O atrevimento de ser ridículo com convicção
Pelo inusitado, ‘The Bear’ (na foto), da BETC Paris para o Canal+, é a campanha que Teresa Verde Pinho gostaria de ter feito. ‘Natal dos Esquecidos’, para a ONG CASA, é a que mais gostou de fazer, revela a codiretora criativa associada da TBWA\Chiat\Day, na rubrica Como É Que Não Me Lembrei Disto?
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Qual é a campanha que gostaria de ter feito?
Se há uma coisa que me deixa em pânico criativo, é esta pergunta. Há milhares de filmes, campanhas e ativações que adorava ter feito. É como me perguntarem o meu prato preferido. Mas destaco ‘The Bear’, campanha da BETC Paris para o Canal+. Se pudesse ter metido as mãos neste filme, reformava-me logo a seguir.
Quais são as razões dessa escolha?
A campanha é de um humor refinado, mas sem cair no ridículo, o que é difícil de conseguir. Há um equilíbrio perfeito entre a loucura da ideia e a execução. É o tipo de anúncio que me faz sentir insegura sobre as minhas próprias ideias.
O que é que lhe chamou mais a atenção na campanha?
Tudo. A começar pelo protagonista. Podia ser só um urso realizador de cinema e, só com isso, o anúncio já seria genial. Mas não, não se ficaram por aí. Fizeram dele um urso francês, a realizar filmes em Hollywood, com aquele ar de diva superior que todos conhecemos bem, igualzinho a um realizador que acha que é um ser iluminado incompreendido. E, como se não bastasse, deram-lhe um sotaque francês fortíssimo a falar inglês. É o toque de génio, a cereja no topo do absurdo.
Que outros aspetos salienta?
Não, a direção de arte está impecável. O humor visual é brilhante. A narrativa tem um ritmo afinadíssimo. O humor vai crescendo sem pressas. E os detalhes são de rir, desde cada pequeno gesto do urso ao cenário meticulosamente pensado do escritório de um realizador obcecado, são muitos os pormenores. O melhor de tudo é o contraste entre a loucura da premissa e a seriedade com que tudo é tratado. Até a banda sonora foi escolhida para ser perfeita.
Esta campanha inspirou-a a nível criativo?
Sem dúvida. Inspirou-me a lembrar que, por mais absurda que seja a ideia, se a executarmos com toda a seriedade e atenção ao detalhe, se o ‘craft’ estiver nos 1000%, pode tornar-se genial. A campanha ensinou-me que o segredo é ter coragem para ser ridículo, mas com convicção. Também me fez pensar que, às vezes, o humor mais eficaz vem do inesperado. A campanha inspira, aumenta a vontade de arriscar, de pegar numa ideia completamente fora da caixa e de a levar tão a sério que as pessoas não têm outra escolha senão embarcar na loucura.
Qual é a campanha que fez que mais a concretizou profissionalmente?
Foi a campanha ‘Natal dos Esquecidos’, que cocriei para a organização não-governamental Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA). Criativamente falando, não é exatamente candidata a um Cannes Lion, mas todo o processo criativo valeu cada segundo despendido. Foi o projeto que me fez vestir uma quantidade ridícula de chapéus. Além de redatora e produtora, fui relações públicas, gestora de redes sociais e o que mais fosse preciso.
O que é que aprendeu com essa campanha?
Aprendi a fazer um bocado de tudo, a contornar imprevistos, a pedir favores e a ver o impacto real do que estava a acontecer à minha frente. Às vezes, não é a ideia mais genial que nos preenche, mas, sim, a experiência de suar e construir algo do zero, com as próprias mãos.
Como é que chegou a esta ideia e avançou para a execução?
Eu e a minha dupla, a Mariana Reis, estávamos na Ogilvy Paris, numa fase daquelas em que parece que os ‘briefings’ só vão parar às mesas dos outros. Já não aguentávamos a sensação de cérebro empoeirado. Foi aí que, num momento de livre, espontânea e meio desesperada vontade, decidimos mandar uma mensagem à Cátia Matias, uma antiga colega da Fuel que era voluntária no CASA, que no colocou em contacto com esta associação.
