“Os marketers precisam de aprender a vender para gémeos digitais”
O marketing e a neurociência vão ficar muito mais próximos, refere Daniel Hulme, diretor global de IA do grupo WPP, em entrevista ao M&P, salientando a importância da computação neuromórfica que permite construir ‘cérebros de audiências’
Catarina Nunes
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Daniel Hulme é especialista em processos de adaptação das empresas e das marcas à inteligência artificial, enquanto diretor global de IA (‘chief AI officer’) do grupo WPP. O cargo surge na sequência da venda ao WPP, em 2021, da empresa que fundou em 2008, a Satalia, que se dedica à pesquisa e implementação de sistemas de inteligência artificial (IA).
Na Satalia, que terá sido vendida por 75 milhões de libras (€88,75 milhões, ao câmbio atual), segundo a imprensa internacional na época, Daniel Hulme mantém o cargo de CEO, em paralelo com o arranque de uma nova empresa, dentro do WPP, que está a dar os primeiros passos na área da consciência da máquina (‘machine consciousness’).
Em entrevista ao M&P, fala sobre os desafios e as oportunidades da IA, e aponta os caminhos a seguir e a evitar.
Já esteve em Portugal anteriormente. Qual é a sua perceção do mercado publicitário nacional?
Estive aqui de férias e para dar palestras. Portugal tem uma ‘vibe’ muito boa e muito talento. Vim cá pouco tempo antes de vender a minha empresa, a Satalia [pesquisa e implementação de sistemas de IA], à WPP em 2021.
Como diretor de IA do grupo WPP, penso mais globalmente sobre como o mercado se vai transformar nos próximos anos. A IA está a permitir mais e melhores conteúdos, e é capaz de os apresentar às pessoas certas no momento certo. Está a acelerar a transformação digital da nossa indústria, mas também está a ser disruptiva.
O que é que destaca no WPP em Portugal?
Sou um grande fã do talento português e o WPP expandiu a equipa nacional. Em alguns países, estamos a investir, particularmente nas universidades, em diferentes tipos de IA, não apenas em ‘machine learning’, IA generativa e preditiva. O Brasil, por exemplo, sempre foi muito consistente e forte na otimização e aqui em Portugal não é diferente.
O que encontro aqui são pessoas que são polivalentes e realmente boas no que fazem, que entendem diferentes tipos de algoritmos, mas também têm a disciplina e a capacidade para aplicar a tecnologia. Ter esta amplitude de conhecimentos é muito positivo. Noutras partes do mundo, o foco é em tipos específicos de tecnologia, mas Portugal é muito polivalente.
Aplicar algoritmos no marketing
Como é que começou a sua empresa?
Há 17 anos, a partir do meu doutoramento na University College London (UCL), focado em diferentes tipos de IA, na modelagem de cérebros de abelhas, para tentar entender o desempenho neural de diferentes algoritmos.
Percebi que existem algoritmos que são desenvolvidos no mundo académico que nunca chegam à indústria, havendo uma enorme oportunidade de trazer a pesquisa académica para a indústria.
A génese da Satalia foi trazer os principais algoritmos académicos para causar impacto na indústria. O que tenho feito nos últimos 17 anos é entender quais são os tipos de IA para resolver problemas em todas as cadeias de abastecimento, seja no retalho como no marketing, para melhorar a eficiência e a eficácia.
Com o WPP, a Satalia está a aplicar algoritmos de IA para trabalhar marketing de ponta a ponta. Mas, como o grupo trabalha a maioria das marcas mundiais, também levamos para essas empresas IA que vai além do marketing.
Qual é o seu papel no WPP?
Sou o CEO da Satalia, que continua a existir dentro do grupo, e é uma ‘deep mind’ do WPP. Somos quase 300 especialistas em IA profunda em todo o mundo. A IA não precisa de milhares de programadores, só precisa de ter um bom conhecimento profundo.
