante sobre fraude online. É que no Verão passado saiu um estudo que dizia que 53 por cento das impressões eram vistas por robots e não por pessoas.
Há uns anos a questão era: ‘Quem vai comprar a Havas?’ Hoje já não é assim