José Manuel Fernandes
“Ao fim de ano e meio estamos na posição onde pensávamos estar ao fim de três anos”
Meios & Publicidade
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José Manuel Fernandes, publisher do Observador, foi eleito Personalidade de Media do Ano nos Prémios Meios & Publicidade. Pretexto para um balanço do primeiro ano e meio do projecto e para olhar para o futuro da imprensa e dos media em geral.
“Ao fim de ano e meio estamos na posição onde pensávamos estar ao fim de três anos”
Um balanço do primeiro ano e meio de Observador, a resposta da concorrência, os novos investimentos e planos de futuro para o projecto, a evolução e futuro da própria imprensa em Portugal e do sector dos media em geral, o destino do papel, a monetização de conteúdos online e as fontes de receita alternativa, paywalls e publicidade nativa, o braço de ferro entre os publishers e o Google, a chegada do Netflix, o desaparecimento de jornais, a pressão sobre os media dos governos de Sócrates e Passos Coelho e o que se pode esperar do novo ciclo politico à esquerda num governo liderado por António Costa… A eleição como Personalidade de Media do Ano nos Prémios M&P foi o pretexto uma entrevista com José Manuel Fernandes, publisher do Observador e jornalista com papel determinante na fundação do Público, onde esteve 20 anos, 11 dos quais como director. Acabou por ser uma longa conversa que poderá ver, em formato vídeo, na secção M&P Plus do nosso site e da qual publicamos aqui um excerto.
Meios & Publicidade (M&P): Quando recebeu o prémio, referiu que não esperava, depois de ter lançado o Público, estar no lançamento de outro novo projecto. Havia expectativa de que o Observador fosse um projecto de tal forma diferente e inovador que fosse capaz de ser reconhecido desta forma tão rápida pelo mercado?
José Manuel Fernandes (JMF): Só poderia ser um projecto ganhador se fosse de facto diferenciador, radicalmente novo em relação àquilo que se produzia. No entanto, optámos sempre por uma estratégia de alguma prudência, não fizemos aquilo que algumas vezes se costuma dizer que é entrar com toda a força pensando que assim é que se ganha o mercado. Infelizmente, houve muitos projectos de comunicação social que, à conta disso, queimaram etapas e depois acabaram por soçobrar.
Estávamos absolutamente convictos de que havia espaço para uma oferta digital de tipo muito diferente. Todas elas estão, ou estavam, de alguma forma condicionadas pelos outros produtos que as mesmas redacções têm de produzir, seja um semanário, um diário, seja um noticiário de rádio. E pela própria legacy, pelos hábitos e cultura das redacções. Achámos que era absolutamente possível, necessário, havia a oportunidade, havia procura, para um projecto focado na informação no momento, on time, rápida, actualizável e, sobretudo, muito adaptada aos novos hábitos de consumo de informação. Uma das coisas que quisemos ter desde o início foi um site que pudesse ser lido em todos os dispositivos e metade das notícias já não lidas nos corredores tradicionais, mais de metade já são lidas em tablets ou smartphones. Não era exactamente assim há ano e meio quando começámos, mas havia a percepção de que era nessa direcção que as coisas estavam a caminhar. Por outro lado, tínhamos a ideia de que em Portugal havia uma espécie de herança dos jornais, que vinha do PREC, altura em estiveram super politizados e partidarizados, e depois do PREC achou-se que tudo era clinicamente puro e independente, o que não é verdade, é falso. A ausência de assumir que há um olhar sobre o mundo acaba por fazer com que exista um olhar não assumido que acaba por ser o resultante da cultura das próprias redacções. Nós quisemos ter isso também como ponto de partida, não fugimos. Achamos que ajuda os leitores. Num meio como o online, onde as pessoas não se deparam com a questão de chegar a uma banca e não terem dinheiro para comprar os jornais todos, podem saltar de órgão de informação em órgão de informação, saber onde se está é importante também. Foram duas apostas ganhas. Ao fim de ano e meio estamos na posição onde pensávamos estar ao fim de três anos, foi uma evolução muitíssimo mais rápida do que tínhamos pensado. Isso permitiu-nos reforçar um pouco o investimento, por vontade própria dos accionistas. Está tudo a correr melhor do que esperávamos.
M&P: Na opinião, e não só, durante muito tempo o Observador foi conotado como um título alinhado à direita. Ainda recebe muitas mensagens e comentários nesse sentido?
