O trabalho remoto é bom, mas não é a mesma coisa
A 23 de janeiro de 2020, numa decisão entendida como extrema, o governo chinês decretou o confinamento obrigatório de toda a cidade de Wuhan. Os 11 milhões de habitantes tinham […]
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A 23 de janeiro de 2020, numa decisão entendida como extrema, o governo chinês decretou o confinamento obrigatório de toda a cidade de Wuhan. Os 11 milhões de habitantes tinham de permanecer em casa, apenas podendo sair para a realização de tarefas indispensáveis. Ninguém podia sair da cidade e ninguém de fora poderia entrar sem autorização. Estas foram medidas que impressionaram o mundo inteiro mas, menos de dois meses depois, em março desse ano, a maioria dos países da Europa estava também a decretar inéditos confinamentos como forma de conter o contágio do covid-19. Foram cerca de dois anos em que quase todo o planeta descobriu que era possível continuarmos a executar as nossas profissões sem termos que nos deslocar para o escritório todos os dias.
A memória que temos desses tempos deve ser mais ou menos comum. Numa primeira fase, num misto de receio e de falta de hábito, passámos quase a totalidade do dia ligados aos nossos colegas e aos principais clientes e fornecedores. Não sabemos dizer se fomos mais produtivos, por trabalharmos horas a fio, mas fomos pelo menos suficientemente competentes para manter a economia a funcionar. Alguns negócios não sobreviveram, mas foram sobretudo os que dependiam da presença física dos seus clientes.
Mas, após muitos meses, a necessidade de uma forte autodisciplina e a ausência das dinâmicas que só se criam em equipa, começaram a deixar a sensação a muitos de nós de que não era a mesma coisa. No entanto, a inexistência das deslocações diárias para os escritórios vieram acrescentar significativas poupanças financeiras e horas disponíveis para um melhor equilíbrio com a vida pessoal.
Não foi assim com total espanto que os regimes remotos, tão do agrado de muitos colaboradores, começassem a ser questionado por muitos gestores. Os primeiros exemplos vieram da banca de investimento que exigiram o regresso total, mas foram-se progressivamente alargando a todos os setores incluindo as empresas tecnológicas, aquelas que mais tinham celebrado esta nova realidade. Nestas, a opção passou quase sempre por regimes híbridos de apenas dois, três ou até quatro dias por semana no escritório, ou algumas semanas durante o ano.
A 3 de agosto passado houve uma decisão simbólica. Eric Yuan, o CEO da tecnológica Zoom, que hoje todos conhecemos por causa do trabalho remoto, decretou que todos os colaboradores que vivessem a menos de 80 quilómetros do respetivo escritório teriam de regressar ao escritório num mínimo de dois dias por semana. As razões evocadas por Eric Yuan foram que, remotamente, fica muito difícil para os colaboradores se conhecerem e criarem laços de confiança. Sem essa relação entre colegas, a capacidade das organizações se manterem criativas fica afetada e isso compromete o seu sucesso a prazo.
Não deveremos errar muito se especularmos que esta decisão do CEO da Zoom foi muito refletida. Não só a empresa conheceu o seu “momentum” com a pandemia, como o seu produto principal beneficia das necessidades que o trabalho remoto cria. A decisão pode assim contribuir para uma eventual redução do mercado, ou da procura, do seu próprio produto, algo que nenhum CEO faz se tiver alternativa.
A Zoom tem este simbolismo, mas é apenas mais uma que mostra que a maioria dos gestores não está entusiasmada com a manutenção do trabalho remoto. Pelo contrário, são muitos os colaboradores que advogam que são mais produtivos de casa e que não faz sentido voltarem a submeter-se a inúmeras horas no trânsito ou em transportes públicos. Esta é uma questão em aberto e só o futuro nos mostrará o melhor caminho. Mas talvez não seja a primeira vez que discutimos o impacto de algo que nos pode ajudar à produtividade, mas que também pode contribuir para a sua redução. Quem começou a trabalhar no início da década de 90 ainda presenciou telefones de disco com cadeado dentro dos escritórios, para não permitir o seu uso para fins pessoais no horário de trabalho. Na década seguinte, muitas empresas limitavam o uso de internet ou, pelo menos, restringiam o acesso às redes sociais, aos sites de notícias e até ao homebanking.
A aprendizagem que fizemos é de que todas estas ferramentas, quando bem utilizadas, aumentavam a nossa produtividade e, não menos importante, a nossa satisfação e o equilíbrio com a vida pessoal. Hoje, achamos ridículo considerar-se que alguém não sabe gerir os telefonemas pessoais, que sempre existiram no horário de trabalho ou as visitas aos diversos sites. O mesmo racional deveremos ter sobre a capacidade de cada um encontrar o equilíbrio nos regimes híbridos ou totalmente remotos. Mas também não deveremos desvalorizar o desafio que a autodisciplina implica e que todos nós nos sentimos positivamente desafiados quando atuamos expostos à observação de outros. Como em quase tudo. o equilíbrio será chave, mas quase de certeza que esse equilíbrio passará por períodos obrigatórios em equipa tal como o CEO da Zoom veio, de forma certamente não leviana, reconhecer.
Artigo de opinião assinado por João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa