João Pinto e Castro
João Pinto e Castro: “Os consumidores contemporâneos são uma seita perigosa”
O M&P entrevistou João Pinto e Castro em Maio de 2011, a propósito do lançamento do livro Marketing Ombro a Ombro. Dois anos depois, o seu pensamento continua actual.
Rui Oliveira Marques
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O M&P entrevistou João Pinto e Castro em Maio de 2011, a propósito do lançamento do livro Marketing Ombro a Ombro. O falecimento do professor universitário e responsável pela consultora Ology é um pretexto para recordar a forma como o consultor via o marketing nacional: “Vê-se relativamente pouco trabalho ambicioso de construção de marcas”, considerava. Dois anos depois, o seu pensamento continua actual.
Meios & Publicidade (M&P): O seu novo livro baseia-se na ideia de que as empresas estão habituadas a falar com os consumidores de cima para baixo, propondo por isso uma conversação ombro-a-ombro. Encontrou na sua pesquisa muitas empresas com esta nova postura?
João Pinto e Castro (JPC): Não é muito fácil encontrá-las, seja em Portugal ou no estrangeiro, porque é uma realidade nova que tem vindo a ser construída. As pessoas que trabalham em marketing foram treinadas de uma maneira diferente. Quando preparava o livro, foi difícil encontrar casos portugueses. Quando me apontavam alguma coisa, depois de a estudar, via que não era muito interessante. Quando o livro estava praticamente terminado, falaram-me do caso da Sebenta Editora, que é um caso interessante de produção cooperativa de manuais escolares com os professores.
M&P: O que faltava aos casos portugueses para que fossem considerados interessantes?
JPC: Quando as pessoas fazem coisas novas, fazem-no sem mudar o pano de fundo. Fazem-no porque é novo e parece não ser muito caro. Hoje toda a gente tem páginas no Facebook, mas para quê? Há muitos poucos casos de bom aproveitamento. A TAP, por exemplo, consegue ter uma presença muito inteligente. O canal pode ser grátis, mas trabalhá-lo como deve ser exige dinheiro. Mas isso está a mudar e o caso Ensitel veio demonstrá-lo.
M&P: Aliás, incluiu a Ensitel no livro.
JPC: É um bom exemplo do renovado poder dos consumidores, que dispõem de instrumentos que lhes permitem passar as suas reclamações de um plano restrito com familiares e amigos para outro que pode gerar uma situação descontrolada em que parece que metade do país está contra a empresa. Aliás, no fim a Ensitel geriu bem o assunto, apesar de não estar preparada. Viu-se que as pessoas do marketing despertaram pela primeira vez para esta situação e agora querem perceber melhor o que podem fazer para lidar com estas situações.
M&P: O caso demonstra, tal como escreve no livro, que “os consumidores contemporâneos são uma seita perigosa”.
JPC: O pressuposto tradicional do marketing é que as pessoas são passivas e que as empresas e marcas têm meios financeiros para, através dos media, influenciá-las. Isso mudou. As pessoas não são passivas. Têm capacidade de organização e de mobilização. Os mass media eram dominados por empresas e marcas. Agora temos outro tipo de meios, os user generated media, que são propriedade das pessoas. Quando as marcas entram aí é como se entrassem na casa das pessoas. Há relativamente poucas marcas que fizeram essa mudança.
M&P: Por que é que, aparentemente, os marketeers estão a demorar muito tempo a adoptar esta visão?
JPC: É o tempo normal, isto é uma grande transformação. No século XX tivemos várias transformações no marketing que foram em parte induzidas pelos media, mas esta é a mais profunda de todas. São transformações que demoram algum tempo e só agora começa a surgir pensamento ou doutrina sobre estas transformações.
M&P: Vestindo a pele de consultor, que conselhos daria a um marketeer de um produto de grande consumo para lidar com esta realidade?
JPC: Varia muito consoante o mercado e o processo de compra. Mas em todas as áreas, a primeira coisa a fazer é familiarizar-se com estas novas realidades. Já me aconteceu, como consultor, falar com empresas interessadas em estar nas redes sociais, que dizem que querem fazer uma página no Facebook. Digo-lhes para começarem a procurar na net o que tem a ver com a área de negócio, nomeadamente com as pessoas relacionadas com os nossos produtos. Muitas vezes as pessoas ficam admiradas porque os temas a que estão ligadas são amplamente discutidas na internet. A primeira coisa a fazer é pôr-se à escuta, um hábito que não temos. As empresas estão habituadas aos estudos de mercado, que são úteis, mas esta pesquisa pode ser mais rica.
M&P: Porquê?