JMF: Em Portugal é sempre assim. Há sempre a preocupação de catalogar as pessoas, os projectos, o que quer que seja. E nós fomos, até pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa, que nos deu a honra, fez várias tentativas de catalogação, por acaso todas um bocadinho ao lado porque era sempre em função de candidatos presidenciais que nunca apareceram. Faltaram os candidatos presidenciais, por assim dizer, ao projecto. Obviamente não era assim, o único candidato que acabou por aparecer foi ele, na área com que ele estava preocupado. Mas o projecto distingue claramente aquilo que é a sua cobertura informativa, temos uma cobertura ampla e da qual não temos razões de queixa das várias forças politicas, ou temos queixas por igual, o que é bom sinal. Não gosto de um órgão de informação que não tem razões de queixa, é sinal de que não incomoda ninguém. E os órgãos de informação também são feitos para incomodar, o poder e as oposições. Na parte da opinião, para começar não temos políticos a escrever, quem ocupa cargos políticos, que é uma coisa muito tradicional em Portugal, têm direito a umas colunas, uns debates aqui e ali. Aqui, quem comenta política são pessoas que não estão no activo.
M&P: Durante a campanha eleitoral surgiram criticas de que o Observador estaria alinhado à direita. Concorda com esta avaliação?
JMF: Se falar na opinião, a maior parte foi mais critica da esquerda do que da direita, apesar de ter havido opiniões criticas da direita. Se falar dos textos de informação, acho que é completamente injusto. Entrevistámos todos os líderes políticos, fizemos alguns debates, cobrimos as principais campanhas, não andámos a fazer os detalhes todos mas demos toda a informação mais depressa e com mais lisura e transparência do que a maior parte dos outros órgãos de informação. Inclusivamente tivemos a preocupação de criar uma fórmula nova, que depois foi seguida pelos nossos concorrentes, e que é muito comum nos EUA que é o chamado fact check. Há um líder político que diz alguma coisa e nós vamos verificar se é verdade, se é mentira, se é enganador ou não. Fizemos isso para todos e devo dizer que nem sempre os líderes da direita se saíram bem, às vezes saiam-se mal. Houve total frontalidade e independência.
M&P: Foi muito crítico da forma como o governo de Sócrates lidava com a comunicação social. Agora que se abre um novo ciclo político à esquerda, o que espera em termos de pressão sobre os meios de comunicação social?
JMF: Não sei, espero que não aconteça nada. A situação actual está melhor do que o que estava durante o governo de José Sócrates. Continuo a achar que não devia existir uma Entidade Reguladora com as características que tem, aquilo é o fruto de uma ideia razoável pessimamente aplicada. Não era para ser aquilo, era para ser diferente e depois saiu uma coisa que continua sem fazer muito sentido. Felizmente tem andado apagada, enquanto não se vê pelo menos não faz ondas. Há algumas coisas neste governo que preferia que não tivessem acontecido. Não gosto de ver neste governo um antigo ministro como ministro dos Negócios Estrangeiros, não tem a tutela da comunicação social é certo, mas um antigo ministro que teve essa tutela e procurou fazer uma lei que, pela primeira vez em muitos anos, uniu todos os jornalistas contra ela. Uma Lei do Estatuto do Jornalista que foi considerada quase uma lei da mordaça. Uma lei que foi aprovada, só não entrou em vigor porque o Presidente da República a vetou politicamente. Mas não é o único caso. O anterior presidente da ERC, uma pessoa que não me parece que tivesse da comunicação social a visão mais correcta, é também ministro. E, finalmente, cereja no topo do bolo, porque se foram lembrar de ir buscar para o governo como secretário de Estado da Presidência, aí sim, um cargo importante, o advogado que colocou uma providência cautelar para silenciar o Correio da Manhã num dos seus noticiário sobre o caso José Sócrates? Isso já é um sinal politico que me preocupa mais. Espero estar enganado.
M&P: Parece-lhe que é um indício do que pode vir aí?
JMF: Não sei, mas vemos que António Costa é mais impaciente com a comunicação social do que Passos Coelho. Pelo menos visivelmente, deu esses sinais na campanha eleitoral, as pessoas viram, não estou a dizer nada que não se tenha visto. É mais impaciente, se é mais interventivo, não sei, estamos para ver. Há um mau precedente. Houve uma guerra entre o Público, já depois de eu ter saído, e a Câmara de António Costa por causa da divulgação de dados que a Câmara tinha obrigação de divulgar e fez tudo o que esteve ao seu alcance, até ser finalmente derrotada nos tribunais, para impedir o acesso dos jornalistas a esses documentos. Também não é um bom sinal. Mas no essencial, não penso que venham aí novas censuras.
