Presente em cerca de 60 países e utilizada por uma comunidade que ronda os 150 mil cabeleireiros, a Kérastase é liderada internacionalmente por Rosa Carriço.
Em Paris desde 2005, excetuando os três anos que viveu em Nova Iorque, entre 2009 e 2012, a presidente global da Kerástase é responsável pela estratégia de reposicionamento internacional da marca de cuidados capilares, que acaba de comemorar 60 anos.
Além de a ter rejuvenescido, está a torná-la mais luxuosa e inclusiva, a partir da capital francesa, com as vendas a triplicar após o reposicionamento.
Trabalhar no estrangeiro era uma ambição ou foi uma circunstância?
Diria que foi um bocadinho das duas coisas. Quando tinha dez anos, os meus pais decidiram embarcar na aventura de ir viver para a Austrália. Passei lá os anos da adolescência e isso transformou-me para sempre. Rasgou-me os horizontes, desenvolvi uma abertura para a diversidade, de religiões, de cores de pele e de modos de vida.
Esta sede de descoberta e aventura nunca mais me deixou. Anos mais tarde, atraiu-me o caráter mundial da L’Oréal Paris. Trabalhei alguns anos em Portugal, mas rapidamente começaram a seduzir-me com uma carreira internacional, que me poderia abrir outro nível de oportunidades. Estou em Paris desde 2005.
Quais são as diferenças entre trabalhar em Portugal e em França?
Culturalmente, são dois países bastante diferentes. Mas, sobretudo, o cargo e as responsabilidades que tenho, que são completamente distintos. Quando estava em Portugal, era diretora-geral da L’Oréal Paris, responsável pela implementação local de uma estratégia que era definida globalmente.
Quando vim para Paris, integrei uma equipa global, responsável pela inovação de produto com os nossos laboratórios, pela imagem de marca e estratégia de comunicação, incluindo todas as campanhas de publicidade, e pela estratégia de distribuição.
O marketing operacional local é mais tático, ágil e de curto prazo, enquanto o marketing global é mais estratégico e com um horizonte temporal muito mais longo. Neste momento, estou a trabalhar em 2026 e 2027, estando também envolvida em projetos que se estendem até 2030.
Quais são as mais-valias e os obstáculos que o ser portuguesa tem no seu trabalho?
Virmos de um país pequeno torna-nos mais abertos a outras culturas, falamos melhor línguas, somos mais sociáveis e, sobretudo, não temos a arrogância natural das pessoas nascidas nas grandes potências mundiais.
Nunca tivemos prioridade de passagem, pelo contrário, tivemos sempre de lutar mais. Isso torna-nos mais ágeis e criativos. Claro que, quando chegamos a um país diferente, demora algum tempo a descodificar a cultura, a comunicação não verbal e as regras sociais.
Mas os portugueses são bons nisso e, agora que já trabalhei vários anos em estruturas internacionais com pessoas vindas de todos os cantos do mundo, vejo até que ponto os portugueses têm facilidade em se integrarem. Somos descobridores natos. A capacidade de adaptação está-nos no sangue.
Que funções desempenha atualmente e que projetos tem em mãos?
Sou presidente mundial da Kérastase há sete anos. A marca já existe há 60 anos, mas, nos últimos anos, fizemos um profundo ‘turnaround’, um trabalho de marca, tornando-a mais jovem, mais luxuosa, mais inclusiva, mais ligada ao mundo e às tendências atuais. Mas também mudámos o modelo de negócio, que agora é omnicanal, permitindo-nos adaptar aos hábitos de compra dos consumidores de atualmente.
Qual é o balanço dessa estratégia?
A receita triplicou, com crescimentos recorde em todos os mercados e reforçando fortemente a nossa presença em mercados estratégicos como a China e os Estados Unidos. Solidificámos a nossa liderança e, ao mesmo tempo, contribuímos para o desenvolvimento da indústria profissional de cabeleireiros.
Quais são as particularidades de marketing e comunicação do mercado francês, na área dos cuidados capilares, em termos de desafios e de diferenças, face ao mercado português?
A parte fascinante do meu cargo atual é exatamente ter uma responsabilidade mundial. A Kérastase é a única marca capilar de luxo verdadeiramente global, o que implica estar constantemente atenta às grandes tendências mundiais e aos países onde a beleza é mais sofisticada, como o norte da Ásia, sem esquecer comportamentos como o pragmatismo das consumidoras norte-americanas.
O desafio é conseguir ter uma marca atrativa e relevante nos quatro cantos do mundo. A celebração recente dos 60 anos da marca é um tributo à sua longevidade, mas exige que tenhamos sempre de nos rejuvenescer e reinventar.
Qual é o momento que o mercado de produtos capilares atravessa em termos de consumo, comunicação e pontos de venda?
Nos últimos anos, assistimos a uma aceleração do mercado ‘premium’ de cuidados de cabelo e a Kérastase foi o maior contribuidor para esse crescimento, tornando-o mais inovador e sofisticado. Hoje em dia, os consumidores são mais exigentes, mais conhecedores, sobretudo através de meios como o TikTok.
Como tal, esperam resultados mais transformadores e experiências mais surpreendentes. O fenómeno da advocacia, como alavanca de notoriedade e penetração nas camadas mais jovens, está entre as grandes mudanças operadas na esfera internacional.
“O marketing operacional local é mais tático, ágil e de curto prazo, enquanto o marketing global é mais estratégico e com um horizonte temporal mais longo”, refere Rosa Carriço
Por outro lado, assistimos a uma multiplicação de ‘touchpoints’, de comunicação e de distribuição, que exige uma multiplicação de produção de conteúdos e uma nova complexidade na ativação. Tudo isto, juntamente com uma fluidez geográfica de ‘social media’ e uma mistura cultural cada vez maior, tornou o nosso trabalho enquanto ‘marketers’ e comunicadores muito mais desafiante e interessante.
Qual é a experiência profissional que teve em França que mais a marcou?
A experiência atual da Kérastase. Adoro viver o ‘turnaround’ de uma marca, o repensar e questionar tudo, desde a estratégia de comunicação ao modelo de negócio. Já tinha vivido uma experiência semelhante quando trabalhei na L’Oréal Paris e começa a ser a minha imagem pessoal de marca.
Acho que não fui feita para gerir o ‘status quo’ ou limitar-me a seguir as regras impostas por outros. Gosto da inquietação de desafiar as ideias pré-concebidas e de fazer o que ainda não foi feito.
Do que é que tem mais saudades do mercado português?
Tenho saudades dos portugueses. Já vivi em vários países e pertenci a várias equipas, mas nunca vou esquecer o espírito de equipa que tinha em Portugal. Uma mistura perfeita de paixão, ambição e espírito ‘work hard, play hard’. Pessoalmente, tenho saudades de viver à beira-mar e de estar perto da minha família, de quem sou tão próxima, bem como dos grandes amigos que ainda tenho em Portugal.
Pensa regressar a Portugal?
Claro que sim, porque Portugal é, provavelmente, um dos países no mundo com maior qualidade de vida e porque há, atualmente, uma nova geração de empreendedorismo e de criatividade que me dá imensa vontade de integrar, para poder contribuir para que Portugal seja cada vez melhor.