Em Roma, onde reside com a família, Elsa Lourenço trabalha como produtora no Dialogue, estúdio de ‘motion design’ e animação português com delegação em Itália, que, para de publicidade e pós-produção audiovisual e cinematográfica, também desenvolveu o ‘branding’ da edição de 2024 do festival de efeitos visuais e animação da Associazione Effetti Visivi (AVFX), que se realiza na capital italiana.
Emigrou para Itália para acompanhar o marido, mas acabou por transformar a decisão numa oportunidade de crescimento profissional, num país onde considera que o foco nos objetivos a atingir continua a ser preterido em função de uma forma de organização laboral que se assemelha à portuguesa.
Trabalhar fora de Portugal era uma ambição ou houve uma circunstância a determinar a saída?
Trabalhar no estrangeiro nunca foi uma ambição pessoal, e, na verdade, foi uma saída por amor. O meu marido recebeu, em 2008, uma proposta de trabalho para uma multinacional sediada em Roma, inicialmente por dois anos.
Na altura, decidimos que era uma experiência que queríamos abraçar, até porque Roma é uma das minhas cidades favoritas. Portanto, era uma espécie de sonho, que não sabia que tinha, a tornar-se realidade.
O que fazia em Portugal?
Era produtora no Teatro A Barraca, em Lisboa. Numa fase inicial, mantive a minha ligação ao teatro. Estive em teletrabalho muito antes de se tornar algo comum. Dezassete anos, dois filhos e uma cachorra depois, continuamos em Roma, a cidade eterna.
Trabalhou sempre para empresas portuguesas?
Estive vários anos em Itália a trabalhar para Portugal e voltei a fazê-lo, nos últimos três anos, para o Dialogue. Ainda em Itália, tive uma breve passagem pela Agência Espacial Europeia, quando estava grávida do meu primeiro filho, que tem agora 14 anos.
Depois de um breve período em Madrid, regressámos a Itália e juntei-me ao Forgotten Project, projeto de valorização da arquitetura contemporânea através da arte urbana, e, depois disso, à Pedius, uma startup de carácter social focada no empoderamento da população surda.
Em termos profissionais, quais são as diferenças entre trabalhar em Portugal e em Itália?
Não sinto grandes diferenças em termos de trabalho, honestamente. Tal como em Portugal, há muito a ideia de que é preciso estar um determinado número de horas no local de trabalho, com as organizações a focarem-se pouco nos objetivos a atingir.
O panorama mudou ligeiramente durante a pandemia, mas a maioria das empresas está a voltar ao regime presencial, quase a 100%.
Mas existem diferenças?
Uma grande diferença que sinto em relação a Portugal tem a ver com o apoio à família e à conciliação laboral para mães trabalhadoras. Em Roma, as escolas públicas terminam as 16h30 ou às 14h a partir do 6º ano, não existindo uma rede de ATL como em Portugal, o que obriga as famílias a depender de parentes ou de atividades privadas.
Nesse contexto, torna-se determinante criar uma rede de apoio, que, no nosso caso, não tendo família por aqui, se baseia na rede de pais e mães de colegas de escola, que, entretanto, se tornaram amigos. Vamo-nos revezando para conseguirmos ter horários que nos permitam conseguirmos trabalhar.
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Elsa Lourenço, produtora do Dialogue, não tinha a ambição de emigrar antes de ir para Itália
No meu caso, trabalhando em casa, num sistema remoto, é-me mais fácil conciliar as coisas, mas, ainda assim, é muito difícil o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Essa é uma das principais diferenças que noto.
Quais são as mais-valias e os obstáculos que o ser portuguesa tem no seu trabalho?
Sempre senti que ser portuguesa era uma mais-valia, porque acabei sempre por desempenhar funções onde falar português era um requisito fundamental. Somos flexíveis, resilientes e ‘problem solvers’, peritos na arte do desenrasca.
Conseguimos pensar mais fora da caixa do que os italianos, que são muito mais especializados em funções específicas. Como sempre fiz um pouco de tudo, consigo atirar-me a desafios e a coisas diferentes com maior facilidade.
