Sai da frente que eu quero passar…
O Brasil está na boca do mundo. Da política à economia, passando pelo futebol. A publicidade não é excepção e a frase da canção de bossa nova de Sérgio Mendes ouve-se em dois sentidos:
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O Brasil está na boca do mundo. Da política à economia, passando pelo futebol. A publicidade não é excepção e a frase da canção de bossa nova de Sérgio Mendes ouve-se em dois sentidos: do lado do Brasil, que mostra ser capaz de arrepiar caminho entre os gigantes, e do lado daqueles que se acotovelam para marcar presença num dos mercados mais promissores do momento, com um potencial que não deixa ninguém indiferente no sector. Um crescimento impulsionado pelas políticas do presidente Lula, que levaram à ascensão da nova classe média (ver caixa) e inflacionado pela conquista da organização dos dois maiores eventos desportivos do mundo no espaço de apenas dois anos: o Campeonato do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016. Mas há uma coisa de que todos falam quando se pergunta qual a maior força atractiva do país: o optimismo e a força contagiante. Palavras que correm mundo, seja na boca do líder do maior grupo de comunicação do mundo, Martin Sorrell da WPP, que considera ser esta “a década da América Latina”, em especial do Brasil, “um país onde a energia e entusiasmo são incríveis”, seja através de acções de expansão de grandes grupos como a Interpublic ou a WPP, que têm avançado com aquisições de agências locais para reforçar posição naquele mercado, seja até mesmo na imprensa mais reputada ao nível internacional, com é o caso da revista Monocle, que dedica a capa deste mês ao Brasil, numa reportagem em que se mostra “por que razão o amarelo e verde são os novos vermelho, branco e azul da diplomacia internacional”. O M&P foi tentar perceber as razões que justificam todo este buzz em torno do país, que está a fazer com que empresas como a Brandia Central, a Laranja Mecânica e Mybrand tenham anunciado a vontade de entrar no país.
“O Brasil é a última Coca-Cola no deserto”, ilustra Marcelo Lourenço. A imagem escolhida pelo director criativo da Fuel resume os motivos que levam meio mundo a querer marcar presença neste mercado. O publicitário brasileiro explica que o país “sempre foi interessante para qualquer publicitário, não é de hoje que se faz lá boa publicidade. A diferença é que agora há mais dinheiro no Brasil enquanto o resto do mundo está praticamente falido. E quem fazia coisas interessantes na época das vacas magras, o Brasil até ontem, tem mesmo que arrasar nesta época de bonança”. Edson Athayde, que esteve vários anos em Portugal, tendo passado pela direcção criativa da Y&R, da então FCB e da Ogilvy & Mather, e voltou à publicidade no Brasil onde passou recentemente a assumir a vice-presidência criativa da agência Master, lembra que “a publicidade vive de investimento, dinheiro, novas ideias e mercado consumidor em expansão. Tudo isso se encontra no Brasil. Não sendo o paraíso, é a coisa mais parecida com isso que há neste momento”, considera. Já Tico Morais, outro profissional brasileiro que esteve por terras lusas em agências como a EdsonFCB, Y&R ou Partners e rumou ao Brasil para lançar o projecto Nuts Studio com o fotógrafo Rudy Huhold, aponta o crescimento do país com a principal razão para tanto buzz: “O Brasil não se abalou com a crise económica. O governo incentivou, fez a engrenagem girar com incentivo ao consumo e deu condições para que as pessoas pudessem fazê-lo. O povo tem acesso a informação que não tinha antes e isto faz com que seja cada vez mais exigente, até na forma como uma marca o interrompe com os intervalos da novela.” “Essa atracção é potenciada pelo crescimento económico do país, que parece estar finalmente a abandonar o seu estatuto de ‘eterno país do futuro’. A estabilidade económica possibilita algo que até há pouco tempo era impossível se fazer: um planeamento a médio/longo prazo”, acrescenta Mário Mandacaru, brand design manager da Brandia Central e presidente do Clube de Criativos de Portugal. Opinião que é partilhada por Diogo Mello. O director criativo executivo da Fischer Portugal refere que “o Brasil tem vindo a reforçar as bases da sua economia e a pôr de pé, aos poucos, o gigante que sempre teve potencial para ser. É uma referência do continente americano, com imensos recursos, um mercado consumidor enorme e ainda assim muito jovem e com muito espaço para crescer”.