Sou também o ‘chief AI officer’ do WPP, em que supervisiono horizontalmente toda a organização, no sentido de integrar a IA para melhorar a produtividade e a cadeia de abastecimento.
Estou também a começar uma empresa com investimento do WPP, para tentar resolver a ‘machine consciousness’ com uma pesquisa profunda. Acreditamos que a consciência da máquina será muito importante na próxima década.
Porquê?
É preciso responder a algumas grandes questões sobre se devemos construir máquinas conscientes e, se construirmos, como é que isso afeta a indústria e nos ajuda a entender a perceção dos consumidores.
O negócio de media, marketing e comunicação é entender e influenciar perceções, que é uma posição muito poderosa que tem de ser tratada de forma responsável e segura. Esta é uma das grandes questões que vamos enfrentar nas próximas décadas.
Qual é a sua posição nessa matéria?
Acredito que existem, basicamente, três categorias de risco associadas à IA. A primeira é a introdução dessas tecnologias na produção de forma segura, responsável e ética, que chamo de microrriscos.
O segundo são os riscos maliciosos, prevenir que maus agentes de mercado criem patógenos e desinformação, um papel que deve ser desempenhado principalmente pelos governos.
A terceira categoria são os macrorriscos, acontecimentos que vamos enfrentar como espécie, nos próximos dez a 20 anos, aos quais temos de responder. Por exemplo, o que acontece com o impacto da IA nos empregos ou se construirmos uma super inteligência? E se criarmos um mundo de pós-verdade? E se resolvermos a morte?
Já tem respostas para essas questões?
Acho que sim. Há cerca de quatro ou cinco anos fiz uma palestra TEDx, em que argumentei que existem seis singularidades, em que a singularidade significa o ponto no tempo em que já não se consegue ver mais além.
É uma denominação que foi adotada pela comunidade de IA para se referir à singularidade tecnológica, o ponto no tempo em que construímos uma super inteligência.
Na palestra utilizei a estrutura PESTEL, que se refere à análise política, económica, tecnológica, ambiental e legislativa. A singularidade política, por exemplo, é se criamos um mundo de pós-verdade ou se criamos um mundo onde podemos autenticar conteúdos.
A importância da autenticação de conteúdos
Existe alguma singularidade no marketing e na comunicação?
Sim, o marketing e a comunicação tocam várias dessas singularidades. Ser capaz de autenticar conteúdos é muito importante, para determinar o quão arriscado e problemático é um conteúdo, seja um ‘tweet’ ou um anúncio.
Para entender como isto vai inflamar uma comunidade ou quebrar as leis, precisamos de pensar em como usar a IA para identificar esses riscos e autenticar esse conteúdo.
A nossa indústria vai desempenhar um papel importante na mitigação dos riscos em torno do mundo da pós-verdade. Também há aquilo que chamo de ‘estados e capitalismo de vigilância’, em que a ideia é que estas tecnologias são muito boas a entender e a persuadir as pessoas.
Esta é uma posição muito poderosa e temos de ser muito cuidadosos. O marketing tem refletido sobre isto desde sempre, a IA está apenas a acelerar a necessidade de enfrentar algumas dessas questões.
Estudou e trabalhou sempre nesta área em outras empresas?
Graduei-me em IA e, depois, fiz o mestrado e o doutoramento, sempre nesta área, em paralelo com o trabalho de consultor em tecnologias da informação. Na verdade, estou na área da IA há 25 anos.
Veio a Portugal como orador da conferência do WPP, ‘Portugal, um país preparado para a IA?’. Qual foi a mensagem que deixou à audiência?
A mensagem principal foi sobre a necessidade de educar as lideranças e os decisores para serem capazes de usar a IA de forma benéfica para as suas organizações, para que as tecnologias e os talentos certos sejam aplicados de forma pragmática, na resolução dos problemas das organizações.
Muitas vezes, as empresas entusiasmam-se com as novas tecnologias e fazem maus investimentos, quando não nos podemos dar a esse luxo.
Quais são as sugestões que trouxe?
