Pedro Mata, director de marketing e comunicação da Fnac Portugal
“O retalho enfrenta a alteração do seu modelo tradicional com o crescimento do online”
Pedro Mata, que assumiu no início do Verão o cargo de director de marketing e comunicação da Fnac Portugal, explica a estratégia da marca, que anunciou entretanto que vai abrir novas lojas em Setúbal, Faro e Oeiras até Dezembro.
Pedro Durães
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Pedro Mata chegou há três meses, vindo do sector automóvel em Espanha, para assumir um novo cargo na Fnac Portugal, que fundiu a direcção de marketing com a direcção de comunicação. Apesar de quebras nas vendas, generalizadas no mercado, Pedro Mata adianta que o grupo inverteu este ano a tendência e cresceu, e garante que as empresas de gestão de espaços comerciais continuam a contactar a Fnac quando pensam abrir um novo centro comercial porque a loja é um driver de visitas, como provou a loja das Amoreiras. A empresa anunciou entretanto que vai abrir novas lojas em Setúbal, Faro e Oeiras até Dezembro.
Meios & Publicidade (M&P): Que mudanças já teve oportunidade de introduzir na estrutura de marketing da Fnac?
Pedro Mata (PM): Houve uma integração das áreas de marketing de natureza mais comercial com o marketing de natureza mais institucional. Existe agora uma visão integrada ao nível da comunicação e da projecção da marca Fnac no mercado, quer seja num âmbito de PR, quer num âmbito mais comercial para o cliente. Isso também vem de várias conversas que temos tido e de exemplos como o da Apple, que combina sempre um momento de PR com uma comunicação de marketing mais comercial por trás. Foi nesse contexto que se decidiu também tomar esta decisão de fundir estas áreas.
M&P: Para fora, para o cliente, qual tem sido o seu enfoque?
PM: A outra mudança esteve muito relacionada com o meu perfil e tem a ver com um enfoque maior ao nível dos analytics, ao nível da forma de se fazer marketing, nomeadamente no entendimento da base comportamental dos clientes Fnac e, a partir daí, tentar organizar um plano muito mais orientado às recorrências da compra, à fidelização e, essencialmente, à personalização de conteúdos da Fnac para com os seus consumidores. Foi aí o meu maior enfoque, acabámos de rever toda a estratégia de segmentação, bem como o modelo de suporte estratégico sobre como vamos abordar o cliente de forma mais pró-activa. Um dos grandes desafios que o retalho enfrenta é a alteração do seu modelo tradicional com o crescimento do online. Até aqui o modelo do retalho a nível mundial passava por ter uma loja bonita, com os produtos bem expostos, em que se criava ao nível do marketing um impulso para ir à loja e depois na própria loja os produtos estavam expostos de forma a que o cliente sentisse vontade de comprar. O que se está passar com o advento da internet é que hoje o consumidor quando quer informação de produto vai à internet e pesquisa. É uma tendência que irá crescer, o que faz com que a estratégia de marketing essencialmente baseada na promoção e no desconto para levar o cliente a ir à loja deixe de ser, por si só, um incentivo à compra porque o cliente vai ao computador, consulta e sabe onde é mais barato. Se a marca não acrescenta mais valor à relação, o consumidor acaba por comprar online, até é mais cómodo. É essencial, por isso, a personalização de conteúdos no sentido de que o cliente que compra na Fnac tem níveis adicionais de valor na sua relação com a Fnac. Isto junta-se à visão da Fnac de que a loja deve ser um espaço de experiência, é uma experiência de consumo.
M&P: O modelo de retalho focado nas lojas já não é sustentável?
PM: Quer queiramos quer não, com a conjuntura que vivemos nos últimos anos, as margens tendencialmente caem e o modelo de retalho com as lojas e marketing de pendor mais comercial tem uma estrutura de custos que, quando se tem uma quebra na margem marginal mesmo mantendo volume ou a crescer, cria uma diminuição dos rácios financeiros e obriga a novas regras na relação com o cliente.
M&P: Em relação à decisão de fundir as direcções de marketing e comunicação, na prática o que é que isso significa na estratégia da marca?
PM: A parte institucional também tinha a seu cargo a gestão de todas as iniciativas ao nível de cultura, que é o primeiro pilar de diferenciação da Fnac e faz com que as nossas lojas não sejam meramente um local de consumo. E era esta área institucional que fazia a gestão destas iniciativas, como os novos talentos de música, de literatura, contos, por exemplo. O que estamos a tentar fazer é uma coerência entre a capacidade que a Fnac tem de gerar conteúdos e fazer uma fusão na forma como disponibilizamos esses conteúdos à nossa base de clientes. A ideia é alavancar cada vez mais a nossa estratégia de comunicação para fora, também com base naquilo em que mais nos diferenciamos, ou seja, a ligação ao universo cultural português e a forma como o disponibilizamos a todos nas comunidades onde as lojas estão inseridas.