“Porque se foram lembrar de ir buscar para o governo o advogado que colocou uma providência cautelar para silenciar o Correio da Manhã num dos seus noticiários sobre o caso José Sócrates? Isso já é um sinal politico que me preocupa”
M&P: Voltando aos media e ao Observador, durante vários anos foi pelo Público que foi receber prémios. Como vê o Público hoje?
JMF: Não gosto muito de falar sobre um local de onde saí, acho que não devemos regressar aos lugares onde fomos felizes e eu fui muito feliz no Público. Segue o seu caminho, do nosso ponto de vista é o nosso principal concorrente, ou um dos nossos principais concorrentes. Sabemos que para podermos chegar onde queremos temos que combater no terreno do Público e bater o Público. Portanto, continua a ser uma referência. Na altura, quando saí, o Público tinha quase 20 anos de liderança na internet, tirando os desportivos que são um campeonato à parte. Entre os órgãos de informação foi sempre primeiro, nos últimos quase dois anos perdeu essa liderança, primeiro para o Correio da Manhã e agora nos últimos meses para o Jornal de Notícias. Não creio que sejam boas notícias porque o tipo de informação que o Público continua a fazer hoje é, do meu ponto de vista, mais relevante do que a desses órgãos de informação, que vão por caminhos diferentes. Não estou com isto a desmerecer quer o CM quer o JN, no seu metier e nos seus objectivos não é por acaso que o CM é de longe o jornal líder. É líder porque, por um lado, produz um tipo de informação que ninguém produz, e por outro porque deixou de ter áreas que não cobria. Hoje há áreas, por exemplo no domínio da politica e da justiça, que o CM cobre com uma pertinência e com uma capacidade de dar notícias novas que não encontro noutros órgãos de informação. Mas não é por isso que estão à frente na internet, aí é mais pela parte popular, pela parte cor-de-rosa. É uma parte que não é o campeonato do Público nem do Observador. Do ponto de vista tecnológico, da plataforma, o Público era o único até há pouco tempo que tinha uma plataforma moderna. Mas sinto que às vezes ali se sofre do problema de ter que estar sempre a tomar uma decisão, que é a decisão “ponho já isto ou guardo para o papel amanhã”. Há ali umas horas em que as pessoas param porque têm de estar a fechar a edição em papel. Isso é uma lógica diferente. O público do Observador no online é já hoje várias vezes superior ao alcance que têm as edições em papel que praticamente só chegam a pessoas influentes, que as folheiam mas cada vez menos. Se olhamos para os números de vendas em banca, entre os principais órgãos de informação portugueses, tirando o CM e o JN o resto já quase não existe. É dramático dizer mas é verdade. Mas não quer dizer que não sejam influentes na mesma porque isto depois multiplica nos suportes na internet. Mas na cabeça de muitos jornalistas, e a própria máquina, a lógica das organizações é esta, no dia seguinte, aconteça o que acontecer, os jornais nunca deixam de estar na banca. E, por isso, há uma altura do dia em que se fecha o papel. Isso exige imensos recursos e imensas horas, pessoas e tempo. Acaba por quebrar, às vezes, a atenção que se está a dar a uma notícia de última hora, que exige permanente actualização e que fica às vezes um bocadinho para segundo plano porque é necessário ir fazer uma coisa diferente. Um dos meus desafios nos últimos anos no Público foi ir tentando vencer esta cultura das redacções e que tem a ver muito com a maneira como se trabalha todos os dias, as rotinas estão feitas para ter uma edição no dia seguinte na rua e depois ajustada no online. Tem de ser ao contrário. Posso estar enganado, mas do que conheço da forma como estão organizadas as redacções em Portugal, mesmo aquelas que fizeram apostas grandes online, isso ainda não acontece.
M&P: É essa ligação das redacções com a edição em papel que está a impedir a mudança para o digital?
