Agências dizem sim ao híbrido e abrem a porta à semana dos 4 dias
Depois de Islândia, Nova Zelândia, Bélgica, Espanha ou Suécia, está a chegar a vez de Portugal experimentar a tão falada semana de quatro dias. O projeto vai ser testado no […]
Sandra Xavier
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Depois de Islândia, Nova Zelândia, Bélgica, Espanha ou Suécia, está a chegar a vez de Portugal experimentar a tão falada semana de quatro dias. O projeto vai ser testado no privado, em 2023, mas há empresas que se adiantaram e para quem a palavra flexibilidade já faz parte do léxico. É o caso de algumas agências com quem o M&P falou para perceber se a adoção deste modelo faz sentido na indústria criativa
“Há muitos anos que beneficiamos de redução de horário semanal, em determinados meses do ano. Mas este ano, na WYcreative, vive-se, desde julho, num modelo de quatro/quatro dias e meio por semana, porque se ampliou o horário de verão até 31 de dezembro”, avança Rita Baltazar, partner e administradora do WYgroup, a que pertence a agência criativa resultante da fusão entre as agências By e Fever.
O mesmo acontece na FCB Lisboa. “Há oito anos que estamos num constante processo de reduzir horas de trabalho dos colaboradores, sem diminuir a remuneração. Já fizemos quase tudo: reduzir uma hora por dia de trabalho, todos os dias, oferecer as sextas-feiras à tarde aos colaboradores. Ainda não temos planeado ativar a semana de quatro dias, mas está aí algo para pensarmos fazer. Quem sabe em 2023?”, reflete Edson Athayde, CEO e chief creative officer da agência.
Mas nem todos têm experiências idênticas. No caso do grupo Havas Portugal, o presidente da Havas Worldwide, Pedro Graça, refere que na agência de publicidade não testaram a semana de quatro dias, mas adianta que “outras empresas do grupo estão a ponderar dar esse passo”.
Susana Albuquerque, partner e chief creative officer da Uzina, recorda duas experiências diferentes dentro da agência: “Já tivemos um copy que trabalhava quatro dias por semana. Funcionou durante algum tempo, até deixar de funcionar. Ele era o único nesse modelo. Não trabalhava às sextas, mas os projetos continuavam às sextas. Esse descompasso era difícil de gerir. Por outro lado, temos uma outra experiência a decorrer, e bem, porque inclui toda a agência. Às sextas, fazemos jornada intensiva das 8h30 às 16h30. Conseguimos organizar-nos para cumprir este horário, os clientes estão avisados, nenhum trabalho fica pendurado por isso, e é motivador para as pessoas saberem que têm parte da tarde livre.”
Criativos “apenas” quatro dias por semana
Mas, afinal, a semana de quatro dias funcionaria bem na área criativa?
Edson Athaíde não hesita: “Deus não inventou a semana de trabalho de cinco dias. Nem Alá, nem Buda. Semanas e horários funcionais não passam de convenções. Ajudam a que nos organizemos dentro de uma linha industrial de produção. Dão jeito, mas não devem ser encaradas como algo sagrado. Com planeamento e organização seria possível, a quase todos, o trabalho em quatro dias em vez de cinco. Na publicidade, de certeza. Na área criativa, mais ainda.”
Rita Baltazar vai mais longe: “Funcionaria bem em todas as áreas onde o core são as pessoas. Não só na área criativa. É errado continuarmos a utilizar as mesmas ferramentas para atrair, reter e aculturar talento. As semanas de quatro dias são um dos muitos exemplos, mas existem outros, porque o mais importante não é a forma do benefício, mas a iniciativa em si. E a capacidade de perceber o que melhor se adapta à equipa e área de negócio onde estamos. O one size fits all perdeu validade e, para os mais desatentos, tudo mudou, nós inclusivamente.
