Nuno Pinto de Magalhães
No último ano o ICAP analisou sete denúncias. Nuno Pinto de Magalhães explica por que tem o sector a ganhar em dar força à auto-regulação. Código de Auto-Regulação para Produtos Cosméticos pode estar para breve
Meios & Publicidade
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No último ano o ICAP analisou sete denúncias. Nuno Pinto de Magalhães explica por que tem o sector a ganhar em dar força à auto-regulação. Código de Auto-Regulação para Produtos Cosméticos pode estar para breve
O director de comunicação e relações institucionais da Sociedade Central de Cervejas, Nuno Pinto de Magalhães, assumiu no fim de 2014 a presidência do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP), em representação da APAN. Em entrevista, Nuno Pinto de Magalhães questiona a vontade do anterior governo em impor um visto prévio à publicidade de telecomunicações. “Porquê sobrecarregar o Estado de recursos administrativos e financeiros se o sistema complementar que o ICAP preconiza poderia exercer essa função de triagem com maior celeridade e qualidade?”
Meios & Publicidade (M&P): A auto-regulação pode ser considerada uma forma de as marcas evitarem maiores ou novas restrições legais à sua comunicação comercial?
Nuno Pinto de Magalhães (NPM): É mesmo esse um dos principais objectivos da auto-regulação.
A actividade legislativa do Estado só deve ser exercida em última instância e incidir sobre sectores conturbados que mereçam ser regulados. Se a auto-regulação estiver adequadamente implementada, como é o caso de Portugal, através do ICAP, na comunicação comercial, esvazia-se o fundamento da intervenção do legislador porquanto está salvaguardada a defesa dos direitos em causa. No fundo, melhor auto-regulação para menos legislação.
M&P: Qual a abordagem do ICAP quando lhe é solicitava, por parte de uma entidade pública ou associação, uma opinião ou parecer sobre determinada matéria ou alteração legislativa?
NPM: De total abertura e disponibilidade. Aliás, determinadas entidades públicas convidam o ICAP a pronunciar-se. E não é de estranhar se tivermos em conta que o ICAP se encontra enriquecido pela sua especialidade em matéria de publicidade e outras formas de comunicação comercial.
M&P: O Código da Publicidade proposto pelo governo PSD/CDS consagrava pela primeira vez a auto-regulação, no entanto, impunha um visto prévio a todas as campanhas de telecomunicações. É sinal que o legislador desconfia da auto-regulação?
NPM: A previsão da consagração legal da auto-regulação foi uma manifestação inequívoca do reconhecimento das vantagens que o Estado, consumidores e agentes económicos poderiam beneficiar com a auto-regulação. Por outro lado, tal consagração reflectia tão só aquilo que numerosas directivas europeias vêm sugerindo aos Estados membros. Sobre o visto prévio do regulador nas campanhas das telecomunicações, como também sucede noutros sectores de actividade, estamos em plena discordância. Porquê sobrecarregar o Estado de recursos administrativos e financeiros se o sistema complementar que o ICAP preconiza poderia exercer essa função de triagem com maior celeridade, e mesmo qualidade se atendermos à especialização dos membros da estrutura do ICAP, o Júri de Ética e o Gabinete Técnico-Jurídico. Releve-se que isto não representa uma intromissão nas competências do regulador, pois este sempre poderia conduzir uma monitorização, de preferência implacável, junto de eventuais infractores. Todavia, sabendo que o ICAP analisaria as campanhas com base em normas éticas e que estas são mais restritivas do que as legais, duvido que os houvesse.
M&P: Que expectativas tem para esta matéria em relação ao novo governo?
NPM: De que irá apostar efectivamente na auto-regulação numa perspectiva de futuro e de reconhecimento de que esta a todos aproveitará.
M&P: Em Outubro de 2014 foi assinado o Código de Auto-Regulação da Comunicação Comercial em Matéria de Bebidas Alcoólicas – Vinhos e Espirituosas. É já possível fazer um balanço desta iniciativa?
NPM: De facto, faltava para termos todo o sector de bebidas alcoólicas abrangido, depois do sector cervejeiro, o dos vinhos e das espirituosas. Foi um grande passo reconhecido por todos, autoridades incluídas, nacionais e estrangeiras, sendo este código considerado, em termos de princípios, com pre-clearence no caso dos vinhos e monitorização no caso das espirituosas e cervejas, um best practice ao nível europeu. O balanço é, quanto a nós, muito positivo. O ano de 2015 foi de adaptação dos diversos subscritores aos mecanismos que se impunham. “O caminho faz-se caminhando”, estando certo que 2016 iremos continuar a ajustar o modus operandi.