JMF: O grande problema é que produzir o papel ou um noticiário de hora a hora é uma coisa que obriga a interrupções permanentes, tem realmente uma lógica diferente. Há um grande jornal internacional, o Financial Times, que reorganizou completamente a sua redacção no sentido de dar prioridade ao online. A hora das reuniões, a hora do fecho, a hora em que as coisas têm de estar prontas, tudo é em função do online. E o papel é que depois vai lá buscar o que precisa. Julgo que isso ainda não aconteceu em Portugal. Um projecto que suscitou enorme expectativa, e que tinha um conceito inicial com algum interesse e que tive curiosidade de ver se funcionava, mas julgo que não alcançou as expectativas, foi o Expresso Digital. Se tivesse que estar à frente daquela redacção imagino a dor de cabeça que não seria. Todos os dias tinha que estar pensar se ponho já online, guardo para as seis da tarde quando tiver o Expresso Diário ou guardo para o fim-de-semana quando tiver a primeira página do Expresso semanal. O que faço com a notícia? Esta gestão não é muito fácil porque às vezes o próprio jornalista não conta tudo, porque prefere que saia ali ou acolá e toma ele a decisão omitindo que já tem aquela informação. Não sei se se passa no Expresso mas passou-se comigo quando tinha que gerir essa situação, não me custa a crer que se continue a passar.
M&P: Acabou por ser uma aposta digital que transpõe para o online o modelo do papel.
JMF: No fundo é o velho vespertino. Os vespertinos faziam sentido porque a forma como se recebia informação há 20 ou 30 anos era completamento diferente da forma como se recebe hoje. Os mais velhos ainda têm alguma paciência mas os mais novos é já, não querem esperar. Isso faz com que a própria ideia de guardar seja uma ideia que a pouco e pouco vai perdendo. O que faz sentido guardar são coisas completamento diferentes, não são propriamente notícias. São coisas de reflexão, de enquadramento, análise, reportagens que exigem mais tempo para ler. Não estou com isto a dizer que o papel vai desaparecer ou que os noticiários tal como os conhecemos vão desaparecer, isso não vai acontecer. Ou pelo menos não vai acontecer de um dia para o outro. Muitos órgãos de informação em papel vão continuar a desaparecer, disso não tenho grandes dúvidas, é inevitável. O modelo das televisões generalistas vai mudar, já está a mudar. Em Portugal havia o hábito de comprar um jornal à tarde para haver uma actualização da informação. Aquilo que o Expresso tentou fazer foi retomar esse hábito. Não sei até que ponto é que isso está a ser um sucesso. Parece-me que contribuiu mais para a melhoria do site e para animar todo o resto do site do que propriamente aquela zona. Há uma coisa em que o Expresso é muito forte, não desvalorizemos, é o jornal português com mais assinantes digitais, apesar de não ter sido líder e de estar longe da liderança no digital, é o jornal com mais assinantes digitais. Porquê? Porque na assinatura digital dão acesso à edição do Expresso em papel em formato digital. Isso é um activo que eles não perderam apesar da estratégia de outros órgãos de informação, que fizeram estratégias de fechar parcialmente os seus sites a ver se conseguem aumentar o número de assinantes. O Expresso aí continua à frente. Apostar nesse activo continua a fazer todo o sentido.
M&P: Quando lançaram o Observador identificaram como principal concorrente o Público. Apesar de a concorrência aparentemente estar nos diários por serem estes a liderar em visitas, a resposta mais forte à chegada do Observador acabou por surgir do lado de um semanário, o Expresso, que quase em simultâneo lançou essa edição diária digital. Esperavam esta reacção do Expresso?
JMF: Quem quer vencer tem de olhar para o líder e, na altura, o Público era o líder. O Expresso não era e não é. Agora, no Expresso houve uma evolução forte e rápida nestes anos. Além disso, o Público tinha acabado de fazer uma mudança que o tinha colocado uns passos à frente de todos os outros, foi o primeiro site português de informação geral a ser aquilo a que se chama responsive. Na altura nenhum outro tinha feito isso, nós já construímos nessa base. O que acho extraordinário é que houve sites em Portugal que fizeram entretanto remodelações e não fizeram isso. Não sei em que mundo é que eles estão a viver. O Expresso fez uma aposta vigorosa, importante e arriscada. Teve óbvios frutos na sua página diária, frutos talvez menos claros no número de assinantes que acrescentaram com o Expresso Diário. Cresceram mas penso que a expectativa era maior.
M&P: Talvez a mudança no Expresso mais percepcionada como resposta ao Observador tenha sido a introdução das newsletters matinais, algo que marcou desde cedo a proposta do Observador. Como viu esta criação de uma newsletter em tudo semelhante à do Observador?