Então, juntámos o útil ao absolutamente necessário para a nossa sanidade e fomos ajudar, com o voluntarismo de quem vai para mudar o mundo mas, na realidade, era de nós mesmas que nos queríamos salvar.
Como é a campanha?
O ‘insight’ veio do ‘briefing’ da ONG. Na época de Natal, recebemos toneladas de mantas, roupas e alimentos. Apesar de os sem-abrigo necessitarem destes produtos, têm vergonha de os pedir, porque são prendas de Natal. Foi aí que a ideia nasceu. E se os sem-abrigo escrevessem cartas ao Pai Natal?
Cartas sem filtros, a pedir o que realmente querem. As cartas foram, depois, colocadas online, num local onde qualquer pessoa podia adotar uma das missivas e enviar o presente pedido. É uma ideia simples, mas com o poder absurdo de dar a quem é esquecido a sensação de ser visto.
Quem esteve envolvido na campanha?
O mais incrível é que esta campanha foi feita à base de favores e amigos de coração grande, sem qualquer investimento financeiro. O filme foi criado pelo realizador Bruno Ferreira, a música foi cedida pelos Linda Martini, as fotos e a edição foram asseguradas pelo Tiago Soares e toda a logística e a gestão das redes sociais ficou nas mãos da incansável Cátia Matias. O sucesso foi tanto que, este ano, já vamos para a sétima edição.
As campanhas atualmente estão mais ou menos criativas?
Acho que estão menos criativas e justifico-o com quatro razões. Primeiramente, a publicidade virou um exercício de matemática. Agora, tudo tem de caber numa caixinha de métricas, cliques, dados e algoritmos. Já ninguém quer saber se uma campanha emociona e muito menos se faz pensar. O resultado é um mar de campanhas iguais, todas certinhas e enfadonhas, formatadas para agradar ao algoritmo, não ao público.
Depois, temos a famosa politiquice dos prémios.
Quem precisa de ideias brilhantes quando se tem os contactos certos? Uma ativaçãozinha sem pés nem cabeça, que ninguém viu, ganha um Leão em Cannes só porque quem a fez sabia exatamente a quem mandar uma mensagem direta. Aqui, o que conta é o ‘networking’, não a criatividade, que fica esquecida algures entre o cocktail e o tapete vermelho.
E as outras duas razões?
Em terceiro lugar, a falta de investimento por parte das marcas. Havendo menos dinheiro para as agências, há menos flexibilidade para contrariar os clientes e mostrar ideias que possam ser realmente diferentes. E, por último, temos cada vez mais gente no topo que percebe tanto de criatividade como eu percebo de física quântica. O foco, hoje, está todo no negócio. O que interessa é manter a agência à tona e arriscar ou propor algo minimamente diferente é meio caminho andado para perder um cliente.
O que é que faz quando não tem ideias?
Depende do meu nível de desespero e do tempo que tenho até à ‘creative review’ seguinte. Se sentir uma ansiedade leve, vou ao [site] Deck of Brilliance e vejo 50 campanhas, enquanto suplico que se desbloqueie alguma coisa na minha cabeça. Nem sempre funciona, mas é um início. Pelo menos sinto que estou a fazer alguma coisa enquanto o relógio avança.
E nos casos em que o stresse é maior?
Se começar a sentir pânico, começo a vasculhar as minhas gavetas antigas, a procurar ideias velhas que ficaram no limbo, aquelas que na altura ninguém quis, mas que podem ter uma segunda vida se as moldar um bocado ao ‘briefing’ que tenho em mãos. Depois, é fingir que é novinha em folha e rezar para que ninguém se lembre que já a apresentei anteriormente. Em situações de nível máximo de desespero, recorro ao salvador moderno, o ChatGPT. Com o ‘prompt’ certo, às vezes, ajuda.
Ficha técnica |
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