M&P: A recolha de dados dos utilizadores do vosso cartão de fidelização vai ser agora mais aproveitada na definição da estratégia comercial?
PM: As empresas têm uma visão muito mercantilista na sua relação com os clientes, no sentido de tentar pressionar e fazer o push da venda. Com a internet e as redes sociais, o poder da tomada de decisão está a sair das empresas e está a ir claramente para o consumidor e é muito fácil uma má experiência ser propagada. Então, o posicionamento que as marcas e empresas devem ter vai no sentido de acrescentar valor na relação. Se tenho um cliente que compra essencialmente livros de poesia, teatro ou arquitectura, se é esse o seu padrão de compra nos últimos dois anos, não faz sentido estar agora a aborda-lo a dizer tenho aqui 15 por cento de desconto num mega computador, porque ele está a dizer-nos que a relação que tem com a Fnac não tem a ver com tecnologia. Neste caso, o que posso é aproveitar para promover junto deste cliente o investimento da Fnac no projecto Estante, com conteúdos específicos no mundo da literatura. E não estamos aqui com uma estratégia de push comercial. Ou, por exemplo, temos clientes que são grandes fãs de gaming, pelo que devem ser privilegiados nos pré-lançamentos ou quando organizamos um torneio, são esses que devo convidar primeiro. Ou seja, há uma base mercantilista por baixo, mas estamos a acrescentar valor à relação. Temos de ser mais pró-activos e não reactivos como o retalho era até aqui.
M&P: Quando assumiu o cargo afirmou que um dos desafios passava por “dar coerência e consistência” à comunicação/relação com o cliente em todos os canais. Este é um aspecto que não tem sido bem conseguido?
PM: Não diria que não estava a ser bem conseguido, mas possivelmente não estávamos a comunicar de forma coerente para este universo de clientes que temos, muito relacionados com o mundo da cultura, todas as iniciativas que temos. Fazíamos as iniciativas e deixávamos que os clientes que fluíam pelas lojas usufruíssem delas mas não estávamos a alavancar essas iniciativas para todo o universo de clientes Fnac. O que procuramos agora fazer é criar um sistema de sinergias entre o nosso site de cultura, o nosso canal de YouTube, o Facebook e as nossas campanhas promocionais e na loja online e fazer com que tudo esteja mais interligado de forma coerente.
M&P: Na área da cultura a Fnac tem essa mais valia para o trabalho de comunicação, mas na área da tecnologia e entretenimento a vossa concorrente Worten, por exemplo, tem uma comunicação mais agressiva em media. Vão tentar estar mais presentes em mass media nessas áreas para dar resposta?
PM: A Worten é estruturalmente mais agressiva do que nós, basta ver o plano de investimento que eles fazem em media. Estamos a falar de dígitos de diferença multiplicados por dois dígitos. Mas, naturalmente, que também temos de estar em media porque não nos podemos dar ao luxo de não dar a percepção ao consumidor, até mesmo aquele que não é cliente Fnac, de que a marca não tem um preço apetecível. Não podemos deixar de trabalhar a dimensão preço, senão a Fnac começa a ser percepcionada como uma marca cara e isso não é verdade. Foi das primeiras empresas a apostar nos preços mínimos e nos preços verdes. Essa parte está integrada no nosso plano estratégico e temos de continuar a comunicar preço porque estamos numa situação de mercado que assim o exige. Iremos continuar a fazê-lo. Temos é que, sobre isso, que é o básico da estratégia de comunicação do retalho, o preço e a promoção, termos de ir adicionando layers que passam por reconhecer o cliente e valorizá-lo. Não podemos comunicar só num sentido porque apanhamos uma franja dos consumidores mas se calhar estamos a perder os outros consumidores que nos diferenciam. Temos de segmentar e olhar para cada “tribo” de consumo de forma particular. Mas nós estamos em televisão também um terço a metade do ano. Não temos é o investimento em GRP de outras marcas que têm uma capacidade de investimento muito maior. Mas no caso particular da Worten, se formos analisar, eles tiveram resultados antes de impostos no primeiro trimestre negativos. É preciso ver que nós fazemos parte de uma multinacional e o nosso orçamento de marketing tem de ser potenciado para um valor máximo de retorno num curto prazo.
M&P: As lojas físicas têm perdido volume de vendas para sites como a Amazon. É o vosso principal concorrente neste momento, mais até do que outras livrarias como a Bertrand e Bulhosa ou cadeias como a Worten?
