João Fernandes, chief creative officer ibérico da Isobar
“Em Espanha a agência subalternizou-se demasiado ao negócio da media”
Na primeira entrevista deste que assumiu o cargo de chief creative officer da Isobar Ibéria, acumulando a direcção criativa da agência nos mercados português e espanhol, João Fernandes explica ao M&P o impacto desta direcção conjunta na operação.
Pedro Durães
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Corria o ano de 2000, a internet estava longe da velocidade da fibra, ainda mostrávamos as nossas fotografias aos amigos convidando-os para irem lá a casa, Mark Zuckerberg era apenas um geek a fazer das suas na universidade, mobile era enviar SMS e smartphone era um telemóvel com câmara fotográfica e rádio FM. Estávamos longe da era dos tablets e os portáteis ainda eram o último grito da tecnologia. Nesse ano nascia a agência digital portuguesa View, pelas mãos de Nuno Frazão e João Fernandes. Nove anos depois, a View integrava a rede Isobar, do grupo Aegis, e hoje, 14 anos depois, João Fernandes passa a acumular com a direcção criativa da agência em Portugal a direcção criativa da Isobar em Espanha, assumindo o cargo de chief creative officer ibérico. “Do ponto de vista operacional continuam a ser duas entidades perfeitamente isoladas, com objectivos próprios e a operar de forma totalmente autónoma”, garante ao M&P João Fernandes. Em Espanha, diz, o seu principal objectivo passa por recuperar o ADN criativo da agência.
Meios & Publicidade (M&P): O que muda na sua vida diária com estas novas funções de director ibérico?
João Fernandes (JF): Terei de passar algum tempo em Madrid, apesar de termos também escritório em Barcelona. Passo a ter de fazer mais viagens e a acumular mais umas milhas na TAP, o que não é necessariamente mau. À partida terei de dividir o meu tempo entre Lisboa e Madrid, passarei cerca de duas semanas por mês em Espanha. No entanto vou manter uma gestão permanente e conjunta das duas equipas e atendendo às necessidades das duas agências.
M&P: Ao nível da organização da agência, quer em Portugal quer em Espanha, o que muda com a criação desta direcção conjunta?
JF: Não me clonei, pelo que há necessidade de ocupar um espaço que deixo desocupado em Portugal. Tenho um estilo de direcção criativa que passa por estar muito tempo junto dos clientes e, naturalmente, não terei a mesma disponibilidade. Felizmente, o meu sócio-fundador da View e que continua como CEO da Isobar Portugal, o Nuno Frazão ocupará um pouco desse espaço e recuperará um bocado essa sua experiência de muitos anos de estar junto do cliente. Em Espanha a agência estava sem direcção criativa desde Agosto do ano passado, portanto a alteração estrutural é sobretudo a minha presença, se bem que a agência já estava dentro de um processo de reestruturação. A agência é bastante maior do que em Portugal e há, naturalmente, aspectos em que se tornou muito boa e outros não tão boa. Neste momento, há um processo de fusão entre uma equipa que estava muito dedicada a social media, à gestão da presença de marcas nas redes sociais, da sua estratégia e do seu valor para estes canais, e a equipa criativa. As duas operavam de uma forma muito independente e agora passarão a operar de uma forma integrada, à semelhança do modelo que construímos em Portugal.
M&P: Mas ao nível da própria organização do trabalho, no desenvolvimento dos projectos, muda alguma coisa em Portugal?
JF: Não, eventualmente o que acontecerá que haverá pessoas que vão ter espaço para assumir outros níveis de responsabilidade e uma autonomia acrescida, mas do ponto de vista organizacional dos processos não se vai alterar nada. Apesar de estar em Espanha, continuo a acompanhar processos a decorrer em Portugal e quando estou em Portugal faço o mesmo em relação a Espanha. Depois veremos com o decorrer do trabalho se essa necessidade surge ou não, mas para já não estamos a contar mudar nada.
M&P: E em relação a new business, vão trabalhar os novos clientes de forma integrada a nível ibérico ou haverá sempre clientes separados?