Apresentei uma estrutura de trabalho para pensar como trazer a IA para as organizações, de forma segura e responsável, e falei sobre os macrorriscos e como podemos unir as pessoas e a tecnologia, aumentando o potencial humano.
Para garantir que conduzimos a humanidade para um futuro positivo, refleti sobre a responsabilidade de todos os indivíduos, empresas, governos e também os consumidores, uma vez que como indivíduos somos consumidores.
Acredito no ser humano e na criatividade, que é uma das razões pelas quais me juntei ao WPP, que é um grupo que tem o propósito de usar o poder da criatividade para um futuro melhor.
Acredito, genuinamente, que se libertarmos as pessoas para usarem a criatividade, elas irão usá-la de forma a tornar o mundo melhor. Um futuro melhor é um mundo onde as pessoas são economicamente livres para contribuir para a humanidade como quiserem.
Liberdade para criar
Qual é o lado negativo da IA na criatividade e planeamento de meios?
Não sei se há um lado negativo da IA substituir a estrutura de tarefas mundanas e repetitivas, dando às pessoas mais liberdade para criar e testar mais rapidamente novas ideias junto de audiências sintéticas, identificando os melhores momentos para expor esses conteúdos à audiência pretendida.
O que a IA vai fazer é aumentar a qualidade e a quantidade de anúncios. As pessoas vão começar realmente a gostar de anúncios, da mesma forma que gostam dos anúncios do Super Bowl, por exemplo.
Qual é então a pergunta que deve ser feita em relação à IA?
Quando se usa IA, a pergunta que deve ser feita não é o que acontece se correr mal, porque isto já sabemos: construímos salvaguardas de prevenção para que isso não aconteça. Temos é de nos perguntar o que acontece se correr muito bem.
Na indústria de marketing, usar IA na produção e definição de objetivos de anúncios que gerem retorno do investimento, implica um preconceito humano inconsciente, que é o facto de gostarmos de interagir com pessoas que soam e se parecem connosco.
O que temos de nos perguntar é quais são os desafios potenciais se a IA correr muito bem, para garantimos que a publicidade é diversa e não impõe preconceitos.
A Google anunciou um aumento de 48% das emissões de carbono devido à IA. Isto não é negativo?
Esse é um tópico muito quente. As grandes empresas de tecnologias estão a avaliar como é que conseguem mitigar esse impacto energético. É preciso pensar duas coisas: qual é a energia economizada em outras partes da cadeia de abastecimento?
Porque se estão a ser usados algoritmos mais inteligentes e melhores, isso reduz o custo de produção de bens e serviços noutros lados. Alguém tem de fazer esta pesquisa e ter isto em conta.
O segundo aspeto é que, de facto, os grandes modelos de linguagem trazem um consumo energético intensivo, mas alguma da tecnologia emergente que tem surgido no mundo académico – modelada pelo funcionamento dos cérebros humanos – operam apenas com a energia de uma lâmpada, com soluções muito mais eficientes do ponto de vista energético.
As empresas poupam, mas para o consumidor final qual é o benefício do marketing com IA?
Há um artigo da Harvard Business Review, de 2016, chamado ‘Pirâmide de valor do consumidor’, que mapeou 40 coisas que os consumidores valorizam na Pirâmide de Necessidades de Maslow.
Valorizam mais acesso a bens de forma mais rápida, melhor e mais barata, mas também valorizam o que os faz sentir nostálgicos e conectados, o que os educa e lhes traz valor, e o que os faz sentir que contribuem positivamente para a humanidade.
Há estes valores mais elevados que valorizamos e que a IA é capaz de desbloquear e identificar, criando conteúdos que ressoem com eles, mas também dar às pessoas acesso a bens e serviços que enriquecem as suas vidas.
Bens e serviços que não tínhamos há 10 ou 20 anos e éramos felizes. Ou não éramos?