Do lado português, Frederico Saldanha, que desempenha funções de director criativo na Ogilvy São Paulo, não tem dúvidas quanto à aposta no país canarinho. “É o país do futuro. Simplesmente tudo conspirou para essa situação”, aponta, lembrando como “emblemática” do momento que se vive a recente capa da revista The Economist, onde se vê o Cristo Redentor a levantar voo com o título Brazil Takes Off. “O Brasil convive há anos com uma política económica responsável e tem a vantagem de ser um dos maiores produtores e exportadores de alimentos e commodities. Isso foi a base para a criação de uma classe C fortíssima, com grande poder de consumo e hoje alvo publicitário de grandes marcas. Sem falar que é um país com quase 200 milhões de consumidores. Aliás, a capa da revista Veja desta semana é sintomática: ‘6 brasileiros de classe média se tornam milionários a cada hora’”, lembra.
Um modelo de negócio que favorece as agências
Ricardo Monteiro, CEO da Euro RSCG, entre outros mercados, para Portugal e Brasil, aponta razões mais pragmáticas para o sucesso do mercado publicitário brasileiro: “Não há mistério nenhum. O Brasil manteve o antigo modelo em que os clientes se vêem obrigados a comprar meios através das suas agências de publicidade, estando proibidas as centrais de compra, o que resulta em rentabilidades acima da média e que permitem o pagamento de salários muito, muito elevados”. No entanto, Ricardo Monteiro não considera, apesar do domínio das agências brasileiras nos festivais internacionais, que estas sejam melhores do que em outros países, deixando uma dura crítica: “Impera uma certa complacência oriunda na protecção que, sobretudo os dois grandes grupos de comunicação (Globo e Abril) outorgam ao actual modelo. É fácil entender que, para eles, é preferível lidar com dezenas de agências de poder disperso a ter que enfrentar o poder das grandes centrais. Desta forma, as agências no Brasil são totalmente tradicionais, pouco inovadoras, dominadas pelo antigo modelo de CEO-estrela e director criativo sabe-tudo.”
Se há qualidade unânime é esta. “No Brasil acredita-se que Deus é brasileiro desde sempre, mesmo quando a inflação mensal chegava aos 100 por cento, quando o FMI ameaçava fechar o país ou quando perdemos o Mundial para o Paolo Rossi [em 1982]”, atira Marcelo Lourenço, que acredita que “anos e anos de crise e dinheiro curto ensinaram o Brasil a fazer milagres, a ‘tirar leite de pedra e dar nó em pingo d’água’ como se diz por lá.” “Boa disposição nunca fez mal a ninguém, optimismo é o primeiro passo para se tentar uma aventura, para se arriscar. Um país optimista é necessariamente melhor para se trabalhar em publicidade e marketing do que o seu contrário”, acredita Edson Athayde. “Sem dúvida que o brasileiro tem um espírito alegre e guerreiro”, afirma Diogo Mello, que diz sempre ter acreditado no “poder da atracção, ou seja, os bons pensamentos atraem boas coisas e vice-versa. Quem sabe está aí o segredo dos brasileiros, pensar que no fim vai tudo acabar bem e se não está bem é porque ainda não acabou. É uma forte característica de um povo que sempre soube que se o ano inteiro não foi bom não tem problema, em Fevereiro tem Carnaval”. “A verdade é que quando surge a pergunta de como é que pretendemos lidar com este ano de crise, normalmente respondemos com ‘Ué, mas houve algum ano que não foi de crise?’. Acredito que viver na adversidade, com poucos recursos mas com optimismo e vontade de fazer sempre o melhor, desenvolveu nos brasileiros uma criatividade acima da média.”, diz o director criativo da Fischer. “O Brasil tem uma energia contagiante. E inesgotável. Comenta-se muito sobre as riquezas naturais do país, mas sinto que a maior delas é o espírito empreendedor. Ele tem um talento nato para criar, produzir e inovar, de fazer acontecer”, frisa Frederico Saldanha, ironizando que “a risada que se ouve no happy hour reflecte-se no bom humor do mercado de acções. Optimismo é a palavra-chave. Nem as crises económicas, nem um mundial de futebol perdido ou os constantes casos de corrupção e impunidade política, nada, mas nada mesmo, matou esse jeito de ser do brasileiro. Ele lamenta-se em dois segundos e dá a volta por cima em menos tempo”, sublinha.