JF: Há, de facto, clientes separados, se bem que há uma ambição maior, que é também uma ambição minha pessoal. Sempre tive uma visão muito iberista e isso é uma coisa estranha porque em Portugal nunca fizemos muito uso da palavra Ibéria. Nunca senti da parte de Espanha uma pretensão de, ao usar a palavra Ibéria, exercer algum tipo de domínio ou hegemonia sobre Portugal. A verdade é que na Ibéria, enquanto região, podemos desenvolver um conjunto de sinergias e ter uma força somada que deveria ser utilizada e colocada ao serviço do desenvolvimento dos negócios e das empresas. Acredito que isso será possível dentro da Isobar, que tem uma forma de se organizar que é muito regional. Já nos organizamos em termos globais por hubs regionais. Temos um hub europeu, e há também uma grande liberdade para que as agências em cada mercado se reorganizem quase numa lógica de hubs virtuais, como já tínhamos inclusivamente com Espanha e com o Brasil como uma ponte para a América Latina. Espero que venha a ser possível criar uma proposta ibérica para a Isobar a partir desta decisão de me ter como responsável ibérico para a criatividade.
M&P: Já têm casos de marcas portuguesas para as quais vão desenvolver projectos para o mercado espanhol?
JF: Já o estávamos a fazer, há o caso da Zippy, da Sonae, para a qual já fazíamos uma parte importante da marca em Espanha. O inverso ainda não existe mas creio que é uma questão de tempo. Estamos neste momento a trazer para Portugal algumas competências que temos em Espanha mas não temos no mercado português, mesmo em termos de desenvolvimento digital. Temos uma unidade chamada PS Life, que se dedica a projectos especiais digitais, que tem muito a ver, por exemplo, com a presença das marcas no retalho. Temos já algumas propostas apresentadas em Portugal que tiveram origem nas nossas competências técnicas em Espanha.
M&P: Há pouco dizia que a Isobar Espanha estava a perder a sua componente mais criativa…
JF: Não é correcto dizer isso. Na verdade a agência continua a ser criativa, o seu negócio é que se desenvolveu e realmente começou a trabalhar os new business a partir da sua unidade de media. Ou seja, a Isobar tem no seu ADN ser uma agência criativa.Trabalha essencialmente sobre meios digitais apesar de esta definição do que é o meio digital ter vindo a sofrer grandes transformações e de haver quase uma vontade, embora não partilhemos totalmente, de não nos denominarmos agências digitais. Nós somo-lo assumidamente, o mundo tornou-se digital e o seu território é que se alargou. Mas o negócio em Espanha desenvolveu-se muito alavancado nas oportunidades que o negócio da media gerava, portanto, de certa forma, foi-se subalternado ao mesmo, no nosso entender demasiado. Diria que um dos meus muitos mandatos é o de procurar recuperar esse ADN criativo e essa independência criativa da agência em Espanha.
M&P: O mercado espanhol é evidentemente maior do que o português. Como é que fica a nível de pesos no volume de negócios da Isobar? O que corresponde a Portugal e a Espanha?
JF: Do ponto de vista demográfico Espanha é quatro vezes maior do que Portugal, do ponto de vista económico é muito mais, cerca de 10 vezes maior. Espanha sofreu como nós os efeitos da crise. Por estar num patamar mais alto, creio que a queda terá sido maior ainda, mais acentuada, mas não estão definidos objectivos diferenciados. Os objectivos financeiros de cada unidade do grupo Isobar estão indexados ao potencial de crescimento e à situação particular que cada país vive. Há um conjunto de objectivos claros para Espanha, mas, ao contrário de Portugal, que tem o seu negócio estruturado e os objectivos do ponto de vista financeiro, em termos relativos, são bem mais ambiciosos. Em Espanha há o tal objectivo maior de recuperar esse perfil criativo, não colocando para já objectivos financeiros muito ambiciosos e muito claros à frente.
M&P: Em termos do volume de negócio, quanto vale percentualmente o mercado português e o espanhol?
JF: É difícil compará-los porque esta relação tão íntima da operação em Espanha com o negócio da media torna difícil separar a componente criativa daquilo que é o negócio de media. Honestamente não consigo fazer essa separação de uma forma clara.