Susana Albuquerque, que foi recentemente reconduzida na presidência do Clube de Criativos de Portugal, rende-se às “evidências”. “É mais justo trabalhar quatro dias e descansar três, em vez do que vivemos agora, trabalhar cinco dias e descansar dois. Acredito que caminharemos para a semana de quatro dias, sobretudo para ganhar qualidade de vida, além de estarmos a contribuir para a redução da pegada de carbono, se pensarmos a uma escala planetária”, afirma, ressalvando, no entanto, que “a dificuldade deste modelo, na criatividade, é o trabalho em equipa”. “Nesta profissão todos dependemos de todos. Acho que o modelo funciona se for para todos, e não só para alguns. E levanta questões para as quais não tenho resposta. Trabalharemos todos de segunda a quinta ou os dias serão rotativos? Como se gerem essas agendas?”, questiona.
Por sua vez, Pedro Graça defende que, “para que funcione bem, é necessário organização e disciplina para que os quatro dias sejam efetivamente quatro dias de trabalho”.
Vantagens compensam desvantagens
Felicidade e maior produtividade são, desde logo, apontadas como duas das vantagens de uma semana de quatro dias de trabalho. “Vejo pelo nosso exemplo das sextas. Trabalha-se com mais foco para conseguir sair a horas”, constata Susana Albuquerque. Edson Athayde acrescenta: “Maior produtividade, pois haverá menos tempos mortos entre projetos. Colaboradores mais organizados, mais descansados e com menos questões pessoais a resolver durante os dias de trabalho. Pessoas com mais referências culturais e de vida, pensado que elas poderão ver mais filmes, ouvir mais músicas, passear mais, etc.” Pedro Graça também realça o facto de os colaboradores poderem ter mais tempo livre “o que, em princípio, se traduz em pessoas mais felizes, com mais tempo para tratarem de assuntos pessoais e, por reflexo, mais produtivas e focadas nos quatro dias de trabalho”.
Rita Baltazar não tem dúvidas. Vantagens? “Todas. Índice de felicidade das equipas, nível de motivação, atração e retenção de talento. Trabalha-se com mais antecipação e organização para garantir que todos os projetos seguem os timings previstos. E, acima de tudo, contamos com a parceria dos nossos clientes, que se juntam com solidariedade a estes momentos, o que ajuda a agilizar”.
No entanto, a partner do WYgroup admite que “nem sempre conseguimos. Há algumas variáveis que não se conseguem controlar, como situações de última hora, alteração de deadlines. Não consideramos desvantagens, são desafios. Mas qual é o modelo que não tem desafios? Compensam todos os outros dias em que se consegue, e muito!”, garante.
Já para o presidente da Havas Worldwide Portugal, uma coisa é a teoria, outra é a prática e explica porquê: “A logística de implementação é complicada – como se distribuem os quatro dias de trabalho pela semana? São iguais para todos, ou são rotativos para que a empresa tenha sempre equipas a trabalhar durante os tradicionais cinco dias úteis da semana? A resposta a estas questões não é fácil”.
Quanto à presidente do Clube de Criativos e partner da Uzina, a maior desvantagem é “o quebra-cabeças de encaixar as agendas de quem está e quem não está durante a execução de cada projeto”. Nada que assuste o CEO da FCB Lisboa. Para Edson Athayde, o principal desafio da flexibilidade de horários é “convencer alguns clientes que o tempo em que era giro confundir agência de publicidade com escravatura já passou”.
O híbrido veio para ficar
Diferenças de opinião à parte, certo é que as quatro agências abordadas pelo M&P já se renderam ao regime de trabalho híbrido, na maioria, adotado depois da pandemia.
Na Havas Wordwide Portugal “funcionamos em regime híbrido: três dias de trabalho presencial, dois dias de trabalho remoto. Há uma grande flexibilidade no nosso modelo híbrido, pois deixamos que as equipas se organizem e decidam, em função do trabalho, qual a melhor maneira de distribuírem o seu tempo”, realça Pedro Graça. Também a Uzina optou pelo “regime híbrido: segundas, quartas e sextas na agência. Às terças e quintas só vai à agência quem quer”, explica Susana Albuquerque.