Sim, alguns sim. Há muitas pessoas que vivem com um dólar por dia, que vivem na pobreza. Se pudermos fazer com que essas pessoas tenham acesso a mais bens e serviços para enriquecer as suas vidas, é uma coisa boa. Gostaria de ver a IA a tornar esses bens mais económicos, elevando-as dessas restrições económicas.
Um estudo recente da LG Digital Solutions indica que apenas 38% dos consumidores considera que o uso de IA na publicidade agrega valor às marcas. O que é que isto significa?
Não conheço o estudo. A pergunta que faço é se eles são especialistas. Pode-se obter uma visão populista, pode-se fazer ‘crowdsource’ para obter uma resposta, mas a realidade é algo diferente.
Faria ‘crowdsource’ de aulas de balé para os seus filhos? Provavelmente não. Iria procurar um especialista. A pergunta que faria é se essa é a verdadeira visão dos consumidores ou se é apenas a perceção que têm. É verdade que, por vezes, a perceção equivale à realidade, mas precisamos de testar essa hipótese.
É urgente a IA ser regulamentada?
Qualquer avanço tecnológico que tenha um impacto material na vida das pessoas, em qualquer setor, tem sido fortemente regulado, e a IA pode e vai ter esse impacto. O que significa que não precisa apenas de ser regulada, precisa ser regulada de forma sensata. É uma tecnologia incrivelmente poderosa e, se for usada da maneira certa, pode elevar a humanidade a outro nível.
O que fazemos no WPP é autorregulação, em que as pessoas com as quais trabalho preocupam-se profundamente em garantir que estão a usar essas tecnologias da maneira certa. Não quer dizer que a autorregulação é a resposta, é preciso haver regulamentação global sobre o impacto holístico da IA.
No WPP, procuramos garantir que não estamos a aproveitar grandes modelos de linguagem, dos quais não entendemos a proveniência dos dados, e que não violamos direitos de autor, sendo muito cuidadosos ao criar anúncios que podem recorrer a pessoas falsas, por exemplo. O que vejo em geral na nossa indústria é uma atitude positiva em relação ao uso cuidadoso de IA.
Quais são os maiores erros que as marcas estão a cometer com o uso de IA?
Não são apenas as marcas, todos nós estamos entusiasmados com as tecnologias emergentes e muitas vezes há investimentos errados, na suposição de que as tecnologias podem resolver todos os problemas.
Há três coisas que diferenciam uma empresa no mundo da IA, uma delas são os dados, que sejam diferentes e melhores do que os dos concorrentes.
A segunda é ter acesso a conhecimentos profundos de IA, como conhecimentos ‘deep mind’, para permitir a construção de inovações diferenciadas dos concorrentes.
E a terceira é que a liderança entenda o poder transformativo dessas tecnologias e seja pragmática na sua aplicação na empresa. O erro que as marcas cometem é não perceberem que os dados são importantes e pensarem que podem contratar o seu próprio talento de IA e retê-lo.
Que tipo de IA é a mais decisiva na indústria da criatividade e do planeamento de meios?
Os grandes modelos de linguagem permitem criar conteúdos e entender como o público perceciona os conteúdos, mas não são bons a fazer previsões, por exemplo, a prever cliques, gostos e vendas, nem a fazer planeamento de meios.
Há mais opções de planeamento do que átomos
É possível prever gostos e partilhas?
Sim, mas existem tecnologias que permitem uma melhor previsão do que os grandes modelos de linguagem, que não usaria para construir algoritmos preditivos.
Quando se trata de planeamento de meios, se tenho, por exemplo, cinco conteúdos para alocar em cinco canais, existem 120 soluções possíveis. Se tiver 15 conteúdos alocados em 15 canais, há um trilião de soluções possíveis. Se tiver 60 conteúdos para alocar em 60 canais, há mais soluções do que os átomos que existem no universo.
O que resolve este problema não são os grandes modelos de linguagem, nem ‘machine learning’, é a otimização, em que Portugal é muito forte, e que no passado costumava ser denominada como pesquisa operacional.
Otimização não é um modelo de IA?