JMF: Sabíamos que isso ia acontecer. Quando decidimos fazer as newsletters, não inventámos a roda, adaptámos algo que já existia. Sabíamos que em tudo o que estávamos a fazer havia coisas que os nossos concorrentes iam rapidamente fazer como nós. Admitimos que as newsletters eram uma daquelas que sabíamos que alguém, mais tarde ou mais cedo, ia fazer com as características mais ou menos aproximadas e sabíamos que havia outras coisas que iriam ser mais difíceis de atingir, até por questões culturais. Por exemplo, no nosso site, quando citamos uma notícia de outro órgão de comunicação colocamos o link para a pessoa poder ir ler ao outro órgão. Porquê? Se fizermos isso estamos a ajudar a vida aos nossos leitores e estamos a ser leais. Por outro lado, estamos a perceber o que é a internet, que não é um sitio fechado. Se eu quiser saber mais sobre aquilo, o que vou fazer é sair do meu site, vou abrir o site do outro órgão de informação e vou à procura daquela notícia. Levo mais tempo mais saí do meu site. O que é que não quero que aconteça? Que o leitor deixe o meu site, quero ser o meeting point. Sei que se chegar ali encontro o que preciso. Saio, mas se voltar a querer encontrar o que preciso volto outra vez. E isso é algo que vai muito contra a cultura das redacções portuguesas. Isto é perceber o que é a internet, perceber qual é a nossa função de servir o leitor. Nenhum dos nossos concorrentes foi ainda capaz de dar esse passo. Em relação às newsletters, são hoje em dia uma nova área que todos os órgãos de informação estão a apostar. Porque de facto são muito práticas, são uma forma muito boa de nos aproximarmos sobretudo de que utiliza aparelhos móveis. È muito fácil de ler num smartphone. E é também uma forma muito simpática de orientar as pessoas de um lado para o outro. Era o elemento mais óbvio, não digo que seja o mais fácil. É tão difícil de copiar que eles copiaram mas não o fizeram bem, tiveram que encontrar dez pessoas para fazer aquilo que no Observador é feito por uma. Mas pronto, fizeram, isso é que era importante. Só acho estranho que ainda não tenha aparecido mais gente a fazer o mesmo.
M&P: Tem números que possa adiantar sobre quantas pessoas recebem e abrem as newsletters do Observador?
JMF: Não lhe posso dizer porque, sinceramente, não sei de cor. Até porque demos agora mais um salto com o lançamento de mais uma newsletter, a Lifestyle. E não vamos ficar por aqui, vamos fazer mais. Mais uma vez, estamos atentos ao que está a acontecer, vemos as tendências, percebemos que as pessoas procuram e gostam daquilo, que aquilo é um serviço útil e nós estamos aqui para prestar serviços úteis. Por isso vamos tentar ir, de forma inteligente e não apenas automática, porque há muitas newsletters automáticas, de encontro ao que as pessoas querem. Mas nunca esperei ter tantas pessoas a subscreverem e tantas pessoas a abrirem. Quando comparamos o número de pessoas que abrem uma newsletter com o número de pessoas que abrem um artigo, a newsletter bate aos pontos.
M&P: Com tantos meios a apostarem nas newsletters, não corremos o risco de saturar os leitores? Aquilo que começou por ser um elemento diferenciador do Observador não estará já banalizado depois de ter sido tão explorado também pela concorrência?
JMF: No fim do dia vai ficar à frente quem fizer a melhor newsletter, quem satisfizer melhor as pessoas. E vai haver newsletters para vários gostos e vários feitios. Se fosse por esse raciocínio dizia assim: “já há vários jornais diários, não vou fazer outro”. Ainda bem que há vários. Apesar de tudo, ainda temos cinco diários de abrangência nacional em Portugal. Por exemplo, para que é que há três desportivos? Mas ainda bem que há, é sinal de pluralismo e de que há pessoas com sensibilidades e gostos diferentes.
M&P: Tendo em conta esta resposta do Expresso, por um lado, e por outro a liderança no digital de jornais como o CM, quem identificam hoje como principais concorrentes do Observador?