PM: É expectável que uma Amazon, que já está em Espanha, França e Inglaterra, também possa vir para Portugal. O que temos de fazer é apresentar um vector de diferenciação, dizer que as pessoas podem comprar online mas também podem ter uma experiência de loja, daí esta parte toda de investir na cultura, nos conteúdos, nos showcases. É algo que um puro player online nunca vai conseguir oferecer, uma experiência conjunta, o poder ter uma cara, a cara do vendedor. Temos alguns dados engraçados, como o facto de que cada cliente não tem apenas uma loja. Cada cliente Fnac frequenta entre 1.6 a 2.4 lojas, o que significa que as próprias pessoas gostam de frequentar as lojas e experienciar os diferentes espaços. Uma loja do Chiado tem uma forma de estar diferente de ir à loja do Colombo ou do Norte Shopping. Agora, os dados mostram que o site da Amazon tem mais visitas a partir de Portugal do que qualquer outro site de e-commerce em Portugal, isso prova que essa concorrência existe de facto e há compras. Tivemos sorte que eles agora mudaram o sistema operativo e não vem de Londres, vem de Espanha, há problemas e isso gera reclamações, mas reconhecemos que a Amazon é, de facto, um grande attacker.
M&P: É nesse âmbito da viragem ao digital que se insere também esta estratégia de abrir agora lojas mais pequenas, como foi o caso da das Amoreiras?
PM: Estamos a procurar que Portugal seja também espaço de algumas experiências. A loja do aeroporto, por exemplo, é muito um conceito de Fnac Travel, que já existia em França. A loja das Amoreiras tem por base um conceito de proximidade e correu bastante bem, a Mundicenter ficou muito satisfeita e o centro comercial, com a implementação da loja, aumentou o número de visitas. Foram mais oportunidades tácticas mas o grupo continua disponível para investir em Portugal.
M&P: Além das lojas e do site e-commerce, lançaram também a app da Fnac. Tem números relativamente aos downloads e ao volume de vendas via app ou mobile?
PM: Os downloads correram bastante bem e, como em tudo, é uma curva de experiência. Mas sinto, é uma convicção que tenho, que a parte mobile em 2017 vai ter um peso quase tão grande ou maior do que o PC. Diria que vai ser inevitável que, com os novos smartphones e os phablets, o mobile ganhe cada vez mais peso na relação comercial com os clientes. Isto não vai ser agora de um dia para o outro o Santo Graal das vendas mas vai permitir que a Fnac comece a acelerar a aprendizagem daquilo que vai ser uma tendência mundial inevitável dentro de três anos.
M&P: Pouco antes da sua chegada arrancou a revista Estante. De que forma é que a revista se enquadra na estratégia de marketing da Fnac?
PM: Eu já estava em conversações quando o projecto Estante começa a ser discutido e introduzido nas lojas. O primeiro número foi exclusivamente em loja, e quando é lançado o segundo, em Junho, já estou aqui formalmente e já se tomou a decisão de lançar em banca e alargar a disponibilização de conteúdos. Isto vem muito na linha de que falei em que a diferenciação da marca tem de passar pelos conteúdos e pela capacidade que a Fnac tem de gerar conteúdos que sejam exclusivos e que acrescentem valor a uma tipologia de consumidor que valoriza este tipo de conteúdos ligados à literatura. O projecto passa muito por tentar criar uma revista de culto no âmbito da literatura e tem uma visão estratégica de conteúdos que quero criar e proporcionar aos meus clientes. É o maior projecto de marketing da Fnac este ano e passa efectivamente por fazer com que a livraria Fnac possa ter conteúdos com a sua própria chancela e que sejam diferenciadores.
M&P: Porquê a decisão, logo no segundo número, de lançarem a revista também nas bancas?
PM: A qualidade da revista é muito boa, tem conteúdos que são únicos e exclusivos, porque não oferecer isto de uma forma generalizada aos consumidores? Porque há bancas que estão em zonas onde a Fnac não tem uma loja, mas isso não quer dizer que não possamos oferecer às pessoas dessas comunidades a possibilidade de aceder a estes conteúdos.
M&P: Como é que correu este primeiro número em banca?
PM: Tem corrido muito bem, estamos à espera dos resultados de Agosto. Mas foi uma surpresa que em Junho e Julho conseguimos fazer o mesmo volume de vendas em banca que fizemos nas lojas.
M&P: O objectivo é que a publicação seja rentável ou é assumido como um investimento de marketing?
PM: Nasceu como investimento de marketing mas naturalmente que sempre que conseguirmos colocar uma vertente mais rentável no projecto melhor, daremos as bases da sua sustentabilidade. O que queremos agora garantir é que conseguimos criar as bases para proporcionar uma coerência entre a experiência física e a digital da revista, para dar mais continuidade uma vez que é uma revista trimestral e o digital nos permite manter a oferta mais actual.