Quero ir para o Brasil
Mas afinal, o que leva os grandes grupos de comunicação globais a fazer fila para entrar neste mercado, com grandes nomes como Martin Sorrell a tecer elogios ao país? “Sorrell e outros quejandos só agora é que se deram conta de que o Brasil é um país optimista. Sempre o foi, mesmo quando não era a economia pujante que é hoje. É natural, como bons anglo-saxões, acharam que, até à recente crise, o mundo se limitava ao eixo Londres-Nova Iorque”, critica Ricardo Monteiro. Para Frederico Saldanha, “hoje chovem mil milhões de dólares de investidores estrangeiros porque também acreditam nessa força positiva, alegre e empreendedora do brasileiro”. Tico Morais acredita que “o Brasil volta a ter o glamour de quando o mundo descobriu a bossa nova. São marcas brasileiras a investir cada vez mais nos meios estrangeiros e isto desperta cada vez mais a curiosidade sobre este país do optimismo”. “O interessante é que muita gente quer ir para lá, falam disso como loucos”, refere André Rabanea, director da Torke, que, quando questionado sobre os motivos do interesse dos grandes grupos, responde desta forma: “Os grandes líderes dos grupos publicitários têm dois interesses: dinheiro e glamour. Dinheiro porque o país é muito grande e tem um potencial enorme em termos de crescimento económico, os custos de mão-de-obra comparados à Europa e EUA são mais baixos e assim podem montar um cluster de criatividade para ganhar leões. Glamour pois são as melhores festas do mundo, com cerveja, churrasco e gajas de biquini”.
– A nova classe média
O economista Edmar Bacha criou em 1974 a metáfora Belíndia para descrever a estrutura social do Brasil. Existia um grupo de privilegiados que tinham um estilo de vida semelhante ao dos belgas e uma multidão que se encontravam ao mesmo nível dos indianos. Durante décadas esta imagem serviu para descrever o fosso que separava as classes mais altas das mais baixas. No entanto, nos últimos anos, o país assistiu a uma revolução na distribuição do rendimento das famílias. Desde 2005 que 19,3 milhões de brasileiros saíram do limiar da pobreza. Ao mesmo tempo 32 milhões entraram para as classes ABC. “O crescimento da renda per capita dos pobres de 2001 a 2008 foi de 72 por cento. Fazendo uma conta simples, dá quase 10 por cento ao ano”, refere Marcelo Neri, responsável pelo centro de estudos da Fundação Getúlio Vargas. O que contribuiu para este resultado? Os estudos indicam que foram decisivos os sucessivos aumentos nos últimos 15 anos do salário mínimo nacional e a criação por parte do governo de Lula do programa Bolsa Família (uma espécie de rendimento social de inserção).
A classe C é agora responsável por 46,5 por cento do rendimento disponível do país, enquanto as classes A e B, somadas, valem 43 por cento. A chamada nova classe média brasileira está, pela primeira vez, a comprar carro, micro-ondas, plasma ou a planear férias. Isto significa que os marketeers estão a mudar a forma como projectam os alvos para os seus produtos. “A classe C passa a ser estratégica para as empresas em suas decisões”, considera Marcelo Neri, em declarações ao Estado de São Paulo. Foi por isso que a Procter & Gamble criou o programa Living It, onde researchers vivem durante três dias em casa dos consumidores para perceberem como é que comem, se vestem, falam e o que pretendem das marcas. É que as classes A e B já não servem de modelo para comunicar, agora que a base de potenciais consumidores alargou.