JMF: Posso dizer que no Observador temos sempre alguém que está a chefiar a redacção, essa pessoa tem dois ecrãs para poder ter mais páginas abertas e tem sempre abertas as páginas dos dois principais económicos, do Diário de Notícias, Expresso, Público, Jornal de Notícias, enfim, aqueles que estão mais atentos à questão da internet. Depois também é preciso dar alguma atenção às rádios mas nesse caso o forte delas é ainda o noticiário de meia em meia hora, que acaba por antecipar muito o que põem na internet. Em Portugal não há, para já, o que há em países como os EUA e Reino Unido, que é um poderoso site de informação de uma televisão, como uma BBC ou CNN. Não sei se algum dia isso vai chegar a acontecer. Estão para ser conhecidos agora os Prémios de Ciberjornalismo e todos os anos aparece sempre muito bem colocada, porque fazem um tipo de jornalismo e de trabalhos multimédia muito bem feitos, a Rádio Renascença. São coisas que levam muito tempo a produzir, mas que é uma aposta que eles fazem como marca de qualidade que têm. É preciso olhar para todo o lado. Às vezes há coisas que surgem de blogues, alguns um bocado mais sofisticados. Isto para não falar de alguns sites internacionais para onde às vezes também temos de olhar, como foi agora com os atentados em Paris ou como vai ser com a cimeira do clima.
M&P: Quando o Observador foi lançado, em Maio do último ano, falavam em alcançar a liderança no digital no espaço de três anos. Vamos a meio do caminho e, segundo dados do Netscope de Outubro, o Observador está já em 11º, com 8,2 milhões de visitas. Estão onde queriam estar nesta fase?
JMF: Quando falamos de liderança no digital não estamos a falar dos desportivos e agregadores. Se tirarmos esses já estamos mais à frente. E também depende do ranking, se falarmos em pageviews estamos em terceiro, se falarmos de utilizadores estamos em sexto. Diria que estamos à frente de onde queríamos estar por comparação com o que era o líder da altura. Estamos muito mais perto do líder da altura do que esperávamos estar, e o líder de então até evoluiu. Houve mudanças, sobretudo o Correio da Manhã que teve uma evolução ao procurar mercados que não são bem os nossos, o que o colocou um bocadinho fora do nosso radar. Mas não deixa de ser alguém em que pensemos, tendo em atenção que nem sempre os números do Netscope são números importantes em termos da receita que trazem. É preciso equilibrar bem o valor por que se vende o anúncio com a quantidade de páginas que se vendem. O líder, que é um jornal desportivo, tem uma receita de publicidade muito baixa, por exemplo. Não consegue traduzir essa liderança porque não é valorizado pelo mercado publicitário. Por isso, precisamos aqui de um equilíbrio quando a nossa principal fonte de receita é a publicidade. Diria que, ao fim de ano e meio, estaremos onde prevíamos estar ao fim de dois anos e meio.
M&P: Nesse caso, acredita que, ao fim dos três anos, estarão à frente do Público, por exemplo?
JMF: Acho que cada passo que dermos agora é mais difícil mas vamos continuar a fazer por isso. Estamos muito mais perto do que pensávamos estar nesta altura, é um facto, portanto temos mais razões para pensar que isso é possível.
“Quando estávamos a fechar o orçamento para 2015 tínhamos determinados objectivos de receitas, a meio de 2015 aumentámos esse objectivo, e vamos provavelmente superá-lo. Ninguém acreditava que isso fosse possível há um ano”
M&P: Em termos de investimento, apontavam também para o break even ao fim de três anos. Estão em condições de atingir esse objectivo ou tiveram de reformular o business plan? Há pouco falou num reforço do investimento.
JMF: O break even será no final do terceiro ano, é o que está previsto. Houve uma aposta um bocadinho maior agora por parte dos accionistas porque sentiram que era necessário alargar a mais áreas e criar canais novos. Isso, naturalmente, criou mais pressão sobre o break even. Não temos um cêntimo de empréstimo, é tudo capital dos accionistas. Foi uma coisa quisemos, não ficarmos dependentes da banca, sabemos os problemas que os meios têm em Portugal relativamente à situação de endividamento. Foi um caminho que, desde o princípio, não quisemos percorrer. Mas, ao mesmo tempo, estamos tão à frente das receitas esperadas que, mesmo com esse reforço de aposta, temos tranquilidade de que chegamos lá. Quando estávamos a fechar o orçamento para 2015 tínhamos determinados objectivos de receitas, a meio de 2015 aumentámos esse objectivo, e vamos provavelmente superá-lo. Ninguém acreditava que isso fosse possível há um ano. Os primeiros, que eram menos ambiciosos do que os segundos, eram objectivos que estavam lá como “conquistar o Evareste”. Já passámos o Evareste, não sei se há algum monte mais alto. Também já passamos esse. Vamos ver. Sabemos que nos primeiros tempos o crescimento é sempre mais rápido do que o crescimento que vem a seguir mas temos sido tão bem surpreendidos tantas vezes que vamos continuar.