Olhar para a IA através de definições de tecnologias não é conveniente. Construí uma carreira inteira em torno da definição de IA, que tem um significado popular que acho fraco, que é fazer com que os computadores façam coisas que os humanos fazem.
Há uma melhor definição de IA que vem do conceito de inteligência, que é um comportamento adaptativo direcionado a objetivos. Isto são sistemas que tomam decisões, aprendem se essas decisões são boas ou más, adaptam-se e da próxima vez tomam melhores decisões.
O que fazemos no WPP é olhar para a IA através de aplicações, e não estou a falar de apps para telemóveis. Há seis categorias de atrito que existem em todos os negócios e cadeias de abastecimento de qualquer setor, que podem ser mapeados para uma dessas seis aplicações.
A tomada de decisões complexas é uma das aplicações, que provavelmente usa algoritmos de otimização.
Além do que já se sabe, como é que as marcas podem tirar proveito da IA?
É muito importante saber para onde estamos a ir. Há muitas críticas em relação às ‘alucinações’ dos grandes modelos de linguagem, que são um pouco como um licenciado, que durante o ano seguinte irá formar-se para ter o mestrado e ser capaz de raciocinar, e assim sucessivamente até chegar a professor.
Temos de nos interrogar, partindo do princípio de que essa capacidade vai evoluir nos próximos cinco anos, como é possível usar essa inteligência para acelerar a transformação digital e fazer uma disrupção na indústria.
Algumas indústrias são imunes à disrupção, mas a nossa indústria vai ser e está a ser completamente rompida. Não estamos a usar essas tecnologias apenas para revolucionar a nossa indústria nem para acelerar a transformação digital.
Estamos a usá-las para romper connosco próprios. As marcas devem pensar na trajetória da IA e como isso pode ser capitalizado na empresa.
Os seus clientes estão cientes da necessidade de integração de IA nas campanhas, ou sentem-se divididos por causa dos riscos?
Os clientes querem ter conteúdos que os diferenciem dos seus concorrentes. É irrelevante se a origem dos conteúdos é a IA ou um ser humano.
Mas acredito que o conteúdo mais criativo é, e será durante algum tempo, gerado por seres humanos. O que me entusiasma, em particular no WPP, é dar às pessoas acesso a ferramentas que lhes permitam explorar o cenário criativo e ultrapassar as fronteiras da criatividade.
É super emocionante ver as coisas loucas que as pessoas vão inventar nos próximos 10 anos.
Como chefe do departamento de IA, sente que o WPP investe o suficiente nessa área?
O WPP comprometeu-se com um investimento em IA de 250 milhões de libras (€295,5 milhões) por ano, mas começou a investir nas fundações da IA em 2018, ainda antes da aquisição da Satalia, em 2021.
É o montante certo para acelerar a nossa transformação e sermos disruptivos, dada a dimensão da nossa organização e a natureza do mercado em mudança. Vamos ver como as coisas evoluem.
Quais são as prioridades na alocação do orçamento de IA?
Desenvolvemos um conjunto de equipas como a de investigação e desenvolvimento profundos, para romper os limites das tecnologias, e a que faz desenvolvimento de soluções de produtos com IA, com a WPP Open, que é a plataforma de marketing de ponta a ponta que é usada por cerca de 20 mil pessoas dentro do grupo e WPP e também por clientes, como a Coca-Cola, em que a IA é implantada em toda a organização.
Construímos uma solução de IA empresarial que é capacitada para IA e estamos a prototipar o que denominamos como ‘cérebros’, que é a camada de inteligência da WPP Open.
Temos pessoas a trabalhar diretamente com clientes, a implantar IA em toda a organização e temos praticamente todas as empresas de tecnologia a usar o WPP para materializar as tecnologias nas suas grandes conferências, como a Microsoft, a Google e a Nvidia, com ‘showcases’ do WPP.
Como é que a integração de gémeos digitais com IA generativa se aplica na publicidade?
