Campanha institucional com promoção associada – Crónica de Marco Pacheco
Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a […]
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Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a dia dos publicitários? O que fazem (e o que não fazem), as suas alegrias, angústias e frustrações. “Uma coisa tinha clara: não queria escrever sobre os desafios, o futuro, as tendências e/ou os casos de sucesso do nosso ofício. É por isso que esta crónica não é sobre publicidade. É sobre os publicitários. Esses idiotas”.
Estamos no gabinete do presidente de um grande anunciante. Três paredes são forradas a madeira nobre, a quarta é toda de vidro, com uma cortina de canto a canto, do teto ao chão. Esta configuração faz da sala uma espécie de palco, sendo o janelão a boca de cena e a cidade lá fora a plateia.
Neste momento, o presidente é o único em cena. Está no seu minibar privativo a servir um uísque sacudindo e inclinando a garrafa com impaciência, o que não é costume nele, assim como não é costume beber de manhã, é um homem de rotinas consolidadas durante décadas, está agitado, e a razão acaba de chegar: a secretária abre a porta e anuncia a diretora de marketing e comunicação da firma e o seu gestor de marca. Ela é uma mulher elegante no porte e no estilo, fina de inteligência, ele nem por isso. O presidente não se senta, nem convida nenhum dos dois a sentarem-se, nem sequer os cumprimenta, vai direto à jugular:
— Onde é que está a campanha, sra. diretora? Não a vejo na rua.
— Como assim?
— Como assim digo eu! — berra ele. — Gasto eu balúrdios numa campanha com a minha cara, coisa que você me convenceu a fazer contra a minha vontade, e agora não estou em lado nenhum?! Não é por mim, note bem, é pelo negócio, pelo negócio! Sabe o que isso é, sra. diretora? Antes parecia saber, o que é que lhe aconteceu? Sempre vi as nossas campanhas em todo o lado, nem precisava de procurar, e de repente esta não aparece, não a vejo! Não vejo nada!
Atónita e com dificuldade em processar o que está a acontecer, a diretora balbucia:
— Não vê nada?
— Não! Ou melhor, vejo sim. Vejo uma incompetência gigantesca, vejo falta de profissionalismo, vejo aselhice, vejo espertalhões a meter ao bolso, vejo parasitas, vejo corruptos e vamos ficar por aqui.
O homem está possesso, cala-se apenas para beber um gole de uísque que lhe sabe mal, a julgar pela careta. A diretora começa a recompor-se do choque inicial. Apesar de já conhecer estas fúrias, nunca tinha sido vítima delas. Tenta pensar, consegue acalmar-se, consegue até esboçar um princípio de sorriso e transformar o olhar de pânico de há instantes numa mirada de desafio, as sobrancelhas juntas, a cabeça levantada e a voz clara e serena:
— Percebo perfeitamente o que diz, sr. presidente, foi um erro lamentável da nossa parte e vamos corrigi-lo imediatamente.
— Não se incomode. Está despedida.
O apagado gestor de marca, até aqui um pouco indignado por estar a ser olimpicamente ignorado, desta vez fica feliz por ninguém lhe ligar. Faz por não chamar a atenção. A chefe, por seu lado, não se mostra abalada, não perde a compostura, prossegue como se nada fosse:
— Entendo a sua decisão, sr. presidente, mas deixe-me fazer-lhe só uma pergunta: trocou de amante ou de esposa?
O presidente cospe o uísque de um novo trago que tomava, lança à mulher um olhar fulminante e expele palavras de fogo:
— Mas que raio de pergunta vem a ser essa, sua grandessíssima… grandessíssima…
Não chega a pronunciar o insulto, nem é preciso, a diretora percebe, mas continua como se não tivesse percebido:
— É fácil de explicar, sr. presidente. Há muito tempo que nós no departamento de comunicação e marketing posicionamos alguns outdoors especificamente nos seus percursos habituais, empresa-casa, casa-empresa, empresa-casa da amante, casa da amante-empresa, casa da amante-casa, casa-casa da amante, justamente para garantir que o senhor vê as nossas campanhas na rua.
O homem ouve incrédulo, nunca lhe passou pela cabeça semelhante manobra.
— Vocês fazem isso?!
— Fazemos pois. Daí a pergunta: trocou de amante ou de mulher? Ou ambas? Se nós soubéssemos, teríamos mudado os seus outdoors. Esse foi o nosso erro.
O presidente fica em silêncio por um instante, chocalha o gelo no copo, e depois, já mais manso, diz:
— Isso não é verdade. Mostre-me provas.
— Com certeza. Deixe-me só procurar as trocas de emails com a agência de media que nos compra os outdoors.
Ao dizer isto, a diretora tira o telemóvel do bolso, mas o presidente levanta a mão, replicando:
— Não é preciso, já percebi o que aconteceu. Mas que fique claro: não foi pelas razões que alega. Tenho andado em jantares com clientes ultimamente.
— Claro que sim, sr. presidente. Agora só falta esclarecer uma coisa: ainda estou despedida ou não?
A contragosto, o presidente responde:
— Pode continuar.
— Com que cargo?
O homem percebe a insinuação da pergunta, pondera a reposta. Promovê-la seria admitir implicitamente o que ela disse, não lhe fazer a vontade seria correr o risco de ver a história tornar-se pública. Lá capaz disso é ela. Decide conter os danos.
— Bom, apesar deste pequeno percalço, creio que pode passar a administradora.
A nova administradora agradece a promoção e sai do gabinete com o gestor de marca, que conseguiu a proeza de não dizer uma única palavra durante o tempo em que lá esteve. Só o faz já no corredor, quando pergunta à nova administradora:
— Aquilo é tudo verdade?
— É tão verdade como as campanhas.
Crónica de Marco Pacheco, diretor criativo executivo da BBDO e escritor