M&P: Tendo em conta esses resultados, o modelo baseado exclusivamente em receitas publicitárias ainda funciona para os media?
JMF: Por enquanto sim. Não sabemos se, no final do dia, vamos conseguir viver só da publicidade. Também aqui houve mudanças, negativas para todos os órgãos de comunicação. O peso do Facebook e do Google na captura da publicidade digital aumentou globalmente, não só em Portugal. É um peso tão esmagador que tornou muito mais complicada a vida a todos os órgãos de informação que têm operações digitais, mas não só. A todos, ponto. Isso está a criar um problema a toda a gente. Desse ponto de vista, temos um problema maior do que aquele com que contávamos, sabíamos que ele existia mas não com a dimensão que está a assumir. Por outro lado, também estamos a conseguir ir buscar uma quota de mercado entre os publisher em Portugal que não estávamos a contar ter já nesta altura. Temos conseguido superar os desafios. Mas estão a acontecer mudanças todos os dias, a própria forma como as notícias aparecem nas redes sociais, nos Facebooks, estão a haver novidades e nunca sabemos bem se aquilo vai trazer mais ou menos receitas. Mas não podemos é ficar de fora.
M&P: O que podemos esperar ao nível de modelo de negócio do Observador? A introdução de uma paywall, ainda que parcial?
JMF: Não digo desta água não beberei, nunca se deve dizer isso. Mas a paywall não me parece que seja, no nosso caso, a melhor solução. Pelo menos a curto prazo. Não sei o que o futuro nos reserva. A paywall é um modelo que em alguns órgãos de comunicação está a funcionar relativamente bem. O grande problema é que, ou a paywall é muito agressiva para o leitor como a do Expresso Diário, que é intransponível, que tem o reverso da medalha, que é não se conseguir provar sequer o que é oferecido. Complicam tanto a vida ao leitor que podem criar animosidade. As paywall menos agressivas são bastante esburacadas e muitas delas são facilmente ultrapassáveis sem pagar. Vai-se encontrar formas de complementar a publicidade, nós já estamos a encontrar algumas que já representam uma percentagem significativa das nossas receitas, cerca de 15 por cento, conteúdos patrocinados. Algumas áreas estamos a explorar, como as conferências, não no modelo tradicional porque o mercado está a ficar saturado mas há caminhos, não são muitos mas há caminhos.
M&P: Relativamente a novos projectos, há algum tempo, num exercício com alunos do IADE, foi feita uma experiência de desenhar uma edição em papel do Observador. Ter uma edição impressa, com um apanhado dos artigos mais marcantes da semana por exemplo, é algo que considerem? Há hipóteses em estudo para uma edição em papel do Observador, seja em formato semanal ou outro?
JMF: É um assunto sobre o qual falamos. Ainda não vimos que faça muito sentido, pelo menos fazendo de uma forma tradicional. Há um ou dois exemplos internacionais, por exemplo há uma edição desse género, mas é patrocinada, em que um grupo de empresários quis que houvesse isso do site americano Politico. Fazem uma edição dessas nos EUA. Mas houve um grupo de pessoas que disse “nós gostamos muito de vocês e somos um bocadinho antiquados, por favor façam-nos aqui uma coisa em papel todas as semanas que nós pagamos”. Se nos aparecer alguém que faça isso, estamos cá para as curvas. Mas como modelo de negócio… Nós olhamos para os números das vendas em banca e são tão pouco entusiasmentes.
M&P: Uma área em que o Observador tem apostado muito também é no vídeo. Há ano e meio, Rudolf Gruner, ao M&P, falava na possibilidade de se estabelecerem parcerias no sentido de ter esses conteúdos a passar em broadcast, o que até agora não se concretizou. Isso foi deixado de lado? Ainda pensam nisso?
JMF: Não foi deixado de lado, não conseguimos ainda concretizá-lo. Não tenho os números presentes mas temos alguns vídeos com sucesso significativo. É óbvio que não são vídeos que competem com os canais generalistas ou mesmo com os canais líderes de cabo. Mas temos programas que são mais vistos do que alguns programas de canais informativos da televisão por cabo.