M&P: Havendo esta direcção, significa que de alguma forma a agência em Portugal perde parte da sua autonomia?
JF: Não, pelo contrário, ganha importância. Não creio que venha a ter esse impacto negativo na operação em Portugal, onde temos uma operação muito bem construída e muito bem organizada. Temos uma equipa particularmente sénior para uma agência digital, a média de idades está nos 32 anos, o que é invulgar para uma agência com este perfil. Significa que as pessoas que estão na nossa estrutura têm muitos anos de experiência que lhes permite assumir estas oportunidades de se autonomizarem.
M&P: Mas ao nível da tomada de decisões estratégicas em Portugal, estas terão de passar de alguma forma pela direcção da agência a nível ibérico?
JF: Não, este meu duplo papel resume-se claramente apenas aos aspectos criativos e da direcção criativa da agência. Do ponto de vista operacional continuam a ser duas entidades perfeitamente isoladas, com objectivos próprios e a operar de forma totalmente autónoma.
M&P: Quais é que diria que são as principais vantagens desta modelo de direcção criativa conjunta?
JF: Existem claras afinidades nesta abordagem regional e ibérica onde há um conjunto de sinergias que podem ser aproveitadas e, do ponto de vista criativo, elas são claras. Somos povos muito próximos, muito mais próximos do que gostamos de imaginar sê-lo, e acredito que há todo um aproveitamento de uma dinâmica criativa que pode ser feito. Ter duas equipas a trabalhar em paralelo sobre o processo de produção de ideias irá resultar num aproveitamento das mesmas de forma muito mais optimizada e superior.
M&P: Falou em sinergias. Vai haver algum tipo de intercâmbio de profissionais entre as agências em Portugal e Espanha?
JF: Quero acreditar sim, embora não esteja planeado para já. A minha chegada a Espanha é muito recente, estou a introduzir algumas alterações, há necessidade de reforçar a equipa e estamos a recrutar pessoas com aquilo que eu considero ser o perfil adequado para construir o tal ADN criativo. Portanto, há ainda uma necessidade de arrumar a casa em Espanha antes de pensarmos nesse tipo de dinâmicas.
M&P: Quantas pessoas tem em cada uma das agências?
JF: Em Portugal, se juntarmos todas as competências, tem mais de 40 pessoas. Em Espanha somos perto de 70 pessoas.
M&P: Falando agora sobre o mercado digital, quais diria que são actualmente as principais diferenças entre os dois países?
JF: Há uma maturação de vários canais digitais em Espanha que não aconteceu em Portugal. Isto significa que há mais possibilidades. Começando pelas redes sociais, em Portugal há uma grande rede social que todas as marcas utilizam de uma forma ou de outra que é o Facebook. Em Espanha temos mais do que uma, por exemplo o Twitter é uma rede com clara popularidade em Espanha, o que, juntamente com outras oportunidades, cria um cenário em que é possível explorar ideias de uma forma um bocado diferente. Por outro lado, foi um mercado que durante muito tempo viveu de outro tipo de condições e de outro tipo de marcas, como a Telefónica que se desenvolveu como um dos grandes players mundiais de telecomunicações. Há uma forma de estar em Espanha que talvez leve os decisores e empresários a assumir uma maior ambição. Em Portugal talvez soframos de algum complexo, somos mais acanhados na forma de criar oportunidades e de as aproveitar.
M&P: Em que fase da vida diria que se encontra o mercado digital em Portugal?
JF: No que diz respeito à utilização do digital pelas marcas, ainda há um caminho a percorrer, não fomos tão ambiciosos como podíamos ter sido, não corremos tantos riscos como podíamos ter corrido, tem a ver com a nossa forma de estar. É difícil fazer esse racional porque a dimensão de Espanha é superior mas diria que estamos um pouco mais atrasados, sem dúvida, mas não por falta de competências nem de vontade do ponto de vista das agências. As agências nos últimos anos têm vindo a ser muito criticadas em inúmeros artigos que falam de falta de coragem. A coragem existe, a competência também, falta o mercado permiti-lo.
M&P: É do lado dos anunciantes que está a faltar coragem?
