E você confia nos media?
A revelação das escutas do caso Face Oculta pelo Sol transformou os media em protagonistas noticiosos.

Ana Marcela
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A revelação das escutas do caso Face Oculta pelo Sol transformou os media em protagonistas noticiosos. O alegado plano do governo de José Sócrates para controlar os órgãos de comunicação social exposto no semanário dão conta de uma teia de cumplicidades e de pressões que fazem pensar até que ponto alguns media não terão sido peões ou coniventes neste processo. O caso que rebentou este mês nas páginas do Sol vinha a ganhar balanço desde meados do ano passado, com a saída de José Eduardo Moniz da TVI, o fim do Jornal Nacional de Sexta-feira e antes a tentativa de compra da Media Capital por parte da PT, negócio que o primeiro-ministro no Parlamento afirmou desconhecer. João Palmeiro, presidente da Confederação Portuguesa de Meios de Comunicação Social (CPMCS), comenta a situação dos media ao M&P, mas antes faz uma ‘declaração de interesses’. Enquanto responsável do organismo que reúne os patrões dos media nacionais, João Palmeiro está indicado a comparecer na Comissão de Ética do Parlamento, um convite ao qual, diz, “não poderei deixar de corresponder”. “Mas não se tratando de um inquérito parlamentar, e tendo em consideração os resultados das audições já realizadas, considero que não devo renunciar ao meu direito de expressão e aceitei responder às perguntas do Meios & Publicidade”, afirma, frisando que as respostas “não traduzem necessariamente a posição das entidades que represento e em nome das quais fui convidado pela Comissão de Ética”. Quanto ao panorama atrás descrito, no entender do presidente da Confederação de Meios, este tem “dois níveis de análise”. Um, considera, é referente à própria vida empresarial e decorre “da transformação que o modelo de negócio dos media está a atravessar em todo o mundo”, sendo, “portanto, estritamente conjuntural”. Já o segundo nível “resulta da adaptação da vida política a novos meios de comunicação com impactos ainda não digeridos como é o caso das escutas e da sua divulgação estejam em segredo de justiça ou não”. Para João Palmeiro “o que se tem passado até agora indica que o sistema dos media portugueses está perfeitamente dentro dos limites da liberdade de imprensa (liberdade de expressão é outra coisa que não faz parte desta resposta) quer usando o modelo de análise da Unesco, quer usando o modelo de análise (ainda em discussão) apresentado o ano passado pela Comissão Europeia”, começa por referir. “Tudo o mais que se possa dizer são apreciações concretas de situações específicas, que traduzem a luta ou a competição pelo acesso à informação e posteriormente à notícia (não é a mesma coisa)”, ressalva. “É preciso não esquecer que numa sociedade de redes sociais de comunicação em crescimento, o papel dos jornalistas e dos empresários editores é muitas vezes confundido com o dos próprios actores dessas redes sociais o que põe em relevo o papel das marcas de informação noticiosa editada, isto é de quem para além de difundir informação a verifica, a trata, a hierarquiza e a complementa”, comenta ainda o presidente da Confederação de Meios. “Criar as condições para que esta estruturação mediática aconteça é a responsabilidade essencial dos empresários, seja qual for o suporte através do qual desenvolvem a sua actividade”, conclui.
“As alterações nas estruturas accionistas e as modificações nas grelhas de programação e nas direcções editoriais são comuns nas indústrias dos media modernas.
Por vezes, pode existir especulação sobre as causas deste tipo de operações, mas estas são frequentemente determinadas por razões de mercado”, analisa por seu turno o economista Luís Oliveira Martins. “Também pode ser considerada normal e saudável a rivalidade existente entre empresários da comunicação social, como aquela que se traduziu em tentativas de compra/venda de algumas empresas em Portugal”, acrescenta o especialista em economia dos media. Menos comum já serão “as alegadas interferências do poder político na liberdade dos media, esta é uma situação que pode distorcer os mercados e prejudicar o pluralismo”, afirma o especialista que, no entanto, deixa a ressalva: “Em Portugal, trata-se de questões que não estão suficientemente clarificadas, pelo que é importante aguardar pelo apuramento rigoroso dos factos.”