JPC: Dá-nos a hipótese de ouvir as pessoas num contexto mais próximo do dia-a-dia e não quando estão num focus group. Dá para perceber, não só o que elas dizem, mas o que andam a fazer. Falava há pouco dos bens de grande consumo, mas geralmente são bens de baixo envolvimento. As pessoas não criam comunidades para discutir pastas de dentes. No entanto, fazem comunidades que se organizam em torno de assuntos que têm a ver com o enquadramento do produto ou serviço, como saúde e bem-estar, beleza, educação dos filhos ou até como ter sucesso. Isto não é novo para as marcas, porque estão habituadas a pensar que há uma dimensão simbólica ligada a elas. Há um exemplo, o da Dove, que trabalha sobre os padrões de beleza e a relação com a felicidade. As grandes multinacionais estão preocupadas e andam a experimentar. Umas vezes têm sucesso, outras não, mas isso faz parte do processo.
M&P: As tribos são outro dos aspectos que atravessam o Marketing Ombro a Ombro.
JPC: O livro é sobre redes sociais, mas não são apenas as redes sociais online, mas também as offline. A nossa sociedade alterou-se na forma como está organizada. Vimos de um período de segmentação tradicional, com base económico-social. Depois passamos para uma fase de extremo individualismo. Progressivamente as pessoas começaram a agrupar-se de acordo com as afinidades. Hoje somos pessoas muito mais livres, não que estejamos desenquadrados socialmente, mas porque pertencemos a várias tribos e estamos constantemente em mutação. Há a tribos dos bloguers, dos surfistas, dos empresários…
M&P: A mais perigosa talvez seja a dos bloguers…
JPC: Mas há várias tribos de bloguers. A grande questão do marketing tribal é pensar que é algo limitado, localizado e que se aplica aos jovens. Alguns dos fabricantes de telemóveis, como a Nokia, segmentam a sua oferta de produto partindo do princípio de que há vários estilos de vida. Em geral, quando se fala de marketing tribal, pensa-se em algo marginal quando a verdade não é essa. A sociedade está toda organizada em tribos e isso tem consequências. As redes sociais básicas são as tribos. As redes sociais na internet são apenas uma ajuda para que se organizem, se mantenham em contacto, endoutrinem, tenham formas de expressão e comunicação próprias. No livro, tenho casos que quase que não têm nada a ver com a internet, como a Sociedade Internacional de Lomografia, que cresceu através das relações pessoais.
M&P: É neste paradigma que surgem as marcas pós-modernas.
JPC: São marcas que têm um valor emblemático e vivem de valores. Apesar das nossas queixas, vivemos numa sociedade rica, onde há uma grande busca de sentido. As pessoas gostam de mudar de estilo de vida. Mas isso cria uma necessidade de orientação que não vem dos gurus tradicionais. Há marcas que têm capacidade de inspirar as pessoas, como é o caso da Nike, que faz um apelo a que se vá mais longe, que se supere. Dá para a marca se posicionar como um líder, um guia, como representante máximo de um mito.
M&P: Aliás, no livro refere que “o papel das marcas não é impor ou inventar tendências, é prestar atenção às movimentações dos cidadãos e dos consumidores, integrá-las, acarinhá-las, protegê-las, patrociná-las”. Há muitas marcas nacionais a fazerem-no?
JPC: Não é comum encontrar exemplos. Temos uma certa pobreza do nosso pensamento de marketing. Acredito que há muitas pessoas e agências que propõem esse tipo de ambição aos clientes com que trabalham, mas depois não é fácil fazê-lo. Apesar do que se fala, a prática do marketing do dia-a-dia em Portugal não é muito evoluída. Pelo que vejo, os departamentos de marketing passam 80 por cento do tempo a tratar de promoções. Vê-se relativamente pouco trabalho ambicioso de construção de marcas.
M&P: Que marcas nacionais admira pela sua consistência?
JPC: A cervejaria Portugália. A construção de marcas não tem só a ver com publicidade, tem a ver com a forma criteriosa como se cria uma marca e depois é comunicada às pessoas através de todos os meios: o nome, o próprio produto, as instalações e, no caso da Portugália, os menus e a maneira como as mesas e cadeiras estão dispostas. Tudo aquilo tem uma consistência que remete para uma memória e uma capacidade de ser contemporânea.
M&P: Tendo em conta o que se perspectiva para a economia portuguesa nos próximos dois a três anos, considera que esta é a altura para as marcas arriscarem ou devem estar mais concentradas nas questões do curto prazo?
JPC: As questões estratégicas são intemporais. O problema do país é que há um número insuficiente de empresas com uma oferta diferenciada. Temos falta de gente qualificada nas diversas áreas. O que depois tentamos vender não é muito competitivo, a não ser que se baixe os preços. E aí não vale a pena concorrer com a China ou outros países com mão-de-obra barata. A solução é qualificar as empresas e trabalhadores. No fundo é também qualificar as marcas, que é um trabalho ao qual se dá pouca atenção. A contribuição do marketing devia ser no sentido de acrescentar valor aos produtos e serviços que temos para vender. As empresas com as quais estamos a concorrer estão a fazer isto. Há coisas para a competitividade do país que não devem ser adiadas. Esta é, aliás, a altura para fazer esse trabalho. É uma boa altura para fazer experiências e para aprender com os erros.