Em algumas unidades do WYgroup, o híbrido já era praticado. Atualmente, estendeu-se a todo o grupo, embora existam “vários modelos implementados, que dependem das características e perfis das equipas”, salienta Rita Baltazar.
Já a FCB Lisboa dá liberdade de movimentos total: “Chamamos ao nosso modelo de fluído – as pessoas podem trabalhar onde quiserem, no país que quiserem, sem compromissos de ir ao escritório, a não ser por vontade própria ou para tocar um projeto em determinado momento. Tem funcionado mais do que bem”, conclui Edson Athayde.
Cada caso é um caso
Para Rita Baltazar, “o futuro das empresas passa pela capacidade de entendermos o que funciona melhor para os seus colaboradores e para as dinâmicas das equipas. Passa por estarmos despertos para a necessidade de criarmos novas abordagens estratégicas para criar e transmitir cultura, propósito e valores, de forma criativa e genuína. Acredito que não passa por `obrigar´, mas por `responsabilizar´. Temos assistido recentemente a grandes alterações dos comportamentos dos colaboradores e das empresas. A melhor forma de estarmos preparados é adoptar modelos evolutivos, flexíveis e escaláveis, porque todos nós mudámos e passámos a querer um futuro com estes vetores bem marcados”.
Susana Albuquerque considera que “depois de muitas experiências feitas na Uzina, a que temos agora parece-nos a melhor. O nosso trabalho ganha muito com a presença física, com a discussão, com o que se fala nos corredores, com ver os que os outros estão a fazer na mesa do lado – já alguém experimentou discutir num Teams? – mas não nos podemos esquecer de que vimos de um período de trabalho remoto que funcionou”. “Há partes dos projetos que ganham com a solidão. E poder trabalhar de casa, alguns dias, traz benefícios práticos e financeiros que representam maior qualidade de vida para as pessoas. É como em tudo. O ideal é encontrar um equilíbrio entre os dois modelos”, aponta a também presidente do CCP.
Pedro Graça não tem dúvidas: “Acho que não vamos voltar para trás. Uma das poucas coisas boas que a pandemia nos trouxe foi a prova de que é possível trabalharmos sem termos que estar todos os dias no escritório.” No entanto, salienta, “a atividade de uma agência de publicidade precisa de momentos em que o trabalho é feito presencialmente. Há muitos problemas que se resolvem numa conversa de corredor, à volta da máquina do café”. Nesse aspeto, o presidente da Havas concorda com Susana Albuquerque: “Às vezes, olhar para o monitor do colega do lado é o suficiente para que se perceba que se está a cometer um erro ou a ir por um caminho que não é o melhor, por isso, os momentos no escritório não podem desaparecer. “Dito isto, também me parece óbvio que não é necessário que todos estejam a toda a hora no escritório, há muitas interações de trabalho que se resolvem perfeitamente de forma remota. O grande desafio que este novo método de trabalho nos traz é sobretudo de organização e de procura de soluções que ajudem, em remoto, à criação de espírito de equipa e sentido de pertença”, conclui.
Edson Athayde reconhece que “não haverá modelo único. Cada um sabe a dor e delícia de ser como é. A FCB Lisboa gosta do modelo fluido, tem a ver com o nosso ADN de liberdade, felicidade funcional e criatividade. Outros poderão ir por caminhos diversos e tudo bem”, sustenta.
As empresas do setor privado têm até janeiro de 2023 para se candidatarem ao projeto piloto dos quatro dias de trabalho semanais. Em fevereiro será feita a seleção dos participantes e, de março a maio, será feita a preparação da experiência. O modelo dos quatro dias de trabalho será testado de junho a novembro do próximo ano. Durante a experiência, as empresas poderão adotar uma carga horária semanal de 36, 34 ou 32 horas e não poderá haver redução de salários.
Em dezembro de 2023, haverá um período de reflexão. Se o balanço do projeto piloto for positivo, então a experiência da semana de quatro dias poderá ser estendida ao setor público.