M&P: Estão a trabalhar neste momento em mais algum código de auto-regulação? Há algum sector em que poderia ser interessante as empresas criarem um conjunto de regras de auto-regulação?
NPM: Destacamos o Código de Auto-Regulação da Publicidade e Outras Formas de Comunicação Comercial em Matéria de Produtos Cosméticos, projecto que já fizemos chegar à AIC – Associação dos Industriais de Cosmética, Perfumaria e Higiene Pessoal. Quanto a outros normativos éticos, que temos em carteira e em diálogo com os intervenientes adequados e cuja divulgação não é oportuna, reiteramos a nossa disponibilidade para os adoptar e implementá-los, a bem da auto-regulação. O ICAP tem um Código de Conduta transversal e agregador de múltiplas disciplinas e formas de comunicação. Desafiamos incessantemente a indústria a nos fazerem chegar os receios sectoriais que porventura sintam.
“Um dos factores do decréscimo do número de reclamações pode resultar do aumento significativo dos copy-advices”
M&P: Em termos de disputa entre anunciantes, quantos casos analisou o ICAP no ano passado? Em relação a anos anteriores, como tem evoluído o número de deliberações?
NPM: O ano passado registaram-se sete queixas. Da evolução é-nos difícil falar. De facto, tem vindo a ser demonstrado que o número de queixas é imprevisível de ano para ano. A título exemplificativo mas relevante, um dos factores do decréscimo do número de reclamações pode resultar do aumento significativo dos copy-advices. Ao abrigo do princípio da transparência, para além do site do ICAP que detém toda a informação, inclusivamente das partes envolvidas sobre as queixas interpostas, passámos também este ano a ter uma newsletter electrónica, que vai para todos os nossos associados e outros stakeholders, com a mesma informação em tempo útil.
M&P: Mas os anunciantes ou agências recorrem ao sistema de copy advice do ICAP que permite o aconselhamento jurídico sobre o anúncio de uma campanha publicitária antes da sua difusão? Quantos recorreram no ano passado?
NPM: A possibilidade de os associados do ICAP poderem recorrer, gratuitamente, ao copy advice prévio, é uma ferramenta que gostaríamos que fosse ainda mais utilizada, nomeadamente pelas agências de publicidade, pois seria mais eficaz na prevenção de inconformidades e pouparia certamente custos aos associados, nomeadamente com a necessidade de apoio jurídico específico. Mesmo assim, em 2015 tivemos 81 pedidos de copy advices o que significou um aumento de cerca de 17 por cento em termos de variação homóloga. Estes dados, que estamos aqui pela primeira vez a comunicá-los em termos públicos, traduzem a crescente responsabilidade de todos os agentes publicitários, anunciantes, meios e agências, e contribuem para a dignificação da sua actividade e respeito pelos consumidores.
M&P: Costuma ser apontado ao ICAP que, muitas vezes, as deliberações só são divulgadas depois de as campanhas não estarem no ar, impedindo assim a eficácia da deliberação. Concorda com esta crítica?
NPM: Não como crítica. Estes casos acontecem essencialmente em campanhas de curta duração, veiculadas em TV ou em digital. Daí recomendarmos o copy advice, conforme expliquei antes. Devemos ter presente sobre esta contingência que o ICAP está sujeito a uma tramitação específica que garanta a defesa de todas as partes envolvidas. A saber: a observância do princípio do contraditório, o que quer dizer que o júri não pode deliberar sem a defesa da parte visada, e a interposição da queixa ser por nós recepcionada quando a publicidade foi, faz tempo, veiculada.
M&P: A generalidade do consumidor comum desconhece a existência do ICAP. Quantas queixas receberam de cidadãos comuns no ano passado? Pretendem divulgar mais o ICAP junto da sociedade civil?