Entre os ‘fretes’ e a denúncia
Mas será que em última análise todo este vendaval informativo não criará uma percepção negativa sobre o jornalismo e a sua prática junto do público? “O jornalismo é uma actividade como outra qualquer onde há profissionais mais qualificados do que outros. Há de tudo: temos profissionais que cedem a pressões e outros que não cedem”, afirma Joaquim Vieira. “Há muito tráfico de influência no jornalismo. Há muitos fretes que se fazem”, continua o responsável do Observatório da Imprensa, “tanto por razões económicas”, como por “simpatias ideológicas”. Este ‘lavar de cestos’ a acontecer no espaço público, pode efectivamente “descredibilizar o jornalismo, mas é bom que [a discussão] aconteça”, diz, lembrando que houve “jornais que denunciaram estes factos”. “Há jornalismo para todos os gostos e órgãos de informação para todos os gostos”, continua o até recentemente provedor do Público – e que colocou nas páginas do diário da Sonaecom a discussão sobre os procedimentos jornalísticos do título antes da publicação da manchete das alegadas escutas do governo à Presidência da República. “Haver órgãos de comunicação social para todos os gostos é bom”, diz, já haver jornalistas… “é mau”, pois, considera, quando recebem a informação produzida por esses profissionais “os leitores pagam gato por lebre”.
As dúvidas dos leitores em relação aos media, acredita Eduardo Cintra Torres, “aplicam-se a alguma parte dos media, mas não a todos”. “Os media não têm de ser um sistema destruidor do poder, mas têm um valor social de contra-poder”, defende o estudioso dos media, já que, preconiza, os media “têm de estar do lado dos leitores e não do poder político”, seja ele qual for. “Sou completamente favorável à ideia de que os media estão ao serviço do leitor. Por isso tenho tido alguns amargos de boca”, diz. O que o Sol publicou, defende, qualquer director de outro jornal se tivesse acesso à informação publicaria, embora Eduardo Cintra Torres fale de “uma situação complicada de condicionalismo” no jornalismo. “E eu sei muito bem o que é esse condicionalismo”, diz, relembrando o seu caso pessoal quando, nas crónicas no Público, questionou os critérios da direcção de informação da RTP na cobertura e alinhamento dos noticiários no que se refere aos incêndios florestais que grassavam no país em 2006, tendo sido alvo de “três processos” por parte da estação pública de televisão.
Mas, para Eduardo Cintra Torres, das escutas mais recentes do Face Oculta, o que deve ser retido como “chave” para o “entendimento do jornalismo em Portugal” é uma frase proferida por Rui Pedro Soares (administrador da PT), dando conta da dificuldade de manter a informação sobre o negócio controlada dado o maior número de órgãos de informação face a outras épocas. Para Eduardo Cintra Torres, “é verdade que os jornalistas tendem a ter a opinião dos patrões”, mas para o estudioso, o garante democrático é “haver muitos media, porque se equilibram uns aos outros”, cabendo ao público fazer essa busca pelos meios que consideram mais credíveis. Com menos meios de comunicação social a possibilidade de controlo da informação é “muito maior”. “Hoje é muito difícil um governo, qualquer governo, passar a sua mensagem porque enfrenta uma barreira de informação. Há muitos jornais, há um jogo de futebol que é considerado mais importante… É mais difícil controlar todos e por isso é que é preciso um plano”.
“A questão da credibilidade só se põe quando não há pluralidade e diversidade nos media, resultando normalmente numa onda de indiferença e afastamento dos cidadãos em relação aos suportes de informação noticiosa editada. Mesmo estes movimentos são lentos e cíclicos”, afirma João Palmeiro. Mas esse questionamento do público face aos media não poderá revelar-se um mau negócio? Se o bem mais valioso de um órgão de comunicação social é a sua credibilidade, havendo incertezas quanto a esse factor isso não poderá ter efeito no negócio do ponto de vista financeiro? “O que tem impacto nos resultados económicos dos media não é a oferta de informação (desde que respeite os estatutos editoriais) é a pirataria (na internet), é a dificuldade de transição de monetização dos conteúdos em novas plataformas devido à posição dominante que os operadores dessas plataformas detêm em relação ao negócio suportado por essas plataformas”, comenta João Palmeiro. “Pela primeira vez na história dos media os empresários editores não controlam directamente a difusão e o acesso à informação que oferecem estando muito dependentes e desprotegidos em relação aos fornecedores de serviços electrónicos e comunicações digitais”, alerta o responsável da Confederação.
“Nos media, a credibilidade é, sem dúvida, um factor importante para a viabilidade económico-financeira de longo prazo. Na imprensa de referência, a credibilidade é mesmo um factor crítico de sucesso. Se a informação divulgada nos meios de comunicação social deixar dúvidas quanto à sua veracidade ou imparcialidade, os resultados (a prazo) podem ser muito negativos”, frisa Luís Oliveira Martins. “Por vezes, as dificuldades financeiras podem levar empresas de referência a apostar num jornalismo mais sensacionalista e especulativo. Este tipo de estratégias podem parecer favoráveis no imediato, aumentando vendas e audiências, mas colocam em risco a viabilidade económica, principalmente em mercados com consumidores exigentes”, acredita o economista.