Criatividade que não se limita à mensagem
‘Dumb Ways to Die’ (na foto) da McCann Erickson Melbourne é a campanha que Tiago Mesquita gostaria de ter feito. A ‘Heart – The Art of Living’ é a que faz e mais concretiza o supervisor criativo da i-Brothers, revela na rubrica do M&P Como É Que Não Me Lembrei Disto?

Daniel Monteiro Rahman
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A forma como um tema pesado – como os acidentes de pessoas em linhas férreas – é abordado com humor, leveza, animação e musicalidade, faz com que a campanha ‘Dumb Ways to Die’, da McCann Erickson Melbourne, seja uma fonte de inspiração para Tiago Mesquita.
São muitas as campanhas de que se orgulha ter feito, mas é um projeto pessoal que mais o concretiza. Quando está sem ideias, o supervisor criativo da i-Brothers gosta de se desligar, pois não acredita que martelar num pensamento o torne mais criativo, mas também acredita que o entusiasmo é a melhor fonte de inspiração, revela ao M&P na rubrica Como é Que Não Me Lembrei Disto?, dedicada à criatividade.
Qual é a campanha que gostaria de ter feito?
A campanha com a qual mais me identifico, e que, por outro lado, mais gostaria de ter feito, é a campanha ‘Dumb Ways to Die’ da McCann Melbourne, antiga McCann Erickson Melbourne, para a Metro Trains, na Austrália.
Quais são as razões dessa escolha?
Destaco a relevância e o humor presentes numa animação simples, mas muito atrativa. A música tornou-se num êxito que perdura até aos dias de hoje. A ‘silliness’ que se combina com uma mensagem muito clara e distinta, torna a campanha em si numa obra de arte que admiro bastante. Tendo crescido com as animações dos Happy Tree Friends, das quais também sou bastante fã, é mesmo um daqueles casos em que digo: “caramba, como é que não me lembrei disto?”.
Qual é o ‘insight’ e como é materializado?
Muitas vezes, o ‘insight’ provém de uma verdade. A partir daí, conseguimos compreender verdadeiramente o problema e, assim, criar a melhor solução. Neste caso, a abordagem utilizada foi a de falar de um tema ‘pesado’ [mortes nas linhas de comboio/metro] de forma inovadora, não com o intuito de chocar as pessoas, mas sim de as educar.
Em teoria, este processo parece simples: o ‘insight’ é tanto um ponto de partida como uma etapa no processo criativo. Acreditando neste objetivo, a forma encontrada para o materializar foi uma comunicação sobre um tema de sensibilização, com um tom humorístico e viral. A música, tendo esse potencial, foi o formato que melhor representou este objetivo, sendo que a solução encontrada e os seus resultados falam por si.
O que é que lhe chamou mais à atenção? O texto, a imagem, o protagonista ou outro aspeto da campanha?
A musicalidade e o tipo de animação tornam a mensagem tão simples, mas tão impactante, que é difícil não gostar dela. Acresce que a sua capacidade de adaptação e reutilização mostram que a criatividade envolvida nesta campanha é forte e não se limita àquela mensagem. De facto, mais tarde, a campanha foi usada para abordar outros temas de segurança e em diferentes contextos culturais.
Esta campanha inspirou-o a nível criativo?
De certa forma, sim. Mostra que podemos abordar assuntos sérios e importantes de forma astuta, com leveza e humor. Mostra que não é necessário dramatizar os temas sérios e que, por vezes, podemos reinventar a forma como comunicamos.

Tiago Mesquita acredita que a criatividade se tenha tornado mais imaterial, por estarmos numa era mais digital
Até que ponto a banda sonora de uma campanha pode contribuir para o seu sucesso?
A banda sonora pode contribuir muito para o sucesso, pois confere emoção e permanência na memória. Lembro-me, até hoje, da canção “Boa noite, Vitinho”, pela emoção que me despertava sempre que passava na televisão.
E essa emoção perdura na minha memória até aos dias de hoje, pela forma como me fazia sentir sempre que a ouvia. Acredito que muitas pessoas da minha geração ainda se lembram da letra da música, pois foi um jingle muito acarinhado por todos.
Qual é a campanha que mais o concretizou profissionalmente?
Tenho várias ideias de que me orgulho e que me fazem sentir concretizado profissionalmente, mas a que melhor me representa é a que fiz para mim mesmo: o projeto ‘Heart – The Art of Living’. Essencialmente, implantei um chip junto ao meu coração, que me permite guardar tudo o que amo. Foi um projeto pessoal de vida, no qual continuo a investir até hoje, para poder recordar mais tarde.
Como é que chegou a esta ideia e avançou para a execução?
Após ter sido operado ao coração há alguns anos, passei a interessar-me pela inteligência emocional e pela forma como vivemos a vida. Quis dar maior significado aos momentos que vivo e, por fim, queria muito guardar as coisas de que gosto junto ao meu coração (literalmente).
Ao partilhar a ideia com amigos e colegas da área, apercebi-me do seu potencial criativo e de como esta ideia me poderia destacar no mercado. Acredito que a criatividade vai além da profissão – é uma forma de estar e viver.
O projeto cresceu e, para além do chip criado em parceria com a Dangerous Things, desenvolvi um site para partilhar, em tempo real, o que guardo no meu coração. Produzi também um vídeo para apresentar o projeto e promovê-lo nas redes sociais, que resultou numa exposição viral.
Acabei por ser entrevistado por vários órgãos de comunicação social e por participar na Bienal dos Jovens Criadores, em Milão, em 2015, onde fiz uma pequena exposição do projeto. Além disso, o projeto foi inscrito nos Prémios CCP 2015, tendo conquistado o Bronze na categoria de autopromoção, e foi selecionado para competir no Cannes Lions do mesmo ano.
As campanhas estão mais ou menos criativas?
A criatividade é cíclica. Costumamos procurar tendências do passado para as reavivar. Por estarmos numa era mais digital, acredito que a criatividade se tenha tornado mais imaterial. Atualmente, não vejo tantas campanhas de guerrilha como acontecia há alguns anos. E nesse aspeto, penso que a criatividade não se tenha tornado menos ou mais criativa, mas sim mudado de forma.
O que é que faz quando não tem ideias?
Desligo. Deixo de pensar e faço outras coisas. Muitas vezes, sinto que tenho mais lucidez após um passeio ou uma corrida, pois sinto que me afastei do ‘briefing’ e consegui ter uma visão mais ampla do problema. Não acredito que estar a martelar num pensamento me torne mais criativo.
Ter essa capacidade de desligar e depois voltar com a cabeça limpa torna-me muito mais eficaz na procura de ideias melhores. Outro fator que me inspira a criatividade é o entusiasmo. Sempre que estou entusiasmado por algo, tenho também as melhores ideias.
Parte desse entusiasmo não se deve apenas à minha capacidade emocional no momento, mas também às pessoas com quem tive o prazer de trabalhar e à forma como sou tratado. Em parte, acredito que esses são os aspetos mais importantes que, para mim, fazem a diferença.
Ficha técnicaCampanha Dumb Ways to Die |
Ficha técnicaProjeto Heart – The Art of Living |