A Satalia está a construir gémeos digitais há mais de 10 anos e existem três tipos diferentes. Um é um gémeo digital de um ativo, como um telefone ou um carro.
O segundo é o gémeo digital de toda uma cadeia de abastecimento, que, caso haja uma campanha de marketing que aumente em 10% a procura de produtos, permite projetar questões como, por exemplo, se os fornecedores têm capacidade para dar resposta, se há espaço nos armazéns ou se há pessoas suficientes para fazer o atendimento nas lojas.
Um gémeo digital permite simular isto, que a maioria das organizações não consegue projetar em toda a cadeia de abastecimento. O terceiro gémeo digital são as pessoas, em que é possível ter um assistente de IA no telemóvel, com o qual se interage e que vai aprendendo sobre a própria pessoa e que, em certos aspetos, se torna o seu gémeo digital.
O interessante é que esses gémeos digitais serão criados para a vida pessoal como para a vida profissional e serão usados para tomar decisões. Os marketers não precisam apenas de aprender a vender para as pessoas. Precisam de aprender a vender para gémeos digitais.
Computação neuromórfica é o próximo paradigma
Há algum aspeto da IA que não esteja a ser utilizado por anunciantes nem agências de meios?
Há o conceito de computação neuromórfica, que é IA modelada de forma muito mais aproximada ao funcionamento dos cérebros biológicos, que vai ser um novo paradigma.
O que vai acontecer nos próximos cinco anos é que o marketing e a neurociência vão ficar muito mais próximos. A nossa capacidade de compreender a perceção e de poder influenciar as pessoas de forma segura, responsável e transparente vai tornar-se muito importante.
Estar próximo da pesquisa em neurociência é fundamental, o que será possível através da computação neuromórfica, que é IA orientada para o funcionamento do cérebro.
É uma evolução do neuromarketing, que já existe desde os anos 1990?
Sim, com a compreensão das pessoas, da psicologia comportamental e de todas as coisas que nos ajudam a entender quem somos como ser humano.
Que aplicações é que a computação neuromórfica pode ter no marketing e na publicidade?
A computação neuromórfica permite construir ‘cérebros de audiências’, que representam a forma como as pessoas percecionam os conteúdos.
Poderemos construir cérebros que recriam o que as pessoas pensam e sentem em relação a determinada coisa, o que permitirá criar um conteúdo melhor.
Mas também prever com mais precisão como é que esse conteúdo levará a cliques, gostos, vendas e resultados. A computação neuromórfica pode desbloquear a capacidade de entender mais profundamente a perceção das audiências.
Com a IA, as ferramentas de pesquisa ficarão obsoletas e desaparecerão?
Não estou em posição para falar sobre isso. A questão será se o tipo e modelo tradicional de pesquisa existirá daqui a cinco ou 10 anos, porque as pessoas vão fazer perguntas nas ferramentas de IA.
A Google é uma empresa muito inteligente e tenho certeza de que com o Gemini terá mecanismos para permitir que as pessoas acessem a informações, que sejam monetizáveis.
Vejo um futuro em que as pessoas se envolvem com grandes modelos de linguagem, criando conteúdos, em que haverá bens e serviços a serem oferecidos nesses conteúdos.
Os motores de busca ainda fazem sentido no futuro onde a IA vai dominar?
Um motor de busca tenta ser o mecanismo mais eficaz para obter acesso a informações. Se há um novo canal para isso, que são os grandes modelos de linguagem, tenho a certeza de que o Google vai entender como aproveitar essa tecnologia.
O fim dos anúncios nos motores de pesquisa?
O que vai acontecer à publicidade de pesquisa, que é uma fonte de receita para os motores de busca e um suporte publicitário relevante para os anunciantes?
Estaremos sempre à procura de bens e serviços e, ou vamos falar com grandes modelos de linguagem, ou os nossos gémeos digitais vão interagir com eles, havendo uma oportunidade de colocar à nossa frente bens e serviços que nos enriquecem. É apenas um tipo diferente de mecanismo para nos expor às marcas.