NPM: O comportamento tradicional dos consumidores portugueses, em tudo o que interage com os seus direitos, é de algum laxismo nas reclamações/queixas. Mas este comportamento está a mudar e ainda bem. Temos de continuar no caminho seguido nos últimos anos e que consta do nosso Plano de Actividades de campanhas de notoriedade do ICAP, que permita ao consumidor saber da possibilidade de nos utilizar, a par de outras organizações existentes, para se fazer ouvir e valer em tudo o que considere que a comunicação comercial/publicitária feriu os seus direitos e salvaguarda. Em 2015 não existiram queixas formais de consumidores, ao contrário de anos anteriores, não obstante os numerosos contactos de esclarecimento e não só que os particulares nos dirigiram. Quer isto dizer que estes, apesar de terem um formulário de simples preenchimento no site do ICAP e de poderem contar com o apoio do secretariado, acabam por não formalizar as reclamações, pois, muitas vezes, os contados havidos com o ICAP esclarecem as suas dúvidas ou processos de intenção. Note-se que estas potenciais queixas são gratuitas para os consumidores e para as associações que os representam, com as quais temos vindo a desenvolver um profícuo inter-relacionamento.
M&P: É inevitável perguntar-lhe, enquanto head of corporate affairs da Sociedade Central de Cervejas, como viu a decisão do júri do ICAP de impedir a Sagres de se afirmar como “A Cerveja Oficial do Futebol”.
NPM: Apesar de eu ter, para este efeito, estes “dois casacos”, é a prova provada que o Júri de Ética é um órgão completamente independente da direcção do ICAP.
Cinco decisões do ICAP analisadas à lupa
O M&P esteve a ler as deliberações do Júri de Ética ICAP referentes a 2015. Seguem-se as disputas mais relevantes, atravessando os sectores das bebida, azeite, detergentes e telecomunicações
Não há cerveja oficial do futebol
Uma guerra comercial clássica: Super Bock vs Sagres. A Unicer apresentou queixa contra a Sociedade Central de Cervejas e Bebidas pelo facto de a Sagres ter usado numa publicidade em TV a frase “A Cerveja Oficial do Futebol”. A empresa da Super Bock alegava que se estava perante uma “publicidade ilícita, falsa e enganosa, com violação das normas que consagram os princípios da honestidade e da veracidade da publicidade, que proíbem, em especial, a publicidade enganosa”, já que a marca da Unicer tem contratos de patrocínio nesta modalidade.
A Sagres alegou que a campanha esteve apenas presente em estádios de futebol, e não na televisão, e que era realizada no âmbito de “contratos de patrocínio validamente celebrados com as entidades detentoras de tais direitos”, englobando a Liga Portuguesa de Futebol, Primeira Liga, Taça da Liga e competições profissionais das selecções. Além disso, a Sagres relembrou que era “a marca mais espontaneamente associada em Portugal a este tipo de desporto”.
O júri considerou que a expressão “cerveja oficial” não comporta qualquer ambiguidade, isto é, o título teria de ser atribuído pelas autoridades competentes como um direito exclusivo. Desta forma, a expressão “oficial” correspondia a uma utilização não autorizada e só poderia ser aplicada caso patrocinasse em exclusivo todos os eventos e acções da modalidade. “A expressão é susceptível de induzir em erro o consumidor médio quanto à qualidade do anunciante, no sentido de um reconhecimento ou aprovação oficiais”, refere o júri. Resultado: a Sagres não pode apresentar-se como “A Cerveja Oficial do Futebol”.
O tamanho do olival da Oliveira da Serra
Outra disputa, agora nos azeites: Gallo Worldwide vs Sovena Portugal. O ICAP analisou quatro expressões após queixa da Gallo contra a Sovena: “Nasceu no maior olival do mundo”, “Cresceu no melhor lagar do mundo”, “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo” e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo”. A primeira deliberação do júri do ICAP é longa, mas a conclusão é peremptória: “É susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite Oliveira da Serra consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.”
A publicidade em causa seria para suspender. No entender do júri, o anúncio da Oliveira da Serra não apresentava nem remetia para quaisquer provas, dados, estudos ou investigações que comprovassem ou permitissem inferir as tais conclusões de superioridade. A título de exemplo, a publicidade não apresentava a qualquer estudo que demonstrasse ser a Oliveira da Serra a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo. “Tal não é verdade, nem sequer verosímil”, considerará o ICAP já no texto de recurso, já que a Oliveira da Serra foi registada em 1969, enquanto a Gallo “existe no mercado há mais de cem anos, ganhando prémios recorrentemente desde 1908”.
