“As marcas não podem continuar a baixar investimentos em comunicação se quiserem manter-se relevantes”
Manuela Botelho, secretária-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes, analisa o impacto da pandemia no marketing e os desafios, para profissionais e empresas, neste contexto de incerteza.
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Manuela Botelho, secretária-geral da Associação Portuguesa de Anunciantes, analisa o impacto da pandemia no marketing e os desafios, para profissionais e empresas, neste contexto de incerteza.
Meios & Publicidade (M&P): É inevitável começar pela situação que o país, e o mundo, atravessa. Janeiro de 2021, 10 meses de pandemia. Quais são hoje as três maiores preocupações e prioridades dos anunciantes? Foram, de alguma forma, alteradas pela pandemia?
Manuela Botelho (MB): A maior preocupação dos anunciantes neste momento é idêntica à de todos os outros sectores: o que será que o futuro nos reserva. Entrámos em 2021 com algumas, diria até elevadas, expectativas e, em pouco mais de duas semanas, somos novamente confrontados com uma realidade que não esperávamos ter de enfrentar de forma tão veemente, dada a experiência que tivemos em 2020. O impacto desta crise pandémica é de tal ordem que é impossível não alterar preocupações e prioridades da indústria. Contudo, há coisas que não se alteram e continuar a construir as suas marcas, dando resposta às necessidades dos consumidores, mantém-se como a grande prioridade do marketing. A questão que se coloca no contexto actual e que, certamente, permanecerá por bastante tempo, é de que forma os profissionais de marketing conseguem manter-se competitivos e a gerar valor para os seus negócios? Como conseguem manter-se relevantes? Grande parte dos profissionais sofreram cortes nos seus orçamentos em virtude da covid-19 e estão sobre enorme pressão para continuar a provar o valor da sua actividade. Por outro lado, esta é uma oportunidade para optimizar os investimentos e provar a eficácia das campanhas e dos canais utilizados. Isto leva-me a outra preocupação, que é a agilidade. Durante tempos instáveis, como os que vivemos, é fundamental ser capaz de se adaptar rapidamente às circunstâncias, aceitando-as em vez de tentar contrariá-las. E este foi um desafio perante o qual as marcas estiveram à altura, prova disso foi a rapidez que demonstraram para alterar processos, sistemas e tecnologias. Só que perante um cenário de crise constante e sem previsão de término, esta adaptabilidade passa a ser uma preocupação contínua. Também já percebemos que, após quase um ano de pandemia, é expectável que os hábitos e os comportamentos das pessoas se alterem definitivamente no futuro. Por isso, é prioridade que as marcas oiçam as pessoas e saibam como o fazer. É fundamental a aposta em canais digitais e de relacionamentos online com os seus clientes, até como forma de se protegerem contra novos surtos no futuro. Abraçar a transformação digital é chave. Já assim foi em 2020 e não deixará de o ser em 2021. As interacções face a face continuarão a existir em número muito residual, portanto é importante que as marcas considerem as pessoas que não pretendem estar presencialmente. A componente virtual vai continuar a ser muito importante em qualquer evento ou acção de marketing e os anunciantes devem estar preparados para este nosso “novo normal”. Outra preocupação, que é simultaneamente uma prioridade, é a comunicação. Mesmo em tempos de pandemia, as marcas não podem perder de vista os seus valores. Serão lembradas pelas suas acções positivas durante esta crise, tornando obrigatória a existência de um alinhamento interno e externo.
M&P: A grande prioridade continua a ser construir marca. Mas, nestas circunstâncias, é possível?
MB: Continuo a acreditar que sim, mas não pode ser business as usual. Apesar de vivermos momentos de grande sensibilidade e orçamentos reduzidos, não podemos ficar sem comunicar. As pessoas continuam a acreditar nas organizações e precisam de saber que as marcas estão do seu lado e se preocupam com elas, ainda que sem paternalismos. As crises não duram para sempre e a forma como posicionarmos a marca hoje perdurará no tempo e ditará o seu futuro. Numa altura de incertezas e de falta de confiança em relação às instituições, as marcas devem continuar a falar para as pessoas, porque a relação entre uma marca e os seus consumidores não é apenas transaccional. Esta relação vai além da experiência de consumo, as pessoas também gostam de saber como a marca está a apoiar a comunidade onde está inserida ou como está a tratar os seus colaboradores ou clientes. É a autenticidade que está em causa neste momento.
M&P: Em 2020 assistimos a uma quebra do investimento publicitário na ordem dos 20 por cento. Para este ano previa-se crescimento, embora difícil de estimar. O que é que diria neste momento?
MB: Vivemos tempos de grande incerteza, talvez até mais do que em 2020, tornando-se muito difícil antecipar o que pode acontecer. Certo é que as marcas têm neste momento dois desafios para responder: uma potencial redução nas vendas e uma necessidade de sobrevivência no médio e longo prazo. E esse é um equilíbrio difícil, mas que tem de ser feito. E voltamos ao que disse antes: os alicerces da construção de uma marca passam pela confiança e não há como fugir dessa responsabilidade. Os consumidores responsabilizam as marcas, recompensando os ousados e penalizam os pusilânimes.
M&P: Em 2020 fomos todos apanhados de surpresa. Agora o “novo normal” significa também que o que era verdade há duas ou três semanas já não se aplica. Como é que se gere orçamentos de marketing neste contexto?