Com as pessoas a migrar para o ChatGPT, Gemini e outras ferramentas de IA, o valor da publicidade nos motores de busca diminuirá?
Ainda é muito cedo, os grandes modelos de linguagem só existem há alguns anos.
Estamos para ver como isso vai desafiar os motores de pesquisa. Vejo um futuro em que nos envolvemos com os conteúdos com menos atritos. Mas isso tem de ser pago e é provável que os conteúdos tenham publicidade incorporada.
O ChatGPT e o Gemini são o próximo Google, enquanto novo media para publicidade digital?
Penso que sim, da mesma forma que quando falamos com a Alexa, por exemplo, também é um novo media. Essas organizações vão ser inteligentes e garantir que esses conteúdos têm produtos e serviços. Não sei se já há empresas ou marcas que estejam a utilizar grandes modelos de linguagem como suporte publicitário.
Talvez o Perplexity esteja a fazer isso, não tenho a certeza, e pode haver mais algumas organizações que estejam a começar a incorporar publicidade nos seus grandes modelos de linguagem.
Alternativas para os ‘cookies’
Quais são os desafios que o fim dos ‘cookies’ de terceiros traz? Há um papel para a IA nesta transição?
Para os nomes, endereços e datas de nascimento, por exemplo, há ‘proxies’ que compreendem o comportamento humano.
Mas a forma como alguém perceciona algo não depende da data de nascimento, mas se a pessoa está apaixonada ou com fome, do tempo e da hora do dia, e se a sua equipa de futebol ganhou ou perdeu no jogo no fim de semana.
Entender os dados que são necessários, que representam a perceção de uma audiência, é que é a grande questão, não são os nomes, endereços e os ‘cookies’. Dominar os dados necessários para entender o comportamento humano ainda é uma arte.
Como é possível saber essa informação?
Pode usar-se os ‘proxies’. Sabemos qual é o dia de pagamento para a maioria das pessoas, sabemos o tempo e os acontecimentos que se passam no mundo.
Com menos dados, como é que se chega a essas pessoas?
Através de canais como a pesquisa do Google, a Amazon, o TikTok, os ‘outdoors’ e os anúncios do Super Bowl. Há muitos e muitos canais por aí.
Sem cookies de terceiros é mais difícil?
Não acho. Existem alternativas num mundo sem ‘cookies’ de terceiros, como esta ideia de usar IA para entender o público sem precisar de entender indivíduos específicos.
As avaliações de produtos da Amazon, por exemplo, contêm uma enorme quantidade de informações sobre como o público percebe os produtos, que permite criar melhores anúncios.
Acha que no futuro vai perder o seu posto de trabalho para a IA?
Não sei, espero que sim. [risos] O meu trabalho é facilmente substituído por um gravador. Se me gravar a falar sobre IA durante uma hora, isso é 90% do meu trabalho.
Terei de pensar nas tecnologias que estão a surgir no meio académico, a rapidez com que serão adotadas pela indústria, como vão resolver certos problemas em toda a cadeia de abastecimento, etc.
Mas há trabalho para alguém que pensa sobre essas tecnologias emergentes, mas provavelmente não é o meu trabalho. O facto, por exemplo, de a IA jogar xadrez melhor do que um humano não impede as pessoas de continuarem a jogar.
Na verdade, há hoje mais pessoas a jogar xadrez do que nunca. Só porque a IA pode fazer algo não significa que o vai fazer efetivamente.
Mas, se isso acontecer, o que vai fazer a seguir?
Exatamente o que faço agora. Estou muito feliz numa indústria que está na iminência de usar essas tecnologias para a transformar, numa empresa que adoro, que me dá liberdade para explorar a consciência da máquina e outras questões importantes.
Quero tornar isto acessível às pessoas. Se aplicarmos a IA da maneira certa, podemos permitir que as pessoas façam aquilo que amam.
*com Daniel Monteiro Rahman