A Sovena recorreu da decisão, a argumentação foi reforçada e o júri mudou parcialmente a decisão. Assim, como justifica a Sovena, de acordo com o World Best Olive Oils, organização que classifica num ranking os azeites premiados por instituições credíveis em todo o mundo, a Oliveira da Serra é a marca portuguesa mais galardoada e a Sovena a empresa que tem o maior lagar de azeite do mundo. Desta forma, as referências de superioridade em relação ao lagar e aos prémios ficaram fundamentadas, mas o que aconteceu ao “maior olival do mundo”? Entendeu o júri que a Sovena se abastece não em um mas em três olivais situados em concelhos alentejanos diferentes (Ferreira do Alentejo, Elvas e Avis). Além disso, “não foi prova nem esta Comissão de Apelo dispõe de qualquer informação de que não exista olival maior em toda a superfície da Terra”, pode ler-se na deliberação. A expressão, não pode ser usada, portanto. Fica também o recado para os jornalistas que têm escrito nos últimos anos que “o maior olival do mundo é português”. É melhor confirmarem as fontes.
O folheto da Vodafone
A DECO não gostou do que leu num folheto da Vodafone TV NET Voz. Alegava a associação da defesa do consumidor que o preço de 25,90 euros por mês não correspondia aos serviços publicitados. No folheto eram prometidos mais de 100 canais, que, na verdade, não eram todos de televisão, o tráfego de internet até 50 Mbps não estava garantido e para usufruir da oferta de 25 euros (20 euros em videoclube e cinco para karaoke) era necessário alugar o equipamento TvBox, o que acarretaria um encargo mensal de 4,50 euros (ADSL) ou 5,50 euros (fibra).
O júri, que detectou várias imprecisões na queixa da DECO, deliberou que “o folheto reúne, detalhadamente e de forma objectiva toda a informação necessária à tomada de decisão de compra informada por parte do consumidor, não induzindo nem sendo susceptível de o induzir em erro”. A DECO não tinha, portanto, qualquer razão.
Cuidado com as comparações
A Unicer lançou uma campanha publicitária, com três spots, à marca Água das Pedras. O mote era “Porquê beber Pedras e não uma água com gás qualquer?” e tinha como assinatura “Cuidado com as aparências. Pedras é Pedras. Tudo o resto é só água com gás.” A Água de Luso torceu o nariz e considerou que se estava perante publicidade comparativa ilícita e publicidade enganosa.
Na argumentação, a Unicer chega a considerar que “a postura da queixosa é surpreendente, pelos argumentos aduzidos e pela forma agressiva com que os mesmos são apresentados, parecendo mais preocupada em atacar e esconder algo do que alertar para potenciais ou eventuais erros ou lapsos de um concorrente”. Tiro ao lado. O ICAP deu razão à Água de Luso já que as mensagens veiculadas violavam os princípios da veracidade, comprovação, comparação e denegrição do Código de Conduta do ICAP. O caso foi analisado já depois de a campanha ter saído do ar.
A guerra de cápsulas
Não se trata de cafés, mas da comparação de cápsulas de detergentes para a roupa. No spot do Persil Power Mix Caps, da Henkel, protagonizado por uma criança, era apresentada uma “mistura revolucionária” da responsabilidade da “melhor cápsula do mercado”. Surgia também uma espécie de gráfico com cinco cápsulas, quatro das quais “implicitamente” identificáveis com produtos concorrentes. A cápsula da Persil obtinha o melhor desempenho nesse gráfico.
A concorrente Unilever Jerónimo Martins, que comercializa Skip, questionou a legalidade da utilização da criança, uma vez que não via qualquer relação directa entre o produto anunciado e target infantil. A empresa referia que as cápsulas de gel tira-nódoas com potenciador em pó não tinham sido lançadas pela primeira vez no mundo pela Henkel e que em Portugal tinham chegado ao mercado ao mesmo tempo que as cápsulas da Skip.
Decisão do júri: não havia qualquer relação directa entre o menor e o produto anunciado (viola o nº 2 do art. 14º do Código da Publicidade), a superioridade do produto anunciado era apresentada sem restrição a circunstâncias nem critérios (feria o princípio da veracidade) e não ficou provado que o produto da Henkel fosse inovador. O júri considerou que se estava perante um caso de publicidade comparativa, infringindo as normas legais e da auto-regulação.