MB: Não adianta tentar aplicar as mesmas fórmulas quando o contexto mudou de forma dramática. A incerteza persiste, não só com o “abre e fecha” da economia, mas também em relação ao futuro. Não sabemos como será o mundo, as nossas vidas e a economia quando finalmente tudo começar a reabrir. Por isso, é preciso criar cenários, colocando sempre os interesses do consumidor no centro da equação. Gerir orçamentos neste contexto exige grande flexibilidade. É o momento para as empresas potenciarem a sua transformação digital através da gestão de dados, tendo como objectivo melhorar a sua eficácia. Alguns estudos indicam que as empresas orientadas por dados são mais resilientes e confiantes durante uma pandemia do que as que não o são. E esses dados, além de orientarem decisões ao nível da comunicação, também o fazem para o negócio. É por essa razão que os líderes empresariais de empresas orientadas por dados admitem que têm uma vantagem crítica durante a pandemia. Questões pertinentes que serão matéria de debate para um Fórum de Líderes que a APAN está a organizar para os seus associados.
M&P: A maior parte das empresas que representam já são orientadas por dados? Em que é que se reflecte? Pode ser feito com o mesmo perfil de profissionais?
MB: A utilização de dados já é uma prática comum nas empresas, há algum tempo, para melhorar a eficiência das suas operações. Mas a grande transformação na última década é o surgimento de novas ferramentas e técnicas, bem como novas fontes e formas de dados que estão a mudar o panorama do marketing, da inovação e do planeamento dos negócios. Existem algumas empresas associadas da APAN que fizeram uma importante transformação digital e estão em condições de utilizar internamente os insights dos dados, quer nas suas campanhas de comunicação, quer nas suas decisões de negócio. Outras empresas, não tendo internalizado essa actividade, trabalham com parceiros que os ajudam a tirar o máximo partido, não só dos seus dados, como dos dados dos seus parceiros em benefício do seu negócio.
M&P: E do lado das agências? Tanto das criativas como de meios? Têm conseguido, em sua opinião, adaptar-se ao actual contexto?
MB: As agências sabem que a maioria dos seus clientes está a ser afectada pela pandemia e têm tentado oferecer o serviço mais ajustado às dificuldades de cada cliente, ajudando-os a ultrapassar as dificuldades. E sei que o estão a fazer com grande dedicação e envolvimento. Por outro lado, as próprias agências também enfrentam dificuldades económicas relacionadas com a quebra de actividade dos seus clientes. Enfrentamos tempos que exigem grande compreensão e empatia de parte a parte e uma busca activa de soluções que ajudem a minimizar os impactos desta crise sanitária.
M&P: O que mudou, se é que mudou alguma coisa, na relação cliente/agência?
MB: Estou certa de que muita coisa muda nesta relação, sobretudo porque os orçamentos são menores e o número de canais de comunicação também. Acresce ainda o facto de a incerteza relativamente ao futuro ser grande e não sabermos quando podemos esperar alguma normalidade. A nível pessoal, há interrupção nos hábitos do dia-a-dia porque as pessoas estão a trabalhar em casa com todas as complexidades que daí advém. Ao nível do trabalho, com as quedas nas vendas que muitas marcas e sectores completos de negócio estão a enfrentar, é fundamental manter sólidos os relacionamentos entre clientes e agências para que juntos possam resistir a este embate que os vai colocar à prova. A verdade é que assistimos à forma rápida com que muitas empresas e agências responderam de forma empática a esta pandemia, o que revelou uma enorme disponibilidade, agilidade e flexibilidade das agências e das marcas, condições elementares em ambientes de negócio imprevisíveis e em constante mudança.
M&P: Ainda sobre os dados… Neste momento já é possível ter dados fiáveis sobre o consumidor? No início do Verão, e apesar de já existirem alguns estudos, havia a ideia de que o conhecimento acumulado sobre o consumidor tinha perdido a validade. E agora?
MB: Desde o início da pandemia que têm vindo a público vários estudos que tentam entender e explicar as alterações dos comportamentos das pessoas e das suas expectativas face a uma experiência tão traumática quanto esta. Na verdade, aquilo que começou por ser uma primeira experiência, tem já a duração de um ano. E a grande dúvida é se os hábitos que adquirimos durante a pandemia se vão manter após esta terminar. Não é por acaso que já alguém a designou como a “Pandemia da Incerteza”. Há mudanças de comportamento que, acredito, possam ficar, como é o caso do trabalho remoto. De um modo geral, as pessoas acostumaram-se às vantagens de trabalhar em casa, não tendo de gastar tempo e recursos em deslocações, ou à flexibilidade que o teletrabalho oferece. E já há várias empresas a considerar essa opção para o futuro, de uma forma combinada com a presencial. Também é expectável que, com a desaceleração económica, as pessoas sejam mais selectivas nos seus comportamentos de consumo, preferindo determinados produtos em detrimento de outros. Ser economicamente “consciente” parece ser o novo normal em matéria de gastos, com prioridade para os serviços e produtos essenciais. Além disso, as compras online parecem ter vindo para ficar, mas não dispensam a interacção pessoal e humana, sempre que necessário. Não querendo parecer repetitiva, a verdade é que ninguém tem certezas de nada, pelo que o mais avisado é ouvir os consumidores, agir, testar, e ir ajustando sempre de forma rápida e ágil.
*A entrevista completa foi publicada na edição de 29 de Janeiro do M&P e pode ser lida aqui