JF: As marcas tiveram inevitavelmente de assumir posturas mais cautelosas, portanto não o digo com sentimento crítico, é difícil imaginar o que é estar no lugar de uma marca que tem um budget reduzido para gerir, tem as vendas a sofrer pressões de várias ordens e tem de tomar decisões que por vezes são difíceis. Mas creio que as marcas não conseguiram entretanto tirar proveito das oportunidades que o meio digital podia claramente criar, o meio digital já provou ser capaz de gerar os KPI e o tipo de métricas a que as marcas estavam de alguma forma a utilizar no passado, como notoriedade, conversão, onde o digital já mostrou até poder ser superior. Esses méritos ainda não foram totalmente incorporados no planeamento de marketing das marcas e transformados em briefings concretos para as agências.
M&P: Os hábitos de consumo de media têm vindo a alterar-se, também em Portugal onde a penetração de dispositivos móveis como smartphones e tablets é já bastante significativa. O que é que explica o facto de o investimento no digital e em especial no mobile ser ainda tão reduzido?
JF: É uma combinação de factores. Nunca fomos um povo conhecido por investir em contraciclo, quando há uma crise somos os primeiros a travar e a assumir uma postura muito cautelosa e, provavelmente, somos os últimos a sair desse casulo protector em que nos inserimos. Todos os números indicam, e isso já nem sequer é uma dúvida para todos nós, que o mobile representa uma oportunidade extraordinária, esta ideia de que podemos estar permanentemente conectados, a qualquer hora e em qualquer lugar, é em si uma oportunidade para as marcas. É a grande promessa do digital, que sempre prometeu isso mas com um computador de secretária não podia cumprir a promessa. Havia uma espécie de horário para estar no digital, o mobile liberta-nos desse último grande constrangimento para estarmos permanentemente ligados. Essa é uma oportunidade singular e que as marcas inevitavelmente irão aproveitar e cabe também às agências construir propostas nesse sentido e elas já estão a acontecer. Se virmos os números de pessoas que acedem às marcas a partir de dispositivos móveis, eles cresceram de forma absolutamente exponencial. Mas há marcas que nem sequer têm os seus sites preparados para serem vistos a partir desses dispositivos, o que já cria um sentimento de urgência de que alguma coisa precisa de ser feita.
M&P: Quais são as principais tendências que identifica no mobile para os próximos cinco anos?
JF: Não sou grande futurologista mas diria que o mobile vai continuar a evoluir no sentido de se transformar num dispositivo verdadeiramente potente. Os estudos mostram que os tablets têm vindo a colocar ruma pressão enorme sobre a venda de computadores portáteis, para quê ter uma coisa tão grande quando posso ter algo mais pequeno e que pode andar sempre comigo, autónoma e que pode fazer tantas coisas que se podia fazer com o portátil. Não queria entrar em nenhuma tecnologia em particular, acho que sobretudo vai dar-nos cada vez mais possibilidades de estar permanentemente ligados, aceder a informação e utilizar essa informação. Um dos aspectos fundamentais será a Big Data, o telemóvel está sempre a dizer onde estamos e isso diz muito sobre o nosso perfil e as operadoras de telecomunicações vão seguramente transformar essa informação em produtos, algumas já o estão a fazer.
M&P: Nos próximos três ou quatro anos o mobile vai tornar-se efectivamente no primeiro ecrã?
JF: Sem dúvida, essa transformação já está em curso. Em termos de design de tecnologia, a maioria dos projectos que desenvolvemos, mesmo logo ao nível da construção de uma interface, posso dizer que já começa por uma abordagem mobile first, ou seja, primeiro preocupamo-nos em criar uma experiência optimizada para os dispositivos móveis e a experiência móvel é mais do que um dispositivo, é um contexto de utilização também, tenho de garantir que posso estar a usar a andar ou em qualquer situação. Neste momento, grande parte da forma de elaborar as soluções, logo a partir dos nossos designers, já começam a partir desse approach mobile first. Isso é verdadeiramente indicativo da transformação que está em curso.
A versão integral desta entrevista poderá ser vista em breve em formato vídeo na nova secção M&P TV no nosso site