Quais são as particularidades do mercado italiano na sua área, em termos de desafios e de diferenças, em relação ao português?
O mercado europeu tem mais semelhanças do que diferenças. Ao longo da minha experiência profissional no estrangeiro, tive a oportunidade de trabalhar em projetos internacionais e quase sempre com equipas multiculturais. Embora as diferenças culturais influenciem a forma como as mensagens são construídas, vejo-as mais como nuances e não como algo que defina mercados completamente diferentes.
Qual é o momento que o mercado italiano atravessa na sua área de atividade?
Na área da animação e dos efeitos visuais (VFX), o mercado italiano é muito mais maduro do que o português. Há uma indústria que em Portugal estamos ainda a desenvolver.
Tenho visto, nos últimos anos, o crescimento do setor em Portugal e termos tido um filme de animação português candidato a um Óscar em 2023 [A curta-metragem de animação portuguesa ‘Ice Merchants’, de 2022, escrita e realizada por João Gonzalez] e o ano de 2024 dedicado a Portugal no Annecy International Animation Film Festival, o mais importante festival europeu do setor, tem vindo a aumentar o interesse na área.
Enquanto estúdio, para além do nosso trabalho habitual, somos responsáveis pelo Atlas Festival, que vai para a quarta edição. É um festival dedicado às áreas da animação, efeitos especiais e ‘gaming’, que nasce da necessidade de juntar o talento português espalhado pelo mundo. Temos conseguido reunir profissionais excelentes, que trabalham para os mais renomados estúdios a nível internacional.
Que funções desempenha atualmente e que projetos tem em mãos?
Desde 2022, sou produtora no Dialogue, um estúdio de ‘motion design’ e animação com sede em Lisboa. Trabalhamos maioritariamente em publicidade com diversas agências e produtoras, nacionais e internacionais, mas também com clientes internacionais diretos.
Foi o caso da Associazione Effetti Visivi (AVFX), associação de efeitos especiais italiana, para quem desenvolvemos todo o ‘branding’ da edição de 2024 do Festival degli Effetti Visivi e dell’Animazione CGI. Neste momento, temos vários projetos em mãos, mas nenhum que possa revelar por agora.
Qual foi a experiência profissional que teve em Itália que mais a marcou?
A experiência que mais me marcou foi fazer parte do Forgotten Project, projeto que nasceu, em 2015, da exigência de valorizar o património arquitetónico contemporâneo da cidade de Roma, através da arte urbana.
Representou o regresso ao trabalho ativo, numa altura em que os meus filhos tinham cinco e dois anos, apesar de ser um trabalho voluntário. Por detrás do projeto estava uma associação sem fins lucrativos.
Porque é que foi marcante?
Esta iniciativa proporcionou-me uma série de contactos diretos com o tecido social e com as instituições romanas, porque os murais tinham de ser todos devidamente autorizados e a burocracia italiana é grande.
Com muita teimosia e vontade de deixar uma marca na cidade, conseguimos trazer cinco artistas portugueses, Add Fuel, Frederico Draw, Bordalo II, MaisMenos e Daniel Eime, que fizeram os seus primeiros murais no centro de Roma. O projeto culminou numa mostra no MACRO, museu de arte contemporânea de Roma, totalmente montada por nós. Dez anos depois, os murais continuam de pé e fazem parte da cidade.
Em termos profissionais, do que é que tem mais saudades, em relação ao mercado português?
Não sinto saudades do mercado português porque continuo ligada a ele, uma vez que, no Dialogue, trabalhamos com o mercado nacional e com o internacional.
Portugal valoriza o talento nacional?
Portugal deveria a apostar mais em valorizar o talento nacional e o encontro anual de talentos do setor que promovemos é um exemplo interessante, já que permite partilhar conhecimentos, criar uma comunidade, valorizar as instituições de ensino nacionais e abrir portas para alunos e futuros profissionais.
Pensa regressar a Portugal?
Penso sempre, apesar de ter cada vez mais a certeza de que isso não irá acontecer a curto prazo, porque tenho filhos adolescentes na escola, com os amigos e as redes relacionais em Itália. Mas não me imagino a envelhecer noutro sítio que não seja Lisboa.